Em junho de 2007, a jornalista
investigativa Natalia Viana publicou em livro os resultados que obteve em sua
pesquisa sobre assassinatos políticos no Brasil de 12 anos atrás.
O livro aborda os assassinatos
entre 2003 e 2006, primeiro mandato do Partido dos Trabalhadores na Presidência
da República. O PT não tinha proposto nenhuma medida para desmontar o aparato
repressivo, constituído nos anos de chumbo no Estado brasileiro, e que não
tinha sido desmontado pela constituição de 1988, saída de um acordo com o
regime ditatorial.
São seis casos relatados, entre
eles o caso da irmã Dorothy Stang, e do sindicalista militante do Partido dos
Trabalhadores Anderson Luís Souza Santos. Este caso lamentavelmente faz
aniversário neste 10 de abril, sem qualquer solução por parte das autoridades.
Doze anos se passaram desde a
publicação deste livro e a questão que ele colocava - como é possível que
durante governos eleitos pelos movimentos sociais, militantes destes movimentos
continuassem a ser assassinados? - continua sem resposta. A perspectiva por que
lemos essa pergunta, hoje, depois do golpe de estado que derrubou a presidenta
Dilma, é muito diferente de quando foi formulada. Dilma tentou organizar uma
comissão da verdade, que foi fortemente atacada pelos setores mais reacionários
instalados no interior das instituições de Estado, acabando limitada a mera
apuração histórica - e, mesmo assim, com grande dificuldade de acesso a
documentos da época. O aparato repressor se preservou, a violência
institucional cresceu contra a população mais pobre das periferias e desde o
golpe de 2016 tem avançado contra lideranças populares de tal maneira que
notícias sobre assassinatos e prisões políticas sequer nos surpreendem mais.
Os casos de Marielle Franco,
assassinada, e Lula, preso político e psicologicamente torturado, mostram que a
escalada repressiva chega ao topo sem nenhum pudor. E ainda assim encontra
terreno para se agudizar. Os métodos cada vez mais sofisticados incluem a
simbiose do aparelho de estado com o crime organizado e o inegável uso de
técnicas de influência de massas patrocinadas pelos senhores da guerra.
Sob esta perspectiva, não é
coincidência que Natália formulasse sua pergunta justamente no período em que
se iniciam as perseguições midiáticas da Lava-Jato. Não ser possível evitar
assassinatos de militantes de movimentos populares sob um governo eleito guarda
profunda relação com não ser capaz de defender os eleitos que vêm dos
movimentos sociais quando são eles mesmos os alvos da perseguição.
A ofensiva contra governos
eleitos pelos movimentos sociais é uma resposta para a crise por parte dos que
ganham com seu aprofundamento. Uma crise que nada mais é do que uma crise do
sistema capitalista que leva a guerras e a destruição das condições de vida das
amplas massas. O canto da sereia de um outro mundo possível com inclusão social
sob o capitalismo já não é tão entorpecedor para os que se confrontam com a
necessidade de resistência ao totalitarismo neofascista. Novos problemas
colocam novas perguntas. E os que nos perseguem conseguem sofisticar os
problemas que nos trazem.
O assassinato de Marielle é,
desse ponto de vista, um dos resultados dos assassinados e assassinadas
anteriores a ela terem ficado sem justiça. O fato de o presidente de um
sindicato cutista, como era Anderson Luís, ter sido assassinado e não se saber
quem o matou, e nem a mando de quem, não ajudou a construir um sistema de
justiça capaz de proteger nossas lideranças de toda sorte de matadores.
Marielle concentra mais que isso; contudo, como Anderson, cabe também numa
escalada genocida contra o povo preto, que tampouco foi estancada nos governos
do PT. Assassinada depois do golpe é, também, símbolo máximo da contraofensiva
misógina e homofóbica que ganhou terreno com a deposição fraudada de Dilma,
primeira mulher presidenta do Brasil, eleita pelo povo e tirada pela força de
ritos burocráticos que institucionalizam o ataque permanente sobre as poucas
conquistas inscritas na constituição “frankstein” de 1988.
Em seu mandato à frente dos
trabalhadores na indústria de frios e laticínios no Rio de Janeiro, Anderson
tinha sido o principal organizador da luta contra a implantação do banco de
horas, que também fazia parte de uma campanha internacional contra a
desregulamentação dos códigos de trabalho conquistados em diversos países. O
direito a receber as horas extras trabalhadas, garantido por lei, estava sob
ataque desde antes. Anderson o combateu e ajudou a deter sua aplicação na
Nestlé do Rio de Janeiro. Mais de uma década de seu assassinato, não só o banco
de horas voltou como 3 dirigentes sindicais, empregados da mesma unidade em que
Anderson trabalhava. foram demitidos.
