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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

O que são as Frentes Populares?

Como parte do glossário de termos usados no blog, nós discutiremos neste texto a expressão 'frente popular' a partir de seu conceito histórico e dialético. Essa definição é importante para o entendimento do texto sobre o  golpe no Chile em 11 de setembro de 1973 "A tragédia da Unidade Popular".
Nesta discussão, trazemos extratos de textos históricos escritos por Trotsky no momento em que começava a elaborar a concepção de 'crise histórica de direção do proletáriado'. 
Nossa homenagem ao revolucionário russo, fundador da IV Internacional, assassinado por Raul Mercader no México por ordem de Stalin não é apenas uma formalidade. Nós não esquecemos Trotsky e nem abandonamos o programa da IV Internacional. Seus ensinamentos estão sempre presentes nos textos desse blog. A memória de Trotsky é permanentemente caluniada tanto pelos seus supostos seguidores, que tentam inventar uma terceira idade para o capitalismo, como pelos agentes do imperialismo. Uma recentemente série televisa que vilipendia sua memória nos mostra que, ainda  hoje, as calúnias e a perseguição àqueles que, como Trotsky, se arriscam numa produção teórica que se apoie na experiência concreta e não em formalidades destituídas de conteúdo ainda não foi superada historicamente. Isso pode ser constatado cotidianamente quando palavras são fetichizadas e ressignificadas politicamente se materializando, na prática política, com um conteúdo oposto ao seu significado original. 

A tática das "frentes populares" 

Ao contrário do que as palavras levam a crer, 'frente popular' não significa historicamente a unidade do povo pelos interesses da maioria deste povo. As "frentes populares" são alianças entre partidos operários e partidos patronais(burgueses). Esta aliança entre as organizações populares e dos trabalhadores com a burguesia não respeita a composição nem númerica nem social da maioria que estas frentes agrupam.  Ao contrário, se negociam "consensos" programáticos entre as lideranças das organizações que fazem parte das tais "frentes". Este consenso com setores da Burguesia silencia grande parte das reivindicações populares.  Uma minoria numérica na sociedade - a Burguesia - passa a ter poder de veto às necessidades de uma maioria, e isto é feito em nome da democracia.
A politica de "frentes populares" é prisioneira da falsa dicotomia entre programa "máximo" e programa "mínimo". As organizações de esquerda nas "frentes populares" historicamente rebaixam seu programa para um programa mínimo de reconstrução de uma burguesia nacional pretensamente democrática. Deste ponto de vista, as frentes possuem programas burgueses/capitalistas e apenas um ou outro ponto que correspondem às aspirações democráticas populares, com as quais a aplicação do programa econômico burguês dos governos saídos destas frentes vai entrar em contradição e criar novos problemas para o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras.
Trostky conseguiu teoricamente resolver a falsa oposição entre programa máximo e programa mínimo quando elabora o Programa de Transição (1938).  Por identificar que o sistema capitalista em decomposição não pode atender a maioria das reivindicações populares, Trotski localiza que há demandas seja de reivindicações imediatas ou de reformas que vão se chocar com o Estado Burguês. A luta por estas reivindicações - mesmo sem um programa socialista acabado - levaria às massas a se chocarem com o Estado, abrindo a via da Revolução,  mesmo que as próprias massas não tenham consciência de um programa revolucionário completo num primeiro momento. Esta sistematização teórica que Trotsky faz se apoia na experiência concreta realizada na Revolução Russa, que iniciou a era das revoluções socialistas. A mobilização das massas para a tomada do poder na Russia de 1917 não precisou convencer as amplas massas com um programa comunista completo e nem precisou do rebaixamento programático dos comunistas a um programa de governo burguês, mas partiu de consignas simples que atendiam as necessidades de sobrevivência destas amplas massas e cujo Estado Russo, de natureza capitalista e, portanto, submetido a divisão internacional do trabalho no capitalismo, não podia atender: Paz, Pão e Terra.  

