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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

✰ Rodrigo tem o direito ao doutorado - Entrevista

Um blog que trata da ciência, da revolução e suas interfaces está atento também ao que se passa nas dificuldades humanas para compreender o universo.  Trazemos para vocês uma entrevista com o físico Rodrigo Francisco dos Santos, natural  da Baixada Fluminense e militante do PT desde 1999. As dificuldades encontradas em sua trajetória no estudo do universo é exemplar dos problemas que as relações sociais de produção (inclusive científicas) colocam ao próprio desenvolvimento científico. Rodrigo foi excluído do programa de doutorado da UFF sem que tivesse infringido nenhuma condição de permanência. Esta exclusão vai na contra-mão das experiências mais recentes de detecção de ondas gravitacionais pelos observatórios LIGO e Virgo, que no início de maio anunciaram a primeira detecção de uma possível colisão entre estrelas de neutrons realizada pelo engenho humano.
Acompanhe a trajetória de Rodrigo e sua luta para defender seu direito de, contra um sistema opressor, continuar fazendo ciência.


Entrevista com Rodrigo Francisco dos Santos


C&R: O que são ondas gravitacionais? Como seu trabalho científico se relaciona com elas? A existência de uma constante cosmológica pode ser comprovada? Como isso atualiza a teoria de Einstein?

Rodrigo: Ondas gravitacionais são definidas como oscilações na curvatura do espaço-tempo. A primeira vez que esta curvatura foi comprovada foi a 100 anos atrás,  em Sobral, no Ceará durante um eclipse. Foi um experimento muito bonito. A equipe do ON (Observatório Nacional) observou o céu depois do eclipse e tomou nota da posição relativa das estrelas sem o Sol, e  quando o Sol estava naquela região do céu, durante o eclipse, a equipe se aproveitou da presença da Lua interrompendo a luz do Sol e tomou nota  da posição relativa das estrelas daquela região do ceu, foi notado que a posição relativa das estrelas mudou. Esse fenômeno tem nome de lente gravitacional e ele denuncia essa curvatura do espaço-tempo. Ocorre que essa curvatura pode variar e essa variação se propaga como uma onda na água ou no ar, a primeira vez que esse efeito foi detectado foi recentemente no LIGO em 2015. Contudo, essas ondas são muito fracas, sendo detectadas em fontes muito massivas.
A Constante Cosmológica é detectável, ela foi proposta originalmente por Einstein em uma versão de suas equações. Einstein tentou compatibilizá-la com o princípio da ação inercial à distância de Mach. Depois das observações da expansão do universo, Einstein abandonou sua Constante Cosmológica dizendo que esse seria o seu maior erro. Einstein cometeu erros bem mais graves, mas de fato, a constante cosmológica veio a ser detectada e hoje é associada à energia escura e à inflação cósmica. A constante cosmológica é uma gravidade repulsiva ou anti-gravidade, ela curva o espaço-tempo ao contrário da gravidade usual. Fora a teoria em que eu trabalho, o melhor cálculo erra por 120 ordens de grandeza (10 elevado a 120). O cálculo feito pelo professor Nassif é anterior a minha colaboração. Minha contribuição foi a geometrização da teoria e sua associação com os espaços DS e ADS, além da inflação cósmica, que é um tipo de anti-gravidade que teve origem poucos segundos após o big-bang. Também trabalho na tentativa de criação de uma termodinâmica gravitacional. A atualização da teoria de Einstein ocorre porque ao propor a constante cosmológica, ele a deduziu de princípios clássicos, nós damos uma origem quântica à Constante Cosmológica, associada a uma outra constante, e reformulamos o princípio da incerteza - aqui ocorre algo engraçado porque nenhuma das duas constantes a que eu me refiro é uma constante de fato, a constante cosmológica e essa outra constante, que se chama constante de estrutura fina e está associada a magnitude da interação eletromagnética, ambas variam com as eras cosmológicas e isso é detectado, portanto o que fazemos é um tipo de teoria gravito-eletromagnética. Agora estamos tentando achar efeitos térmicos, inclusive porque existem fenômenos cosmológicos como o problema do horizonte, onde setores do universo que nunca tiveram em contato, por estarem muito longe, estão em equilíbrio térmico. Nós já começamos a resolver esse problema e parte dessa solução está nso artigos que sou co-autor nas revistas Physics of the Dark Universe e Modern Physics Letter A. Temos muita coisa para fazer, essa termodinâmica gravitacional é bastante trabalhosa, vão ser necessários anos de trabalho para termos resultados mais coerentes. Contudo alguns artigos devem sair ainda esse ano. Eu preciso ressaltar que a fonte de tudo isso são oscilações quânticas, portanto, estamos fazendo uma verdadeira teoria de gravitação quântica. Os resultados obtidos no LIGO amparam nossa linha de trabalho.

