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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

A luta internacional por Partidos dos Trabalhadores

Em sua crise de decomposição, o sistema capitalista não pode mais tolerar as conquistas da classe trabalhadora e dentre elas, o direito à auto-organização dos trabalhadores.
A democracia, pelo ponto de vista dos trabalhadores, numa sociedade de classes tem um pilar fundamental: o direito à auto-organização sindical e política da classe que é dominada. Neste momento, uma das expressões mais acabadas de uma política que nega a democracia operária é a perseguição que o Partido dos Trabalhadores de Lula no Brasil e o Partido dos Trabalhadores de Louisa Hanoune na Argélia estão sofrendo através da prisão política de suas lideranças mais importantes.
A sigla PT é um conceito que expressa a disposição de criar um partido que organize  o conjunto dos explorados e oprimidos da sociedade, de forma independente dos patrões e do Estado. O ataque dos Estados destes países aos partidos dos trabalhadores não é, entretanto, um problema nacional interno destes países, mas se alinha ao atual estágio da luta pela manutenção da dominação imperialista dos EUA no mundo.
Este artigo no blog Ciência & Revolução apresenta a transcrição de três intervenções orais de Pierre Lambert em momentos diferentes de sua trajetória na construção de uma Internacional de Trabalhadores que se colocam o problema da auto-organização política da classe em partidos de trabalhadores.
A primeira destas intervenções ocorre no congresso de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT Francês) em 1991. Neste congresso Lambert explicita o que ele chamava de linha da transição na construção do partido. Lambert discute muito curtamente a necessidade de se construir um espaço comum de luta com todas as tendências do movimento operário, independente de suas origens ideológicas, que  rompiam nos fatos e nas badeiras de luta com o aparelho burocrático do Kremlim, que desmoronava. Para Lambert, a classe, em sua luta, procura o caminho da independência de classe, então a tarefa dos revolucionários era oferecer um quadro comum para reagrupamento internacional a partir do combate pela independência da classe trabalhadora na preservação das conquistas operárias, a mais importante delas o Estado Operário soviético.

A segunda intervenção transcrita saúda a fundação do PT argelino (1990), Lambert explicita uma outra faceta da linha da transição, que eram as campanhas internacionais sobre pontos concretos. Naquele momento, a questão da dívida externa era uma questão candente para os povos e Lambert está comprometido com a organização de uma longa linha de conferências, que organizavam o combate contra o pagamento da dívida externa. O que concentrava, na época, uma linha de frente única antiimperialista. Lambert, aqui, deixa claro que uma internacional serve para organizar os trabalhadores por suas lutas concretas.

A terceira intervenção transcrita ocorre, em 2006, durante o sexto congresso da IV Internacional. O contexto particular desta discussão não é simples. A partir do trabalho comum com o movimento negro estadunidense na denuncia da limpeza racial ocorrida em Nova Orleans depois do furacão katrina, os militantes da IV Internacional estão discutindo o apoio ao lançamento de uma candidatura pelo movimento negro dos EUA. Lambert se coloca nesta discussão num passo além da defesa da expressão política de uma candidatura negra que represente esta nacionalidade oprimida como parte de um processo de contrução de um Partido dos Trabalhadores também nos EUA, posição de Trotsky. Ele explicita que esta candidatura para se tornar um real ponto de apoio para os oprimidos precisaria de passos auto-organizativos concretos para seu lançamento nacional, não encarando como limites a própria regras burocráticas e anti-democráticas que a legislação bipartidarista naquele país  contra a democracia operária. Daí a insistência para que - naquele momento da discussão - a melhor ajuda que os militantes poderiam dar para apoiar esta candidatura não era a discussão ideológica de nomes, programa ou possíveis divergências com as táticas adotadas pelo movimento negro - pois isto dizia respeito a própria auto-organização negra - mas sim se concentrava nos passos organizativos para ajudar que esta candidatura se apresentasse em todas as etapas da votação e não apenas na etapa estadual. Nos meses que se seguiram a esta discussão a candidatura que consolidou esta ação do movimento negro estadunidense foi o de Cinthya McKinney.

