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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

★ A tragédia da "Unidade Popular "no Chile (11 de setembro de 1973)


46 anos do Golpe no Chile

Os eventos históricos são manifestações concretas de forças em disputa e do modo como estas forças agem. Conseguir identificar as principais linhas de força que determinam o curso dos acontecimentos faz parte do processo de análise marxista de um acontecimento e ajuda na compreensão de outros que possuem semelhanças e particularidades. 

Revisitar e analisar a experiência chilena é especialmente útil para entendermos a atual onda de golpes na América Latina e a dificuldade que enfrentam as organizações dos trabalhadores para se manterem no poder que lhes é conferido pelo voto popular. Se a atividade golpista revela um modus operandi que serve para os golpes tramados a partir dos EUA em geral, o Golpe no Chile, em particular, possui ligações concretas com o Golpe no Brasil, tanto com o de 1964, quanto com o de 2016, com implicações bastante atuais. Paulo Guedes, "sinistro" da economia de Bolsonaro teve o regime chileno como uma fonte de inspiração e até mesmo de aprendizado, já que conviveu com o regime durante sua formação. 

Um texto que ajuda muito na compreensão de processos recorrentes de endurecimento do regime após governos de conciliação de classe é este que está transcrito após esta introdução. "A tragédia da "Unidade Popular "no Chile (11 de setembro de 1973)". O texto foi escrito na década de 80 e publicado nos cadernos de formação política de O Trabalho na década de 90. Os créditos não são nossos, são da organização dirigida por Pierre Lambert, a quem recorremos também para entender o contexto econômico mundial do golpe no Chile.  Vivía-se o início da chamada terceira revolução industrial, que gerou o importante fenômeno da automação. O birô politico da Organização Comunista Internacionalista (pela reconstrução da IV Internacional) de 20 de agosto de 1971, do qual Lambert fazia parte, caracterizou a situação mundial como de decomposição do regime da propriedade privada dos meios de produção. O recente abalo na ordem econômica de Bretton Woods anunciavam o aumento do sofrimento imposto aos povos pela nação imperialista mais poderosa. As regras comerciais estabelecidas em 1944 de funcionamento do capitalismo e que tinham vigência desde o fim da segunda guerra mundial já tinham consagrado o domínio do capital financeiro dos EUA sobre todo o mundo, pois as transações comerciais passaram a ser feitas nessa moeda em todo o Planeta. Essas regras foram postas abaixo por Nixon em agosto de 1971 quando este revogou a conversibilidade do dolar em ouro. Citando explicitamente a resolução do Biro-político da OCI "Em 1968, o sistema começa a quebrar. Como o dólar não podia mais desempenhar o papel de moéda de pagamento internacional, o imperialismo engaja-se em uma política para impor o seu curso forçado, quer dizer, a via de uma subordinação estreita das outras burguesias (alemã, japonesa, francesa, inglesa, etc.) ao interesse exclusivo da burguesia estadunidense." Revisitar este período da história faz muito sentido hoje em dia, pois o dólar, como moeda padrão internacional, está com sua hegemonia ameaçada

No Chile, apesar da forte organização popular e operária, o golpe de Augusto Pinochet conseguiu derrotar a classe operária e os elementos em comum com o golpe brasileiro de 2016 são muitos, a saber: A presença de forte organização popular, porém uma direção que se nega a romper seus laços com os setores patronais e professa sua crença republicana no "Estado Democrático e de Direito", mesmo quando este está sendo solapado pela burguesia local a serviço da burguesia dos EUA;  O imperialismo em crise de desagregação; O início de uma fase de profundas mudanças tecnológicas (capital constante na definição marxista), que levarão a um processo de forte desregulamentação trabalhista. Estas semelhanças não são as únicas, mas para além das semelhanças, as  formas particulares que os problemas concretos tomam em contextos específicos ajudam bastante na compreensão dos problemas que a luta de classes enfrenta, e dentro dela, a posição daqueles que lutam pelo fim do regime da propriedade privada dos meios de produção. 


Para melhor ajudar na compreensão do texto que reproduzimos abaixo, publicado no caderno de formação 5 de 1996 de O Trabalho, explicamos aqui o conceito de "frentes populares" com o qual o texto trabalha. 

A tragédia da "Unidade Popular" no Chile

(Publicado originalmente em Cadernos de Formação O Trabalho-1995 )
A energia revolucionária demonstrada pelos trabalhadores chilenos ao longo do governo de Salvador Allende não foi suficiente para assegurar a vitória rumo ao socialismo. Em 11 de setembro de 1973, o golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet e responsável pelo assassinato de mais de 50 mil operários, camponeses e jovens interrompeu a experiência revolucionária do povo chileno. Apesar dos avanços no sentido da auto-organização que representam as Juntas de Abastecimento e Preços e os Cordões Industriais, por exemplo, os trabalhadores do Chile não puderam evitar a tragédia porque não dispuseram de um partido independente, revolucionário, que recusasse a política de compromissos da "Unidade Popular" com a burguesia. 