C&R: Você foi desligado do doutorado da UFF pelo colegiado, após seu orientador desistir de sua orientação? O que dizia a carta de seu orientador ao colegiado? 

Rodrigo: Meu orientador dizia em sua carta de desistência que eu não era capaz de resolver os cálculos mais básicos, nem reproduzir resultados simples da literatura. Ele ainda afirma que tentou de tudo e teve a máxima paciência, contudo eu passei a resistir as críticas dele.
Como isso pode ser verdade se publiquei três artigos em revistas estrangeiras depois de excluído e  mesmo antes tive um trabalho aceito em congresso internacional, que o colegiado não aceitou que eu participasse?  Na verdade, o que ele diz coloca em cheque até o processo seletivo duríssimo que eu enfrentei para entrar no doutorado.
Foto do Convite para o Workshop Internacional de Astronomia e Astrofisica
CR: Você considera que seu orientador chegou a entender o seu trabalho teórico? E o colegiado de física que aceitou a carta dele?

Rodrigo: Tive muitos problemas com orientação acadêmica na UFF. Era o governo Dilma e nas universidades ainda existiam muitos concursos para professor. Durante a fase final do meu mestrado, alguns professores novos foram contratados, mas ninguém trabalhava com estruturas algébricas em teoria quântica de campos, assim tentei improvisar uma nova orientação para o doutorado, contatando um professor de astrofísica nuclear. Eu apresentei uma proposta a ele. Inicialmente ele disse que não conhecia o problema, mas aceitaria estudar para tentar ver o que poderíamos fazer...era algo semelhante a estrelas de energia escura que eu estava pensando em trabalhar com uma perspectiva teórica, mas este professor era envolvido com modelos computacionais, e eu tinha pouco conhecimento de programas computacionais. Ele poderia ter me recusado naquele momento, poderia ter dito, procure outro, mas aceitou uma idéia que pouco conhecia e começamos a orientação. 
Quando fui desligado, eu recorri a diversos professores no departamento, teve um professor que até cogitou aceitar, mas em seguida ele enviou um e-mail para mim dizendo que tinha sido desestimulado pelo colegiado do programa, o que considero totalmente irregular. Além disso, após a desistência do meu orientador, eu fiz um novo processo seletivo, pretendia recuperar a minha bolsa cortada. Esse processo foi claramente fraudulento, como mostra essa matéria no site da ANPG (Associação Nacional de Pós Graduandos).
Quando percebi que ninguém assumiria minha orientação na UFF comecei uma verdadeira peregrinação pelos institutos do Rio de Janeiro, queria tentar arrumar um orientador externo e apresentar a tese em situação excepcional ao programa, contudo o meu ex-orientador interferiu ativamente no processo, entrando em contato com seus conhecidos em outros lugares para prevení-los.
A minha primeira reação foi imaginar que eu tava sofrendo perseguição por ser militante, uma constante em minha vida. Meu ex-orientador já tinha mandado e-mails intimidatórios aos estudantes sobre o movimento grevista, na verdade ele era lider de um movimento antigrevista em 2015 chamado movimento Bom senso, ele continua com suas movimentações contra os trabalhadores e suas organizações como pode se ver nessa entrevista, concedida por ele à radio CBN em dezembro de 2018 e eu, estudante pobre vindo da Baixada Fluminense, nunca pude me dar ao luxo de não participar das lutas por reajuste das bolsas e assistência estudantil, de forma que eu era bastante ativo organizando pós-graduandos. A universidade tinha aberto as portas para gente como eu nos governos Lula e Dilma, mas as instituições começavam a banir os petistas, culminando com o Golpe. Eu sentia os efeitos do Golpe nas minhas próprias costas. E tudo só piorou a partir daí. Para o país e para mim. Hoje, vendo terraplanistas ocupando posições de poder no estado, entendo que o recuo científico também estava na agenda do Golpe, de modo que o próprio desenvolvimento da ciência pura também sofre perseguição. O colegiado e meu ex-orientador foram só os agentes. Incapazes de entender o que um estudante pobre tinha a dizer, livraram-se dele. O caráter escravocrata das instituições não chegou a mudar com o PT no governo. 