Para além destas três transcrições que apresentamos neste texto, a experiência de construção de partido de trabalhadores  levou a, no Peru, ser proclamado um Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo. Sua comissão organizadora emitiu um comunicado em 10 de junho de 2009. Esse comunicado também foi publicado na Revista A Verdade - Revista Teórica da IV Internacional (número 66 setembro de 2009). Nesta declaração, após defender uma Constituinte para reverter a privatização da água, a comissão organizadora declara:  "Apoiamos a decisão do companheiro Alberto Pizango, presidente da Aidesep, de se refugiar na embaixada da Nicarágua para defender sua liberdade e sua vida,e exigimos que o governo de Apra anule a ordem de prisão contra o companheiro. Não temos nenhuma dúvida de que, por trás do massacre dos povos originários da Amazonia, está o embaixador dos EUA". A comissão defende o direito a auto-organização do povo trabalhador "Assim como a classe necessita da CGTP (Central Sindical) e de suas organizações sindicais, necessita de seu próprio partido politico, que ajude a combater, por suas reivindicações e pelo poder, para acabar coma exploração, causa de todos os seus males. Eis porque chamamos todos os dirigentes e militantes sindicais a nos acompanharem nessa decisão de realizar um congresso de organização de um Partido dos Trabalhadores da Cidade e do Campo"

Em todos estes momentos, a intervenção política de Lambert se concentrou nos passos práticos concretos que uma Internacional pode dar aos trabalhadores e nacionalidades oprimidas que buscam a via da auto-organização. E suas intervenções, despidas de narrativas ideológicas, são expressões de um método de tratamento dos problemas concretos da classe e dos povos na luta por sua libertação. A forma de apresentar os problemas não é neutra, e Lambert sabe disso.
Há um balanço político a ser feito da aplicação da linha de construção de partidos de trabalhadores: Quais os obstáculos que enfrentou a luta pela independência e auto-organização política da classe trabalhadora em cada país e no geral? Como vemos estes problemas diante da prisão de Lula e de Louisa Hanoune?

Um balanço justo deve incluir a experiência do país onde a experiência da classe com o partido que construiu foi mais longe. Acerca do PT brasileiro, ainda encontramos na Revista A Verdade (Número 594 de novembro de 1984- antiga série) uma análise de sua criação no artigo "O que é o Partido dos Trabalhadores do Brasil?" No qual podemos ler ''Com efeito o PT não é um partido social democrata subordinado ao imperialismo. Não é um partido stalinista intrumento da burocracia contrarevolucionária de Moscou, dependente do imperialismo. Tampouco é um partido centrista cristalizado e estabilizado cujo o destino estaria desde já estabelecido como sendo o da manutenção de uma linha oportunista, de conciliação entre o campo da revolução e o campo da contra-revolução, o que ensejaria a capitulação e o seu esfacelamento". Neste momento, a ação que a organização alinhada com  Lambert - Organização Socialista Internacionalista(OSI) -  se dava no seguintes termos: "A OSI , que luta por um partido operário, não pode hoje permanecer indiferente aos desenvolvimtneo desse processo, a menos que ela preferisse se transformar em uma seita propagandista de bons principios. A luta de classes, que coloca hoje no Brasil a questão do poder, obriga os marxistas a colocar o problema da organização politica dos trabalhadores como a questão imediata a se resolver. Para a OSI , a construção de um PT sem patrões não é contraditória com a construção da seção brasileira da IV Internacional, porque o PT sem patrões coloca na prática a necessidade da indepêndencia de classe."

Nos primeiros anos do século XXI, a classe operária foi chamada a participar de outro tipo de construção política. A do Forum Social Mundial, que era apresentado como um novo espaço para o regrupamento internacional daqueles que lutavam contra os efeitos do capitalismo. O bordão "outro mundo é possível" levou a muitos setores honestos que, nos fatos concretos, resistiam à perda de direitos e conquistas a reconhecerem este terreno de reagrupamento internacional como sua referência. Os problemas que um agrupamento internacional sem fronteiras de classe e sem independência financeira em relação a mega-investidores capitalistas colocaram ao conjunto da classe trabalhadora internacionalmente também precisa de um balanço, bem como todas as pseudo-teorias defendidas no interior da classe de que bastaria a inclusão dos trabalhadores e povos e sua participação política diretamente nos Estados para assegurar um "novo mundo". 

A transcrição dos textos que trazemos a público não pretende fazer o balanço que consideramos necessário de todos estes problemas, mas registrar que num determinado momento da história do movimento internacional dos trabalhadores se pensou em construir PTs em todos os países e se agiu para isso. Para conhecer o que pensavam os que defendiam esta posição política, apresentamos extratos de intervenções de Pierre Lambert contidos na Revista A Verdade- Revista teórica da IV Internacional, número 60-61,  publicada como homenagem logo após sua morte.