A mobilização revolucionária do povo chileno contra a ditadura de Pinochet é acompanhada com o maior interesse pelos trabalhadores em nosso país, especialmente pelos militantes do nosso partido, o Partido dos Trabalhadores. A energia revolucionária que a classe operária chilena volta a demonstrar hoje é a mesma que ela demonstrou ao mundo nos anos de 1970 a 1973, quando, sob o governo  da Unidade Popular (UP) do presidente Salador Allende, desenvolveu uma poderosa luta contra a burguesia chilena e o imperialismo, chegando muito próximo de golpear de morte os capitalistas chilenos e seu Estado.

Além da comoção que provocou o golpe de 11 de setembro de 1973, uma questão crucial se colocou para os trabalhadores da América Latina em especial: por que razão, a despeito de toda a sua energia revolucionária, os trabalhadores e o povo do Chile não conseguiram tornar vitoriosa sua luta pelo socialismo? Para os militantes que estão empenhados na construção do PT em nosso país (alguns dos  quais viveram de perto os acontecimentos do Chile) essa questão ainda têm grande importância.

Refletir sobre esse problema, procurando estudar os acontecimentos de então no Chile, corresponde à necessidade de colocar à prova dos fatos a orientação politica que todo partido que se reinvidinca dos trabalhadores é chamado dar, principalmente no momento em que as questões decisivas do poder político estão colocadas na ordem do dia, da maneira concreta e imediata. Para um partido de trabalhadores, que se constrói, como é o caso do PT brasileiro, nada melhor que verificar experiências agudas como a do Chile. Não para procurar extrair dai verdades absolutas, mas para ajudar a se orientar na situação política em que vivemos.

Uma crise política aguda. 

Em 4 de setembro de 1970, os partidos da burguesia chilena colhiam uma grande derrota. Com 36.3% dos votos era eleito o candidato da UP a presidente da república, Salvador Allende. Dividida e vivendo uma profunda crise, a burguesia fora as eleições presidenciais com dois candidatos,  o democrata-cristão Tomic(34,98%) e o ex-presidente Jorge Alessandri(27,9%), do partido nacional. 

A Unidade Popular constituia-se num agrupamento cujos dois componentes principais eram o Partido Socialista (PS) de Salvador Allende, e o Partido Comunista Chileno(PC-Chileno), partidos que se reivindicam da classe trabalhadora. A eles, no entanto, estavam associadas quatro outras formações politicas da burguesia, entre os quais se destacam o Partido Radical - antigo partido burguês chileno- e o MAPU, originário de uma cisão da Democracia Cristã liderada entre outros pelo ex ministro da agricultura do presidente Eduardo Frei, Jacques Chonchol. Apesar de que as massas chilenas encarassem a UP como a sua representação política, e o governo Salvador Allende como o seu governo, os dirigentes da UP praticavam uma política consciente de colaboração com a burguesia, alienando permanentemente a independência política dos trabalhadores nos marcos da frente popular construida com aquelas formações políticas da burguesia.  

A UP foi constituída como um último recurso diante de uma situação política explosiva. Em 1964 o presidente Eduardo Frei, da Democracia Cristã (DR), fora eleito com o mais alto índice de que se tem notícia no Chile, 55,7% dos votos. Seu profundo desgaste, seis anos depois, é o desgaste de um governo que subiu prometendo realizar a reforma agŕaria e a nacionalização das riquezas minerais do país e dos principais setores da indústria, mas que na prática se recusou a distribuir a terra para milhares de sem terra, agindo ao mesmo tempo como fiel representante do imperialismo estadunidense. 

De 1967 a 1970, crescem as ocupações de terra, com os camponeses perdendo paciência e passando por cima da tímida lei da reforma agrária do governo Frei. Enfrentam-se com intensidade crescente trabalhadores sem terra e jagunços pagos pelos latifundiários, ao lado dos quais tropas do governo intervêm frequentemente. Os sindicatos de trabalhadores rurais proliferam, escapando ao controle da DR. Nas minas e nas cidades, os trabalhadores também se colocam em movimento contra a política de alta dos preços, congelamento de salários e desemprego, praticada pelo governo Frei. Organizados como classe os trabalhadores se apoiam na Central Única dos Trabalhadores  para golpear o governo Frei. 

Antes de se orientar no sentido da frente popular, o Partido Comunista Chileno apoia abertamente o governo Frei, a ponto de receber uma carta da direção do PS em junho de 1966, condenando "um entendimento não declarado com o governo, no melhor dos casos um apoio crítico oficioso" Ao que responde o secretário-geral do partido stalinista, Luis Corvolán: "Qual é a base dessa interpretação? Nosso apoio à reforma agrária, à criação de um ministério da habitação, à sindicalização do campesinato, à modificiação do direito a propriedade e outras iniciativas similares do regime? Nós apoiamos o princípio dessas reformas. criticando seus defeitos, lutando por melhorá-las ."

