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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

⋆ As eleições europeias em tempos de guerra econômica

Entre os dias 23 e 26 de maio de 2019 ocorreram as eleições para o Parlamento Europeu. Segundo a página da própria instituição 'Ao votar nas eleições europeiasos cidadãos elegem os 751 deputados que compõem o Parlamento Europeu (PE) e os representarão na União Europeia (UE) nos próximos cinco anos, ou seja, até 2024.' A página também informa as regras de composição do Parlamento e a distribuição de Euro-deputados por país, levando em conta já a saída da Grã-Bretanha (BREXIT).

O que é a União Europeia?

  A União Europeia é formada por 5 instituições a Comissão Europeia, o Conselho Europeu, o Tribunal de Justiça da UE, o Banco Central Europeu(BCE) e o Parlamento Europeu, que é a única das instituições eleita pelo voto popular. Popularidade, aliás, é o que falta a todas elas. O Banco Central Europeu, a Comissão Européia e o Fundo Monetario Internacional ficaram conhecidos recentemente pela designação Troika.  Responsável por disciplinar os países em dívida com a União Européia, a ela é atribuida a austeridade que faliu a Grécia. Em recente visita a Portugal, a Troika e sua porta-voz oficial, Angela  Merkel, foi recebida com protestos em muitos lugares
O economista Michael Roberts oferece um balanço econômico sobre a União Europeia e as desigualdades entre países causados pelo fim da soberania econômica dos Estados membros e na aplicação dos 20 anos da moeda única Euro. Roberts, além de destacar as políticas de austeridades, anti-operárias e anti-sindicais, demonstra que a UE vem sofrendo com as crises do capitalismo: "O capital franco-alemão expandiu-se para o sul e para o leste, aproveitando a mão-de-obra barata de lá, enquanto exportava para fora da zona do euro com uma moeda relativamente competitiva. Os estados mais pobres da UE criaram déficits comerciais com os estados do norte e foram inundados por seus capitais, o que criou 'booms' imobiliários e financeiros desalinhados com o crescimento nos setores produtivos do sul. Mesmo assim, nada disso teria causado uma crise na união monetária se não fosse por uma mudança significativa no capitalismo global: o declínio acentuado da rentabilidade do capital nos principais estados da UE (como em outros lugares) após o fim do Era de Ouro da expansão do pós-guerra. Isso levou a queda no crescimento do investimento, na produtividade e na divergência comercial. O capital europeu, seguindo o modelo das economias anglo-saxônicas, adotou políticas neoliberais: leis anti-sindicais, desregulamentação dos mercados de trabalho e financeiros, cortes nos gastos públicos e impostos corporativos, livre circulação de capitais e privatizações. O objetivo era aumentar a lucratividade. Isso ocorreu um pouco para os estados da UE mais avançados do norte, mas menos para o sul.'. Roberts completa:' A crise financeira global expôs as falhas na zona do Euro"

A questão democrática sobre a União Europeia

  Novas instituições politicas não surgem no mundo a todo o momento. O surgimento de uma nova instituição representa um novo nível de organização das classes dominantes e uma mudança de qualidade na relação com as classes dominadas. 
Oliver Doriane, em um artigo na revista A Verdade (Revista Teórica da IV Internacional) número 37, de junho de 2004, oferece uma analise desta instituição por ocasião das eleições parlamentares da época. Doriane começa seu artigo estabelecendo o que é um parlamento: 'A formação de parlamentos esta ligada a constituição de nações '. Ele continua: 'A formação da nação constitui uma etapa no desenvolvimento das forças produtivas. Com efeito, a unificação da nação corresponde a uma época na qual a burguesia moderna forma a nação como meio de unificação das forças produtivas e como base para disputar o mercado mundial '. 
A disputa do mercado mundial hoje já esta totalmente saturada, vivemos guerra comercial pelos mercados já dominados, portanto não existe a constituição de novas burguesias. Se a conformação da União Européia não corresponde a uma nova burguesia, ao que corresponderia? As antigas burguesias, sufocadas pelo quadro nacional que garantiu as conquistas econômicas e sociais aos trabalhadores no pós-guerra, precisam se livrar destes limites a exploração para se tornar competitivas no mercado mundial. O ataque ao quadro soberano das nações fica explícito quando recursos constituintes dos Estados Nacionais são delegados às instituições europeias como por exemplo, imprimir dinheiro, uma das atribuição do BCE.
Os estatutos da UE garantem acerca do Banco Central Europeu "A gestão financeira independente  levada a cabo na União Europeia. O BCE possui o seu próprio orçamento, sendo o seu capital subscrito e pago pelos BCN da área do euro."
"Os Estatutos preveem mandatos longos para os membros do Conselho do BCE e não é possível renomear os membros da Comissão Executiva.
Os governadores dos BCN e os membros da Comissão Executiva do BCE não podem ser destituídos. Além disso, os governadores dos BCN têm um mandato mínimo de cinco anos, os membros da Comissão Executiva do BCE têm um mandato não renovável de oito anos, tanto os governadores dos BCN como os membros da Comissão Executiva do BCE apenas podem ser demitidos de funções em caso de incapacidade ou de falta grave, e a competência para decidir sobre qualquer litígio cabe ao Tribunal de Justiça da União Européia. 