Foto de Lambert em sua vinda ao Rio de Janeiro em 1998 do arquivo particular de membros do blog

Intervenção de Pierre Lambert no Congresso de fundação do Partido dos Trabalhadores (França-1991)

Todos nós, quaisquer que sejam as nossas origens, consideramos que deveríamos construir este Partido dos Trabalhadores independente, porque juntos, através de nossas próprias experiências de militantes, constatamos, a partir de um exame objetivo dos acontecimentos mudiais e em França, que a fonte exclusiva da miséria e dos ataques contra todas as conquistas e garantias obtidas pela luta de classes, reside na apropriação privada dos grandes meios de produção. A classe explorada, que produz sem possuir, é ameaçada na sua própria existência pela classe que possui sem produzir . 

Os capitalistas,  proprietários dos grandes meios de produção enriquecem cada vez mais e mergulham todas as camadas da população laboriosa das cidades e dos campos numa situação de pauperização cada vez mais grave. 

Considerando que a base principal sobre a qual se edificou o movimento operário é a abolição da propriedade privada dos grandes meios de produção e troca, pedra de toque do combate pela independência das organizações, isso conduz-nos a proclamar o Partido dos Trabalhadores. 

Continuidade

Sobre esta questão, tal como sobre todas as outras, a continuidade é indispensavel. A continuidade do combate data do momento  em que, tendo respondido ao apelo de Leon Trotsky, encetamos o combate sob diferentes formas de organização: abertamente, no interior dos partidos e em comites sob a forma organizada de um partido , tal qual o Partido Comunista Internacionalista(*).  

Sob diferentes formas de organização continuamos profundamente convictos de que os principios do programa da IV Internacional - o programa que livremente escolhemos e que não apresentamos como um ultimato(**) as diferentes correntes do movimento operário internacional, para elas pegarem ou largarem - respondem às exigências da luta de clases libertadora. 

Democracia Operária

A força constrangedora dos aparelhos ao serviço da burguesia - e não só a força do aparelho stalinista - procurou romper o fio de continuidade  tecido a partir da IV Internacional. Todas as correntes independentes do movimento operário - e não apenas as correntes que se reclamam do trotskismo - a classe internacional e os povos pagaram muito caro a sobrevivência do sistema da propriedade privada dos meios de produção. Todas as correntes independentes, e não somente as trotskistas, foram forçadas pelos aparelhos a serviço da ordem burguesa, em diversos graus, a ficar isoladas. Isolamento que levou a comportamentos sectários, contrários ao exercício da real democracia operária. 

Nós não temos nada a esconder. É assim que, muito recentemente em Dakar (Senegal)(***), participei com militantes de diversas correntes numa conferência de sindicatos independentes. A seguir dessa conferência, os militantes das seções presentes da IV Internacional reuniram-se. Eles convidaram os camaradas que não eram aderentes da IV Internacional e que tinham pontos de vista diferentes dos delesa participar nessa reunião. Nós não tinhamos nada a esconder. 

Gostaria de acrescentar isto: com base na liberdade de pensamento e de discussão garantida a todos pelos estatutos, nós construimos um partido dos trabalhdores independente. Da minha parte seria contrário a verdade não vos dizer que continuo convencido, como estava aos 15 anos de idade, de que o programa da IV Internacional é verdadeiro. 

Discutamos, ajamos, construamos, ajudemos os explorados e os oprimidos a realizar os orgulhosos lemas do movimento operario: "A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. Proletários de todo mundo uní-vos!"

Discurso de Pierre Lambert no congresso de fundação do Partido dos Trabalhadores (Argélia-1990)

É a primeira vez que venho à Argélia, embora em 1954, antes de primeiro de novembro(****) tenha sido programada em toda a Argélia uma serie de reuniões nas quais eu deveria tomar a palavra . O primeiro de novembro chegou, e era um acontecimento mais importante do que a viagem do camarada Lambert. 

Para que serve uma Internacional? Vocês falaram. Eu escutei com muita atenção. Fiz minhas anotações, aprendi muitas coisas. Gostaria de dizer algumas palavras sobre o problema da dívida externa. Como é colocado este problema? Durante os anos de 1970-1978, houve empréstimos, créditos foram concedidos. Aparentemente, neste periodo, havia trabalho, o petróleo  jorrava, as divisas ingressavam. A partir de 1979-1980, o problema da dívida apresentou-se com força(...)  
A discussão deu-se sobre um ponto preciso, aparentemente neutro; seria necessário escrever na resolução "moratória " ou "não pagamento"? A moratória significa o que ? Significa que se deixa de pagar a dívida durante um mês, seis meses.... mas ela é paga! 

Combatemos pelo não pagamento da divida. Ganhamos porque nas contradições que existiam demonstramos que a moratória não significava outra coisa senão a destruição dos povos e que a única solução, era a ajuda de outros povos pelo combate comum pelo não pagamento da dívida externa. 