É diante do profundo isolamento do governo Eduardo Frei que o PC procura trabalhar para impedir que a situação se agrave ainda mais. Sua virada no rumo da frente popular não significa uma ruptura de colaboração com a Democracia Cristã. Nas palavras do pŕoprio Corvolán isso fica tudo muito claro: "temos necessidade de um governo que se apoie sobre todas as forças avançadas da sociedade e tenha apenas contra ele os setores mais reacionários". Em uma reunião do Comitê Central do PC essas forças são claramente nomeadas: "Concretamente: o Partido Socialista Popular, o Partido Social Democrata, a maioria do Partido Radical e uma boa parte da Democracia Cristã. Concretamente somos  partidários que essas forças se unam para formar um governo popular". (registro do Livro - Chile reformismo ou revolução? - Alain Labrousse).

Quando uma composição com a Democracia Cristã e seu candidato Radomiro Tomic se mostra impraticável, o PC participa ativamente da cisão no seio da DC, de onde surge o MAPU, cuja a participação na UP se destina a conservar os laços e a possibilidade de acordos futuros com a própria Democracia Cristã. Da mesma forma que a composição com o Partido Radical - após uma forte campanha do PC pela exclusão da 'ala direita' desse partido - guarda como objetivo a ligação com o conjunto da burguesia. 

A Unidade Popular nasce em 17 de dezembro de 1969, com a assinatura de um programa comum. A definição do candidato so ocorre diante de uma pressão crescente tanto das bases do PS quanto do PC. O partido stalinista tenta até o último instante impor como candidato da UP um representante dos demais agrupamentos burgueses que a compunham. Em todo o caso, o PC se bate contra a definição de Salvador Allende, indicado pelo PS, de modo que o indicado não fosse identificado aos olhos das massas como um candidato de partido de base operária.

Durante o ano de 1970, as massas camponesas e das cidades apoiam-se sobre o processo eleitorial para aprofundar sua mobilização. Elas transbordam os CUP (comissões da unidade popular), desenvolvendo uma intensa mobilização contra o candidato do Partido Nacional, Alessandri, que é recebido em inúmeras localidades do Chile em meio a greves, protestos e mobilizações. A situação se desenvolve a tal ponto, inquietando as direções do PC e do PS, que elas orientam (no final de agosto) a participação de militantes desses dois partidos em comícios da DC. O objetivo, dizem esses dirigentes, é de que esses não sejam comícios com público reduzido, que poderiam servir de pretexto aos 'simpatizantes idosos da DC ' para dar seus votos a Alessandri. Iniciativa que, objetivamente, busca jogar uma parte da pequena burguesia urbana e rural nos braços do candidato da DC.

Consequências de 4 de setembro:

Allende vencedor, abre-se uma crise institucional no Chile, por trás da qual desenha-se uma crise revolucionária.

Pela constituição chilena, não obtendo maioria absoluta (50%, mais um dos votos) a escolha do presidente da república teria de passar pela Assembléia Nacional, num prazo de 60 dias. Do ponto de vista formal, a Democracia Cristã e o Partido Nacional, majoritários na Assembléia, poderiam entender se para designar o candidato mais votado entre eles, Randomiro Tomic. Mas o fato é que o resultado eleitoral se constituia numa profunda derrota da burguesia, tendo como pano de fundo a mobilização pela posse da terra, as greves, etc. A designação de Tomic seria uma verdadeira declaração de guerra, da qual a burguesia não tinha certeza de poder sair se bem .

Nos círculos imperialistas, a vitória do candidato da UP era avaliada com toda a sua dimensão de acontecimento revolucionário. Henry Kissinger, ex secretário de Estado norte americano, declara em outubro de 1970: 'As eleições, ao colocarem no poder Allende, vão colocar problemas fundamentais para nós e para as forças democráticas da América Latina'. A burguesia Chilena começa por escancarar esse problema de duas maneiras que se complementavam. De um lado, organizava a fuga de capitais para o exterior, alta de preços, abate indiscriminado de rebanho e inúmeras outras sabotagens. Por outro lado, procurava garantias da Unidade Popular no sentido da manutenção das instituições, e mesmo de seu reforço. Isso começava por preservar a Assembléia Nacional, em que tinha maioria, não afrontando as massas com a escolha de Tomic.

Negociações se estabelecem entre UP e a DC. Mais uma vez, o Partido Comunista vai para a linha de frente para caracterizar assim a situação 'A luta não se situa entre aqueles que votaram Allende e aqueles que votaram por outros candidatos. Ela não se situa entre os partidários do socialismo e aqueles que não participam de suas opiniões'. E, nesse espírito de entendimento, Tomic exige de Allende e da UP garantias suplementares de que a situação à frente do governo se dê através 'de um regime político no interior do qual  a autoridade seja exclusivamente exercida pelos orgãos competentes. Executivo, Lesgislativo e Judiciário ...Sem intervenção de outros 'orgãos de fato'  que agiriam em nome de um suposto poder popular. Nós queremos que as forças armadas os corpos carabineiros continuem a ser a garantia de nosso sistema democrático. O que implica que sejam respeitadas as estruturas organizadas e hierárquicas das forças armadas e dos corpos de carabineiros'. Em resposta a esta demanda da DC, Allende compromete-se a 'que todas as transformações políticas, econômicas e sociais se façam a partir da ordem juíridca atual e segundo o Estado de Direito'. 
Selando essas negociação, é firmado em comum acordo um "Estatuto de Garantias ", que impede a remoção de funcionários contratados nos regimes anteriores, mantém a concessão de verbas públicas para escolas privadas e impede mudanças no regime de propriedade sem passar por leis na Assembléia Nacional de maioria direitista. Mas, fundamentalmente, o objetivo desses 'Estatuto' é fixar o papel das forças armadas e de segurança em acordo com o que exigia a DC, falando pelo conjunto da burguesia. Corvalán, de sua parte, define nos seguintes termos a operação: "Trata-se de ganhá-las (as forças armadas-N.R.) à causa do progresso Chileno e não de empurrá-las para o outro lado da barricada ".