C&R: Você realizou descobertas e as publicou depois de desligado do programa de doutorado, seu desligamento atrapalhou o seu trabalho em que sentido?


Continuei procurando alguma forma de resolver o trabalho que tinha iniciado e acabei entrando em colaboração com um professor que tinha feito pós-doc no mesmo grupo em que eu fiz iniciação cientifica. Foi aí que me associei ao grupo independente que desenvolvia a teoria da relatividade deformada ou simétrica. Mas este grupo, por diversas limitações, não pode me dar uma orientação para eu desenvolver competências próprias para ter autonomia na publicação de artigos, por exemplo. Eu sempre precisei e ainda preciso de uma boa orientação. Os assuntos que trato são complexos e eu não tenho prática metodológica ainda, por isso estava cursando o doutorado, para poder desenvolvê-la. Tive que acabar resolvendo estas coisas com todas as condições adversas, sem nenhuma paz e colaboração de um verdadeiro orientador. Foi muito difícil, mas concluí a tese que está pronta para a defesa.
Eu ainda tinha esperança de que, como nenhum critério de jubilamento tinha sido preenchido no meu caso - meu prazo ainda contava dois anos pela frente e eu já estava com a qualificação defendida e duas disciplinas concluídas - que o colegiado não me excluísse e me desse um prazo para achar um orientador externo. Enquanto recorria, cumpri as outras duas disciplinas e publiquei o meu primeiro artigo com mais de um semestre de antecedência. Não havia qualquer motivo real para um jubilamento. O colegiado do programa chegou a entrar em contato com o comitê editorial de uma das revistas nas quais eu tinha publicado para pedir que removessem a minha afiliação a UFF, mesmo sabendo que eu tinha recorrido na justiça, preferindo me desmoralizar a ter o nome da UFF associado a um trabalho inovador. Sem que nenhum critério para jubilamento tivesse sido atendido! Com a saída do doutorado e a perda da bolsa de estudos, mal posso me sustentar e tive que voltar para a casa de meu pai doente, que veio a falecer recentemente, e minha mãe que também não está empregada. 

C&R: Você citou que já sofreu perseguição por ser militante, como foi isso? 

Rodrigo: Foi na UFRJ. Eu acabei tendo que desistir da minha primeira graduação por conta do assédio moral dos meus professores. Era chamado toda a hora na coordenação para prestar esclarecimentos sobre o meu envolvimento com o movimento estudantil, enfrentando ameaças de cortes de bolsa ou alojamento. Meu então orientador vivia dizendo que eu tinha que mudar de postura, pois o apoio a manifestações políticas não condizia com a prática científica. Certa vez o coordenador da Astronomia invadiu uma assembléia estudantil do curso para me desautorizar a sair delegado para um Congresso da UNE e indicou outra pessoa. Minha vida ficou tão difícil que mudei de curso para Física, mas tão pouco melhorou. Vivia constantemente ameaçado de cortarem meu beneficio moradia. Inclusive quando eu estava com um atestado médico, a Congregação do Instituto chegou a cancelar a minha matricula. E eu tinha acabado de ganhar a renovação do meu benefício moradia em um processo nos colegiados superiores. Essa vitória levou a uma difamação pública no e-mail interno da instituição perpetrada pelo diretor do IF UFRJ e por alguns professores. Essas manobras acabaram por gerar uma situação de clandestinidade, pois eles deixaram de aceitar as minhas inscrições em disciplinas, levando o sistema acadêmico a cancelar efetivamente a minha matrícula por um abandono que nunca ocorreu. Só consegui meu diploma após uma ação judicial. Acabou que essa ação judicial envolveu também a UFF, pois eu havia acabado de passar no mestrado e precisei de uma medida protetiva, que fizesse a UFF a segurar a minha vaga, enquanto o processo contra a UFRJ era julgado. 


Campanha pelo bandejão na UFRJ 



C&R: Você relaciona suas dificuldades em prosseguir seus estudos com sua condição social de estudante de família pobre e morador da Baixada Fluminense que necessita de assistência estudantil?