Eis para que serve uma Internacional!

A partir dali, tivemos outras conferências em Caracas , Berlim , Dacar, Lima etc(***). 

Para que serve uma Internacional ?

Tomemos outros exemplos. Hoje, existe um momento decisivo na situação mundial(*****). É claro que todos compreenderam. Ao  mesmo tempo, e, aparentemente, de acordo com os jornais, as coisas permanecem em estado(....). Este momento decisivo da situação mundial permite-nos compreender para que serve uma Internacional(...). 

Uma outra coletiva de imprensa ocorreu após a visita de Gorbatchev(******) a Washinton e um jornalista perguntou a Bush "Mas agora, se os senhores fizeram um acordo com Gorby (******), ele não será mais o inimigo, a URSS era o inimigo comunista, então hoje, quem são os inimigos?"
Bush responde: "A instabilidade, a insegurança, o imprevisto, a explosão!"
Ele sabe que, apesar de forças armadas estadunidenses que cercam o mundo, há, em todas as partes do mundo, povos enganjados em duros combates contra o capitalismo. Naturalmente, o combate dos povos oprimidos, do proletariado, é um combate que sera longo. Não se pode ser vitorioso rapidamente. Mas a única maneira de abreviar os sofrimentos é ajudar os trabalhadores e os povos a encontrarem eles mesmos o caminho da libertação. 

Uma Internacional serve para isso (.... ). Tendo acompanhado durante anos o movimento operário em geral, e o movimento operário na Argélia em particular, creio que, neste cinquentenário de aniversário da morte de Leon Trotsky pelos estalinistas, podemos dizer que um partido operário independente esta em marcha e conduzirá as massas argelinas à vitória. 

Intervenção de Pierre Lambert no sexto congresso mundial da IV Internacional acerca da questão negra nos EUA (dezembro de 2006)

Em um  prazo de um ou dois meses, devemos dizer, haverá um candidato negro à presidência dos EUA, e, dizemos agora,  nos próximos três meses ele se apresenta, e começamos em seguida em nível nacional, não só na Louisiania(******). Rapidamente, os camaradas que estiverem a favor devem dizer já: de todo modo, haverá um candidato e dizemos que em dois meses ele será designado. E adotaremos as medidas para que o candidato seja designado. E faremos um chamado internacional com base nesse eixo.

Estou a favor de que haja um candidato na Louisiania, contudo é necessário também um candidato nacional(*******). Mas é preciso tomar uma serie de medidas práticas neste congresso para ver como podemos ajudar. Vamos redigir uma resolução que dirá: estas são as tarefas que tentaremos cumprir (fontes financeiras, problemas técnicos etc). E teremos que realizar uma campanha internacional. Nós todos que estamos aqui apoiamos essa candidatura e dizemos: os camaradas negros dos EUA, organizados, decidem apresentar um candidato à presidência. Desde já, dizemos: apoiamos essa iniciativa que será tomada no decorrer dos proximos três meses ... E tomaremos todas as medidas necessárias. É uma campanha internacional, não apenas estadounidense.

Notas:
* O Partido Comunista Internacionalista foi a forma organizada da seção da IV Internacional na França entre 1944 e 12 de julho de 1968 , quando foi dissolvido pelo presidente Charles de Gaulle
** A linha da transição defendida por Lambert se apoiava na validade do programa de transição da IV Internacional , porem cpropunha um quadro amplo de agrupamento das seções da IV Internacional com tendencias do movimento operario que rompessem com a burocracia do kremilim e outros aparatos burocraticos.  
*** Uma das muitas conferenças internacionais  amplas de luta contra as medidas concrets do imperialismo que a organização que lambert dirigiia , ajudou a animar. .  
****Inicio da guerra de independencia na Argelia
***** Lambert refere se aos movimentos que culminaram nodesabamento da URSS
******Então presidente da URSS, que tinha como apelido Gorby. 
******* Nos EUA o sistema eleitoral faz eleições Estado por Estado, a soma dos votos dos candidatos elege delegados para um colegio eleitoral nacional que elege o presidente. Assim a eleição não é uma pessoa um voto. 
******* Nem todos os candidatos a presidente nos EUA conseguem se apresentar em todos os Estados, eventualmente algum candidato aparece na cedula apenas de alguns estados.

Comentários

  1. Artigo absolutamente necessário à reflexão de todos os militantes e formuladores da resistência pela reconquista de um patamar mais propício ao desenvolvimento e empoderamento das classes trabalhadoras.

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