Aí se resume a essência da tragédia chilena de 1973. Os dirigentes do PC e do PS negam-se em qualquer hipótese a romper com sua política de colaboração com a burguesia, fazendo de sua presença à frente do governo um instrumento para desencorajar as massas a tomarem suas próprias iniciativas de defesa em fase a sabotagem econômica e da conspiração golpista a partir do interior dessas mesmas forças armadas tão elogiadas pelo seu "profissionalismo". Ou, em outras palavras, como classificava Leon Trotsky, dirigente da revolução russa de 1917 e que foi o primeiro a denunciar o significado das frentes populares: "A política conciliadora das frentes populares condena a classe operária à impotência e abre a via ao fascismo."

Nessa altura dos acontecimentos no Chile, entretanto  estavam apenas começando as experiências das massas com a UP.

Uma revolução em marcha

1971 inicia-se com algumas importantes conquistas arrancadas pelos trabalhadores. O governo impõe um congelamento temporário de preços, do pão e do leite, aumenta os salários em diferentes níveis, favorecendo principalmente os salários mais baixos. Em contrapartida, os dirigentes da UP procuram reforçar os instrumentos para bloquear a mobilização independente dos trabalhadores. Governo e Central Única dos Trabalhadores concluem um acordo em dezembro de 1970. Monta-se no interior do Ministério da Economia um comitê executivo CUT- governo, encarregado de construir 'comitês de produção' no setor da indústria que estava nacionalizado.

Em nome da batalha da 'produção" dirigentes da CUT tratam de veicular as posições do governo, caracterizando toda a greve como expressão de trabalhadores ''sem moral revolucionária''. Através desse acordo, os dirigentes da CUT empenham-se em desestimular a vontade dos trabalhadores  de ver ampliado o setor da 'propriedade social', fazendo de tudo para preservar o limite de 20% da nacionalização da economia, fixado pelo governo.

No campo, o governo da UP procura governar com a mesma lei da reforma agrária do governo Frei. Com isso, quase a metade da população agrária continua excluída dos efeitos de uma reforma agrária. Diante da lentidão dos processos de desapropriação, os camponeses intensificam as ocupações e os enfrentamentos com os bandos armados dos latifundiarios se sucedem. Provocações, com morte de líderes de camponeses, causam uma intensificação ainda maior dos conflitos.

A dimensão da situação pode ser medida pelo seguinte diálogo entre o presidente Salvador Allende e o camponês Anselmo Cancino, delegado eleito do conselho campon~es do Estado de Linares:
"Allende - Ocupar terras é violar um direito. E os trabalhadores devem entender que fazem parte de um processo revolucionário, no qual estamos em vias de realizar mudanças, com um mínimo de fome. Pensem bem. Se nós agíssemos da mesma maneira com as empresas importantes que queremos nacionalizar - existem 35 mil empresas - o que aconteceria se tivessemos intenção de contornar todas elas?

Cancino - A mudança companheiro presidente "

 Encarando governo Allende como seu governo, as massas trabalhadoras da cidade e do campo procuram apoiar-se em suas medidas limitadas de nacionalização e reforma agrária para levar mais profundamente sua mobilização. Esse movimento vai dar lugar à constituição de um dos principais instrumentos das amplas massas durante toda a experiência chilena : as Juntas de Abastecimento e preços (JAPs).

Diante do desabastecimento provocado pelos capitalistas, do aumento desenfreado dos preços e das sabotagens econômicas começam a  agravar as condições de vida do povo. Donas de casa respondem a uma proposta do ministro Vuskovic, da economia, constituindo as primeiras JAPs. Concebidas como meros apêndices do governo, essas juntas vão ampliar-se em particular durante a grave crise de 1972, na greve dos caminhoneiros preparada e organizada pela direita. AS JAPs passam a ser um instrumento de massa, articuladas com comitê de moradores, sindicatos, clubes de mães e as organizações mais avançadas que os trabalhadores chilenos chegaram a construir: os cordões industriais.