Rodrigo: Obviamente. Assistência estudantil sempre foi uma necessidade pra mim. Tanto física como astronomia são cursos integrais, não é possível trabalhar fazendo este tipo de curso, que exige dedicação exclusiva. Sem assistência estudantil a permanência é impossível para um filho da classe trabalhadora. Infelizmente, boa parte dos professores considera a pauta de assistência estudantil um tipo de esmola a qual devemos ser gratos por receber e não um direito que assegura a qualidade do ensino.

C&R: Suas condições de permanência na academia melhoraram durante os governos do PT? Você associa os novos problemas que você enfrentou como uma reação às conquistas do período que o PT governou?

Rodrigo: Sem dúvida melhoraram nos governos do PT. Eu escrevi uma matéria para o site Voz Operária, fazendo um balanço do impacto do golpe no orçamento da ciência e tecnologia. Foi catastrófico, além de toda a censura e perseguição contra pesquisadores e professores, veja esse caso agora de um professor que esta sendo perseguido, o professor Pedro Mara, até a ONU foi notificada e mesmo assim a secretaria quer exonerar o cara . Eu quero registar aqui o meu apoio a esse professor. Eu também escrevi uma carta ao Lula. Está no portal 247. Considero que as perseguições contra Lula e Dilma, e antes a perseguição contra os dirigentes do PT desde 2005, são uma estratégia para destruir o direito a organização dos trabalhadores.
Outro dia eu estava lendo sobre a revolta dos estudantes de Córdoba, fiquei impressionado como as reivindicações deles eram similares as nossas, alojamento, bandejão e luta contra o obscurantismo, que persegue as lideranças políticas.
Encontro de petistas durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência de 2015, quando a ANPG alertou o governo sob o risco dos cortes orçamentários 
C&R: Como você enfrentou esta injustiça? Que medidas foram tomadas para reverter o seu desligamento?

Rodrigo: Olha, foi muito difícil e está sendo ainda. Primeiro pedi ajuda a ANPG. Estive com a direção por diversas vezes. Pedi orientação, foi uma batalha, mas pouco adiantou. Eu tinha, na época, esperança que pudessem encaminhar algum tipo campanha de mensagens para mudar a posição do colegiado. Foi muito frustrante. Bati em muitas portas, mas poucas se abriram para entender minha situação. 
Quando perdi as esperanças de que a posição do colegiado fosse mudada, alguns companheiros que conheciam minha história de luta começaram uma campanha de arrecadação para pagar as custas processuais de uma ação na justiça. A campanha conseguiu pagar os honorários do advogado e conseguimos uma vitória em segunda instância. Ainda não demos por encerrado, pois a UFF entrou com recurso. Devemos fazer um balanço público da campanha em breve, prestando contas aos companheiros que se solidarizaram com nossa luta. Eu sinceramente fiquei muito orgulhoso dessa campanha e agradeço muito a todos que contribuíram. Ao longo da minha trajetória política, sempre estive envolvido com campanhas internacionais em defesa de militantes perseguidos. Estive na campanha em defesa de Mumia-Abu-Jamal, jornalista negro membro do partido dos Pantera Negra (EUA), que foi acusado injustamente de assassinato. Estive na campanha por justiça para Anderson Luís, sindicalista negro e petista assassinado. Defendo Lula, Dirceu e Louisa Hanoune, prisioneiros políticos. Seria uma contradição, nesse momento, as organizações políticas às quais eu sempre construí não saberem organizar uma campanha em minha defesa. Mas apesar das contradições existirem, sempre tem gente querendo lutar contra as injustiças e por causa disso eu acabei podendo levar minha defesa a diante. A situação não está resolvida, mas a tese de doutorado já está pronta para a defesa. 
Dia após dia, nestes três últimos anos, tenho esperado ansiosamente uma solução. As vezes bate um desespero, principalmente quando minha mãe e irmã insistem para que eu arrume qualquer emprego abandonando a ciência. É dificil pedir a elas paciência e esperança quando as contas da casa sequer estão sendo são pagas. Eu considero justas as preocupações delas e tenho tentado dar aulas particulares, mas aqui na Baixada todo mundo está tentando sobreviver com dificuldades e aulas particulares de física não são prioridade. Estou fazendo todos os concursos que posso, mas tudo demora. Se eu não fosse militante, chegaria a achar que o problema é comigo, que eu sou o errado nesta história e não o sistema que tenta impedir a classe operária de se apropriar da Ciência. 

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