Como Marielle, Anderson foi
plantado no chão e virou semente. A pergunta que seu assassinato suscitou não
morreu com ele. E a ela foram acrescentadas outras: como foi possível o PT,
maior e mais representativa força política do Brasil, sofrer um golpe? Havia
forças políticas internas suficientes para dar o golpe ou foi resultado de uma
ação deliberada de um inimigo externo? Como pôde o PT não se preparar para o
golpe, quando desde 2005 suas principais lideranças eram vítimas de
achincalhamento pela grande mídia?
As técnicas de persuasão de
massas são um capítulo à parte nesta história toda. E precisam ser
destrinchadas, pois são elas mesmas resultados de pesquisas científicas sobre
como as pessoas tomam decisões em determinadas situações, e podem ajudar a
entender a formação de uma opinião pública sobre determinados assuntos e até
mesmo resultados eleitorais. As classes dominantes se apropriam desses
conhecimentos e usam em seu benefício, usando seu poder sobre os meios de
comunicação de massas para tentar doutrinar as massas sob seus paradigmas.
A propriedade privada dos meios
de produção é um destes paradigmas que interessa às classes que os detêm
preservar. Mas porque este paradigma obriga a aceitar a dor que sente um corpo
com fome ou a dor da mãe que perde o filho, a persuasão, ainda que constante, é
insuficiente. Como foi insuficiente no Brasil em 2018 com Lula que, mesmo após
toda difamação de massas contra ele e sua família, continuava o favorito, e só
não foi eleito porque foi preso. Quando o convencimento é insuficiente, usa-se
a força. O rito institucional e uma farsa de julgamento são apenas cobertores
esfarrapados que não resistem a um exame técnico. As técnicas de persuasão
passam a ocupar seu verdadeiro lugar, não mais substituindo as ações de força
mas preparando para elas. Daí decorre que, já tendo atingido Lula, a repressão
declare guerra aos vermelhos.
O uso das instituições do estado
para caçar vermelhos já foi feito antes, no Brasil e fora dele. Um dos exemplos
mais bem sucedidos da história foi o macartismo, que conseguiu varrer as
organizações comunistas nos EUA no século passado, justificando a repressão e o
silenciamento de comunistas, baseado na propaganda de que seriam ameaças à
democracia, pois se chocavam com o direito “sagrado” à propriedade. Não estamos
diante de nada diferente disso neste momento e uma ampla coalizão de forças tem
reafirmado o direito da propriedade individual sobre bens coletivos em
detrimento do direito dos corpos a pararem de sofrer de fome, frio, doenças,
tiros, bombardeios. As armas estão apontadas para estes que não tem direito de
decidir sobre seus próprios
corpos. Foi contra o direito dos
que têm fome decidirem ter um governo que acabe com ela que se deu o golpe no
Brasil. E é contra este direito que há uma ofensiva mundial contra organizações
populares que pleiteiam governar aplicando políticas para que ninguém morra de
fome ou numa guerra.
Doze anos depois de publicado Plantados
no chão, continua sendo necessário um amplo dossiê sobre todas as vítimas de
assassinatos, prisões e perseguições políticas que contem as histórias dos
nossos companheiros e companheiras de luta que tombaram e que sofrem
injustiças. Estas histórias são sementes e lições para aprendermos a nos
proteger coletivamente, conhecendo as táticas dos inimigos e, assim,
entendermos com quem podemos contar na nossa auto-defesa.
No caso de Anderson, o governo
federal do PT, com Lula na presidência, não exigiu a federalização da apuração
quando seu aliado Sérgio Cabral recusou a colaboração federal. E era justo que,
num governo progressista, o assassinato de militantes fosse tratado numa esfera
mais distante do poder local, conivente com matadores, como fica cada vez mais
explícito a partir dos fatos que vêm a tona sobre o assassinato de Marielle.
Uma das lições é que uma polícia federal incapaz de proteger os nossos, sendo
uma garantia de isenção nas investigações - que seriam atrapalhadas pelas
relações promíscuas entre o crime e as polícias e políticos locais - acaba
servindo para o seu aposto, encarcerar os nossos e dar cobertura à entrada de
armas no país para serem usadas contra nós.
Plantados no chão precisa ser lido.
Ler sobre Anderson e outras vítimas da repressão os faz presentes.
Para nós, que ficamos sem nossos
companheiros de luta, a pergunta continua sendo como virar o jogo. E é com ela
que insistimos que não há luta hoje que possa responder esta questão se não
incluir a liberdade de Lula como uma das exigências. Nossas sementes não
precisam ser perfeitas para germinarem porque estamos em contínua aprendizagem
para não romantizar mais os abusos e cuidar melhor de nosso jardim, encontrando
adubo nas histórias das lutas de todos e todas nós.
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