Apesar da política da UP, as massas procuravam expressar cada momento seu desejo ardente de prosseguir avançando. Em abril de 1971, nas eleições municipais, os candidatos da UP obtiveram uma esmagadora maioria de 51% dos votos, registrando-se em particular um poderoso avanço do PC e do PS que, sozinhos, obtiveram 40,25% dos votos.  

Enquanto procura recompor-se da derrota sofrida, a burguesia se preocupa em manter de pé a Assembléia Nacional com sua composição direitista majoritária. O PC desempenha um papel em primeira linha para impedir qualquer precipitação dos acontecimentos, quando,  em junho de 1971, se coloca o problema da nacionalização das minas de cobre (principal setor econômico do Chile).

Em vistas dos altos lucros obtidos pelas empresas multinacionais durante os anos de exploração das minas, o projeto enviado por Allende desconta esses lucros do valor da indenização a ser paga, reduzindo- a praticamente nada. De sua parte, a burguesia rejeita num primeiro momento o projeto do governo. Allende propõe então que as mudanças constitucionais que possibilitam a nacionalização dessas minas fossem aprovadas por meio de plebiscito. O PC nega-se terminantemente a aprovar tal idéia, uma vez que a aprovação plebiscitária poderia colocar em evidência aos olhos das massas a necessidade de dissolver a Assembléia, convocando eleições lesgislativas antecipadas. Isso signficaria a abertura de brechas enormes no próprio aparelho de Estado, podendo afetar por aí a própria composição da UP, com uma radicalização ainda maior na base dos partidos operários e o afastamento ou rachaduras nos partidos burgueses e pequeno-burgueses da UP.

Com a garantia da manutenção do Parlamento, a burguesia cede à pressão exercida pela esquerda do Partido Socialista e pelo MIR (Movimento Esquerda Revolucionária), que organizavam manifestações sob a palavra de ordem de 'nenhum centavo para os ianques'.

Em compensação as classes dominantes podem, a partir daí, procurar refazerem-se de suas profundas derrotas em setembro de 1970 e em abril de 1971. Do interior de suas posições no Parlamento atacando os projetos de lei do governo e pedindo a renúncia do ministro da economia, Vuskovic, que proprusera a Junta de Abastecimento e Preços, a burguesia vai se recompondo à volta do presidente do senado, o ex presidente Eduardo Frei. Por outro lado, ganha livre cursoa sabotagem econômica.  Os proprietários de terra apoaim se sobre a própria lei de reforma agraria existente , que lhes permite a manutenção do rebanho, das maquinas e equipamentos em caso de desapropriação ( sempre com indenização ), para desorganizar a produção agropecuária.

Por volta de agosto - setembro de 1971, as empresas norte americanas e a CIA começam a percorrer abertamente o caminho de sabotagem, financiando extremistas de direita e intensificando as provocações, principalmente por intermédio do agrupamento paramilitar 'Patria e Liberdade'.

O primeiro ato de enfrentamento  público organizado pela burguesia foi uma manifestação organizada no final do ano, a partir de empregadas domésticas e donas de casa de famílias ricas.  È a primeira manifestação das "panelas vazias", que, reprimida pelo ministro do interior José Toha, enseja uma mobilização intensa dos partidos burgueses por sua demissão. A burguesia procura reunir com isso condições políticas, base de apoio, para um enfrentamento de maior amplitude com as massas, o que vai acontecer em outubro de 1972.

Surgem os cordões industriais

Da inação diante das sabotagens e provocações organizadas pela direita, o governo Allende passa a orientar-se no sentido de uma abertura cada vez mais acentuada em direção à Democracia Cristã. Em julho de 1972, a partir de um projeto elaborado pelo novo ministro da economia, o stalinista Orlando Millas, o governo tenta promover a "desnacionalização" de algumas indústrias; ou seja, procura restituí-la a seus antigos proprietários.

Os trabalhadores da área afetada, Cerrilos-Maipu - região industrial de Santiago do Chile - não aceitam e respondem com a greve. Surge então o primeiro cordão industrial, que é uma organização autônoma dos trabalhadores. Ela reagrupa delegados eleitos de 18 fabricas, que se reunem não só para resistir aos patrões como também ao próprio governo.  Neste momento começa, assim, a ocorrer uma mudança na compreensão dos trabalhadores sobre o papel do governo da UP.

Nos mesmos dias, trabalhadores da cidade de Concepción - fazendo face a uma iniciativa de mobilização da burguesia - procuram abrir a via no sentido de suas organizações indepedentes de massas, constituindo uma Assembleia Popular. O PC mais uma vez responde em primeira linha, depois de desautorizar a participação de comunistas nesse movimento. Dizem eles "para os comunistas, é claro que toda ação tendente a queimar etapas do processo revolucionário choca-se  com o programa da UP, choca-se com o governo do camarada Allende".

O reagrupamento promovido pela burguesia, a partir do desespero de uma camada da pequena-burguesia - desespero que é fruto não de um "extremismo" entre os trabalhadores, como denunciam os dirigentes da UP, diante da sabotagem econômica e das provocações - vai encontrar seu ponto mais alto em outubro de 1972, na tentativa de fazer da greve dos caminhoneiros um ponto de partida para golpear as massas e acabar com o governo Allende. Paralisam as atividades, junto com os caminhoneiros, os médicos, advogados e outras categorias de profissões liberais.