Trotsky no texto 'A Traição do Partido Operário da Unificação Marxista Espanhol' escreve um trecho que pode ser considerado como uma definição do que seria uma frente popular "Os jornais nos informam que na Espanha o conjunto dos partidos "de esquerda", tanto burgueses como operários, constituíram um bloco eleitoral sobre a base de um programa comum que, evidentemente, em nada se distingue do programa da "Frente Popular" francesa nem de todos os outros programas charlatanescos do mesmo gênero. Ali encontramos "a reforma do tribunal de garantias constitucionais", a manutenção rigorosa do "princípio de autoridade" (!!), a "libertação da justiça de todas as pressões de ordem política ou econômica" (A libertação da justiça capitalista da influência do capital!) e outras coisas do mesmo gênero. O programa constata a recusa, da parte dos republicanos burgueses que participam do bloco, de nacionalização da terra, porém, em "em compensação", ao lado das habituais promessas baratas aos camponeses (créditos, revalorização dos produtos da terra etc.), ele proclama (como um dos seus objetivos) o "saneamento (!!) da indústria", e a "proteção da pequena indústria e do comércio" segue-se o inevitável "controle sobre os bancos" no entanto, uma vez que os republicanos burgueses segundo o texto de este programa, rejeitam o controle operário, trata-se do controle sobre os bancos... pelos próprios banqueiros, por intermédio dos seus agentes parlamentares, do mesmo gênero de Azaña e de seus semelhantes. Enfim, a política exterior da Espanha deverá seguir "os princípios e os métodos da Sociedade das Nações". E que mais?".  Essa orientação foi imposta por Dmitrov à terceira internacional (Internacional Comunista) em seu sétimo congresso por ordem de Stalin (Ver Revista A Verdade -Revista Teórica da Quarta Internacional Numero 49/50 ano 2006 artigo "A Frente Popular"- página 28 ), após o chamado terceiro período da Internacional Comunista, quando qualquer aliança com os partidos sociais democratas era recusada. Assim, a Terceira Internacional realizava um giro de 180 graus em sua politica de alianças. Dmitrov declarou acerca dessa "nova" tática: "Atualmente em uma série de países capitalistas , as massas operarias devem escolher concretamente não entre a ditadura do proletáriado e a democracia, mas, antes , entre a democracia burguesa e o fascismo". Trotsky continua analisando a situação da espanha no texto acerca da traição do Partido Operário da Unificação Marxista "O bloco espanhol formado pelas direções do movimento operário com a burguesia de esquerda não tem em si mesmo nada de "nacional", pois em nada difere da "Frente Popular" formada na França, na Tchecoslováquia, no Brasil e na China. O "Partido Operário de Unificação Marxista"(POUM) nada mais faz que aplicar servilmente a política que o VII Congresso da Internacional Comunista impôs a todas as suas seções, de modo completamente independente das suas "particularidades nacionais". A verdadeira originalidade da política espanhola reside desta vez unicamente no fato de que ao bloco com a burguesia aderiu também a seção da Internacional de Londres... Pior para ela! Quanto a nós, preferimos a clareza. Haverá seguramente na Espanha verdadeiros revolucionários para desmascarar impiedosamente a traição de Maurín, Nin, Andrade e consortes e colocar os elementos de uma seção espanhola da IV Internacional."

O programa da frente popular em 1936

Estava escrito no manufesto da Frente Popular Espanhola em 1936. "... Os republicanos não reconhecem o princípio da nacinalização dos bancos sustentados pelos partidos operários... os republicanos nao aceitam o pagamento dos dias de greve.... A republica concebida ... é um regime de liberdade democrática". Negando assim uma após outra todas as pautas operárias da época (Ver Revista A Verdade já citada). Contudo o programa exigia a anistia de 30 mil operários encarcerados e  a libertação dos presos politicos de 1934. Portanto a luta contra a perseguição política não pode ser recusada pela Frente Popular, sendo um ponto de apoio suficiente para garantir a vitória nas eleições de 16 de fevereiro. A frente popular, por sua vez, foi incapaz de resistir ao golpe de Franco e sobre isso Trotsky escreveu :
"Pela segunda vez em cinco anos, a aliança dos partidos operários com a burguesia radical conduziu a revolução espanhola a beira do abismo. Incapazes de resolver qualquer das tarefas colocadas na ordem do dia pela revolução - uma vez que elas se reduzem a uma única, a derrubada da burguesia - a frente popular, diante da impossibilidade de um regime democrático burguês, provoca um golpe de estado fascista. A Frente Popular criou as condições favoráveis para a vitória do fascismo ao entorpecer os operários e camponeses com ilusões parlamentares, paralisando sua vontade política . A política de alianças com a burguesia vai custar caro à classe operária, anos de sofrimento e sacrificios, ou mesmo decadas de terror fascista ".

Como se pode ver pelos desdobramentos da Frente Popular na Espanha, a falta de solução real para o problema das perseguições políticas, que é o problema da própria natureza de classe do Estado, acabou deixando toda a estrutura repressiva que tinha levado a prisão em massa de militantes da classe trabalhadora espanhola instacta. Sem desmontar o aparelho repressivo do Estado, para contra atacar e acabar com as conquistas mesmo que limitadas dos governos de frente popular, o imperialismo joga a carta do facismo. 

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