A resposta do governo é tímida, com a requisição de alguns caminhões, reabertura de lojas e confisco de estoques. De sua parte, antevendo a tentativa das classes dominantes de golpeá-los, os trabalhadores respondem com uma mobilização profunda. Multiplicam-se os cordões industriais em toda a região de Santiago. Assembléias gerais se realizam, elegendo delegados que se coordenam por bairro, constituindo "coordenações operarias locais". Os cordões agrupam trabalhadores sindicalizados ou não, funcionários do setor privado e estatizado, militantes tanto do PS, quanto do PC e do MIR.

Tem grande importância nesse momento nesse momento a resitência dos ferroviários, entre os quais possuia grande influência a Demcoracia Cristã, mas que se recusam a servir de massa de manobra para as pretensões da classe dominante. 

Os cordões industriais passam a controlar a produção das fabricas, organizando também a luta contra os atentados terroristas que o patronato provoca.  Eles se articulam com as juntas de abastecimento e preços, com os clubes de mães e delegados das comissões de moradores. Seu objetivo é garantir a continuidade do conjunto das atividades necessárias à manutenção da produção, ao abastecimento e aos serviços de saúde. Em colaboração com os camponeses, garante-se o abastecimento das cidades.

A situação politica modifica-se fazendo os golpistas da burguesia. Mas seu recuo se faz de tal forma que, ainda assim, a burguesia e as forças armadas se apoiam mais profundamente sobre o governo de frente popular. Assim, durante o próprio fogo dos acontecimentos desse "Outubro Chileno", os partidos burgueses fazem aprovar o parlamento, com a conivência da UP, uma "lei de controle de armas", que se constitui num verdadeiro passaporte para trazer ao primeiro plano governamental as forças armadas. No dia 30 de outubro, é constituido um ministério civico-militar, do qual faz parte o general Prats, como ministro do interior, além de outros dois militares, responsáveis por Minas e Abastecimento. Trata-se, enfim, de uma verdadeira provocação destinada a quebrar a espinha dos trabalhadores, a partir do interior do próprio governo Allende. 

Acontecimentos decisivos se aproximam no Chile. De um lado, as massas trabalhadoras demonstram, ainda que no quadro da UP - uma vez que não possuem um partido de trabalhadores independente, revolucionário, capaz de expressar seus sentimentos - que aprofundava sua consciência sobre os compromissos do governo Allende com a manutenção do Estado burguês. Vejam-se, por exemplo, esses trechos de uma carta de um dirigente sindical, publicada em "Chile le hoy": "Digo o que penso porque eu vi e vivi". "Digo o que penso porque porque eu vi e vivi . Faltaram-me muitas coisas e fui explorado  ao longo desses 15 anos. Com esse governo, eu pensava que nós iriamos caminhar mais forte até atingir o objetivo. No inicio, nos mantivemos com essa certeza durante oito meses, um ano, depois veio o desânimo. Penso que perdemos muito terreno e que zombamos do plebiscito no momento em que éramos mais fortes. E agora, neste momento, a direita reacionária, antipatriótica, faz o que ela quer. Penso que isso é o resultado das fragilidades que vimos aparecer na esquerda, da constituição, da legalidade de que se fala tanto..."
"Quero me referir também ao fato do que se diz aos trabalhadores: 'Não às greves', 'Não as ocupações', que não se aceitará isso que a lei será aplicada com rigor. E eu me pergunto: qual outra arma temos nós, os trabalhadores, para golpear o inimigo que sempre recusou a negociar contratos?"
"Eu me recordo de um camarada que fez um discurso em uma assembléia de dirigentes no dia 10 de outubro, dizendo assim: 'Não podemos fazer greves, nem ocupar empresas e latifundios porque com isso fazemos o jogo da direita. Nós resumimos os problemas a isso' . Os que dizem isso eram camaradas do PC...Onde se quer chegar exatamente com isso? È isso que me deixa nervoso com os camaradas de minha própria classe, que não sabem pensar com suas próprias cabeças e que me trasmitem o que lhes ditam". 

Antevéspera do Golpe

Enquanto amaduerecia essa compreensão por parte dos trabalhadores - ainda que isso se desse no quadro da continuidade do apoio ao governo Allende -, de outro lado, a burguesia e as forças armadas procuravam servir-se deste mesmo governo para golpear as massas. O novo governo (gabine cívico-militar) constitui-se em um verdadeiro covil de conspiração golpista, ao mesmo tempo que um porrete imediato para manter a "paz social", nas palavras do general Prats, ministro do interior e também investido da vice-presidência da república. 

Sob a cobertura política dos dirigentes da UP, que repetiam com Luis Corvalán (secretário do PCC), que o ''o exército manterá contra tudo e contra todos uma posição correta'', os chefes militares tramavam. Conforme admitiu Pinochet depois do golpe a um jornalista da agência internacional de notícia 'Reuter', em dezembro de 1973: "Preparamos em julho-agosto de 1972 um memorando mostrando a possibilidade de uma intervenção militar. Começamos em 1972, a preparar unidades para enfrentar grupos extremistas nos arredóres da capital(...) Em 20 de março de 1973, redigimos um documento e que chegavamos à conclusão que uma solução consitucional era possivel. Tudo foi mantido no maior segredo . Porque senão não estaríamos mais onde estávamos ."

A solução constitucional impossível aludida por Pinochet referia-se a um fato político maior: o fracasso do gabinete civico-militar. Desde setembro de 1972 desenvolvia-se uma repressão intensa às iniciativas de auto-organização dos trabalhadores e de massas populares.

No "outubro chileno" as JAPs proliferam e se massificam ainda mais, surgindo como verdadeiros instrumentos da organização do abastecimento e regulagem dos preços, combatendo ainda os especuladores. Um dos militares do novo gabinete tinha missão precisa de desmontar esses comitês que se entrelaçavam com as fábricas ocupadas e com as organizações de massa dos moradores e camponeses.    

Allende pessoalmente interveio contra as JAPs dando mão forte ao general Bachelet, novo ministro do abastecimento. "Conheço todos os países socialistas do mundo. Não conheço nenhum onde um orgão reconhecido e regular de poder funcione sem colaborar com os orgãos centrais dos governos. Se assim não fosse também entre nós, que tipo de anarquia não teríamos neste país! Camaradas, é preciso que as coisas sejam claras entre nós. Os comitês de abastecimento de bairros são organismos regulares, de colaboração com o governo popular. Que isso, camaradas, ainda uma vez, seja claramente compreendido". Em tom ameaçador, Allende procurava a desmobilização das Juntas de Abastecimento e Preços, esvaziando-as de seu conteudo autônomo e integrando-as ao Estado, como organismos de "colaboração".

Da mesma forma que o governo se choca com as JAPs, que se recusavam a desmobilizar-se, também o governo se choca, depois de outubro, com operários organizados em cordões. Inicia-se um processo de centralização dos cordões desde o momento em que no princípio de janeiro, o gabinete de Allende transforma em projeto de lei os planos do ex ministro da econômia, Orlando Millas. Previam-se por esse projeto a devolução de 123 empresas (ocupadas desde outubro) aos seus proprietários e ainda desnacionalização de outras 43 empresas. Para combater tal plano, os cordões industriais de Santiago reúnem-se no princípio de fevereiro e adotam uma plataforma de revindicações que fala por si mesma sobre o alto nível de consciência atingido pelos operários chilenos nesses momentos decisivios:

"Nós, trabalhadores dos cordões industriais, avançamos como programa de ação classista imediata:
1)A luta para que todas as empresas produtoras de gêneros de primeira necessidade, do setor socializado, passem ao controle direto dos trabalhadores, incluindo-se também as empresas do setor alimentício e as fábricas de materiais de construção; 
2)Luta pela expropriação das propriedades agrícolas com mais de 40 hectares (irrigados); confisco da terra e nacionalização de sua exploração;
3)Expropriação das propriedades agrícolas com mais de 40 hectares (irrigados); confisco da terra e nacionalização da sua exploração; 
4)Construir um controle operário da produção e um controle popular da distribuição. Os trabalhadores decidirão sobre o que sera produzido para o povo, o reinvestimento do lucro e os  os locais que serão colocados à venda os alimentos. Para isso, chamamos à imediata constituição de comitês operários de vigilância em todas as empresas do setor privado;
5)Luta para implantar um comando operário em todas as empresas do setor socializado;
6)Que não se restitua nenhuma empresa, nem as do setor de construção, nem as outras empresas que estão sob controle dos trabalhadores. Imediata retirada do projeto Millas (...);
7)Poder de sanção das JAPs e dos comandos comunais. Controle do que é fornecido aos comerciante, escondem e especulam com os produtos. Fechamento de seus pontos comerciais e venda direta nos bairros populares. Os operários dos cordões industriais se mobilizarão para tornar efetivo esse poder (...);
8)Convocamos os trabalhadores a constituirem comandos industriais, por meios dos cordões e comandos comunais, único meio para a classe operária dispor de um organismo eficaz de ação, capaz de mobiliza-la e propor-lhe novas tarefas. 
Acreditamos que controlar os meios de produção e de distribuição significa consolidar o processo, significia criar uma nova economia em mãos da classe operária, significa caminhar para a frente. É por isso que nos opomos a todo tipo de concessão à burguesia(...). 
Cordões Industriais de Santiago, comandos comunais , Coordenação Nacional da Construção 
Fevereiro de 1973 ".
São fatos como esses que ilustram por que uma solução constitucional era impossível. As relações entre as classes a um ponto maximo de tensão, numa situação com aberto curso revolucionário. A burguesia e as forças armadas tentaram ainda fazer das eleições lesgislativas de março de 1973 um momento para retomar em mãos o controle de Estado, sem o intermédio da Unidade Popular. Apoiando-se na existência do gabinete cívico-militar, na repressão intensa sob cobertura da participação dos generais no governo, na ação dos agrupamentos como "Patria e Liberdade", em que assassinavam lideranças operárias em pleno processo eleitoral, toda a burguesia se preparou com afinco para infligir uma derrota às massas nas eleições. Mas o resultado eleitoral de 4 de março foi inapelável. Apesar de sua politica, que jogava parcela da pequena-burguesia nos braços da direita, a UP obteve 45,6% dos votos (10% mais que nas eleições presidenciais). O gabinete civico-militar é desfeito, assumindo um ministério só de civís, com excessão do general Prats.

Crise de direção e Golpe

Desde o 20 de março, segundo o próprio Pinochet, as forças armadas se orientam concretamente no rumo da organização do golpe de Estado. À sua maneira, elas compreendiam que, a despeito de todo emperramento imposto pela UP à organização autônoma dos trabalhadores, o resultado eleitoral havia mostrado que se aproximava perigosamente uma situação em que as massas poderiam suplantar seus dirigentes. Longe de representar um reforço da UP, o resultado eleitoral prenunciava que os trabalhadores buscavam de todas as formas constituir e desenvolver suas organizações autônomas , fundamentais para se opor à burguesia e aplicar, contra a vontade do próprio governo, a sua vontade; como a que ficou expressa no programa dos cordões industriais.

No final  de junho a temperatura politica chega a um ponto de ebulição. Os jornais regiaram a preparação de um golpe militar. Em Santiago, 700 mil trabalhadores desfilam em apoio a Allende, contra as provocações dos bandos fascistas.

Em 29 de junho, ocorre o que ficou conhecido como o "Trancazo". Uma tentativa de golpe, que não contou com o enganjamento do conjunto das forças armadas, mas que se constituiu num verdadeiro ensaio feito pelos militares.

Em todo caso, uma poderosa mobilização operária, uma opõe-se ao "Trancazo". Mas ela é impotente para, a partir da resistência, golpear à morte o fascismo. Allende recusa-se terminantemente a por fim à sua política de colaboração com a burguesia.  As armas que os trabalhadores necessitam para opor-se ao golpe não existiam. Nesse sentido, para os militares , o "Trancazo" se constitui em verdadeira sondagem para medir até que nivel de resistência poderiam encontrar pela frente.

A desmoralização política dos trabalhadores revela-se aí com toda a dimensão, em especial através da atividade do PC. Antes e particularmente depois do "Trancazo", os dirigentes stalinistas esmeravam-se em atacar os cordões industriais. Nas palavras de Corvalán a "Chile Hoy": "No caso dos cordões industriais, nós os concebemos como parte integrante da CUT e não como organizações paralelas e divisionistas do movimento sindical". Tal como as JAPs os cordões não poderiam ser instrumentos de um novo poder que as massas criavam. Havia que atacar de frente os organismos autônomos que desembocavam em Assembléias e conselhos populares. Esse conteúdo explícito da ação do Partido Comunista, erguendo-se até o fim como dique de contenção das massas, para proteger o aparelho de Estado gerido pela Unidade Popular.

No dia 23 de agosto, a Câmara de Deputados declara o governo ilegal. No dia 24, o general Prats demite-se e assume o Ministério do Interior o general Augusto Pinochet. A justiça Militar abre um processo contra os secretários gerais do |Partido Socialista, do MIR, e do MAPU, culpados de terem tocado a defesa dos marinheiros e sub-oficiais antigolpistas de Valparaiso.

No dia 4 de setembro, terceiro aniversário da eleição de Allende, ainda desfilam 800 mil trabalhadores em Santiago. No dia 11 de setembro, o golpe começa em Valparaiso, o Palácio de la Moneda é bombardeado em Santiago, Allende morre resistindo isoladamente e segue-se a tragédia golpista que se conhece, com mais de 50 mil operários e camponeses assassinados.

Na origem de tudo esteve a impotência dos trabalhadores em colocarem-se num terreno independente, oposto ao da burguesia, em função da política que levavam os dirigentes do PC e do PS principalmente. É certo que, em todo esse processo, a poderosa pressão dos trabalhadores fez com que eles próprios abrissem caminho para sua organização autonôma, como foi o caso dos cordões industriais. Organização que chegou a contar com um orgão próprio (o jornal "Tarea Urgente", editado após o "Trancazo") e que deu a seguinte manchete, quando da formação do segundo gabinete cívico-militar no final de agosto, "Traição! Gabinete militar significa aceitar as exigências da DC e do PN. O próximo passo será reprimir o povo".

Sob pressão das massas em luta, forjando sua unidade nos cordões, nas JAPs e etc, uma ala esquerda se desenvolveu no PS, havendo também uma grande radicalização no MIR e no MAPU (depois da exclusão dos mais importates egressos da Democracia Cristã). O drama da classe operária chilena, entretanto, foi a inexistência de um partido de trabalhadores independente, revolucionário, que recusasse a política de compromissos da UP com a burguesia, que recusasse a política de frente popular.




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