Não é permitido ao Eurosistema conceder empréstimos a organismos da União Europeia ou entidades nacionais do setor público. Esta medida adicional protege o Eurosistema de qualquer influência por parte das autoridades públicas.

Em termos de funcionamento, o Eurosistema é também independente. O BCE possui todos os instrumentos e competências necessários à condução de uma política monetária eficaz, estando autorizado a decidir autonomamente como e quando os utilizar.

O BCE tem o direito de adotar regulamentos vinculativos, na medida do necessário, para desempenho das atribuições cometidas ao SEBC e, em outros casos concretos, tal como previsto em atos específicos do Conselho da União Européia." 
Fica claro que as instituições Européias não tem entre os seus princípios o controle popular. Repetimos que o Parlamento Europeu é a unica instituição da UE que é eleita pelo voto popular. Contudo, mesmo o PE tem entre seus estatutos a cláusula 138 B, ou 192 na nova numeração do tratado de Mastricht, "O parlamento Europeu pode, por decisão da maioria de seus membros, pedir a Comissão Européia  para apreciar qualquer proposição, apropriada sobre as questões que parecem necessitar a elaboração de um ato comunitário para aplicar ao presente tratado ". Oliver Doriane em seu texto cita outro trecho do tratado, o artigo 1-33 "As leis e diretrizes europeias são aprovadas pela Comissão, pelo parlamento e pelo conselho de ministros", o artigo1-25 sentencia para que não fique dúvida 'Um ato lesgislativo da UE so pode ser aprovado apartir de uma proposta da Comissão Européia' . Agora já podemos dizer, sem medo de errar, que o chamado Parlamento Europeu é uma instituição tutelada, uma fachada de democracia, que só existe para ratificar as posições da Troika. 
   Existe ainda na UE um princípio chamado de "princípio da subsidiariedade", que versa sobre a obediência dos Estados membros às diretivas oriundas da Comissão Européia e chanceladas pelo parlamento, como pode ser visto no  artigo 189, alinea 3 ou 249 (na nova numeração):  'A diretiva liga todo Estado membro destinatário quanto ao resultado que deve ser atingido, deixando as instâncias nacionais a competência quanto aos meios e formas'. Uma forma elegante de dizer aos países membros da UE  'Virem-se! Obedeçam! 
Quando um povo vota para eleger o seu governo, ele acredita que pode decidir os rumos econômicos que serão aplicados em seu país. Os modelos de "Governança" capitalista buscam acabar com este elemento de soberania popular nos diversos países do mundo. A isto serve a União Europeia. Mas este não é o único meio que o Imperialismo tem usado para acabar com a soberania popular sobre o orçamento público. Temos um exemplo no caso brasileiro. Em recente palestra organizada pelo portal 247 em Porto Alegre, Dilma Roussef explicou que existem mecanismos que fazem com que a Constituição Nacional não seja cumprida no tocante aos recursos destinados a educação e saúde, por exemplo. Dilma sabe do que fala, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi usada como pretexto para seu Impeachment é um destes mecanismos, que vincula o orçamento público à prioridade do pagamento das dívidas e criminaliza o atendimento de demandas populares acima do teto. Não é coincidência que esta lei da época do "Consenso de Woshington" tenha sido aplicada com o mesmo nome em diversos países, como por exemplo na Argentina. Sim, é disto que se trata, a governança capitalista vem submetendo os países às suas diretivas, negando ao povo dos diversos países o direito que tem de escolher a política econômica de seus países através do voto popular.

Cooperação entre OTAN e UE

Em tempos de guerra  comercial o ataque às conquistas nacionais se expande do plano econômico para o plano militar. Um relatório de 25 de maio de 2018 é bastante esclarecedor das relações entre a Organização do Tratado do Atlantico Norte (OTAN)e a União Européia. Uma das primeiras coisas a ser destacada é que 'Está convencido de que a UE e a NATO (sigla em ingles para OTAN)partilham os mesmos valores em termos de consolidação da paz e da segurança internacionais, enfrentam desafios estratégicos semelhantes e, pelo facto de partilharem 22 membros, têm interesses convergentes em matéria de segurança e defesa, incluindo a proteção dos seus cidadãos contra todas as ameaças; considera que a parceria estratégica entre a UE e a OTAN é fundamental para dar resposta a estes desafios em matéria de segurança; salienta que a cooperação entre a UE e a NATO deve ser complementar e respeitar as especificidades e os papéis de cada organização;'  
É do conhecimento de todos que a OTAN é a polícia do imperialismo mundial, tendo a sua cabeça o imperialismo estadounidense. UE e OTAN tem inimigos em comum, em especial a Russia e foram aliados em muitos massacres pelo mundo. Porém, a relação já foi melhor: 'Congratula-se com o facto de os Estados Unidos terem reafirmado o seu empenho na NATO e na segurança da União; recorda que a UE e os EUA são parceiros de relevo a nível internacional e que esta parceria é também afirmada através da NATO; sublinha a importância de relações bilaterais entre os Estados-Membros da UE e os Estados Unidos; está firmemente persuadido de que uma intensificação da cooperação UE‑NATO reforça a relação transatlântica e de que a capacidade da NATO para desempenhar as suas missões está vinculada à relação transatlântica; salienta, nesta ótica, que a evolução política recente poderá repercutir-se na força da relação atlântica; observa que os Estados Unidos, que, de um modo geral, incentivaram e felicitaram os desenvolvimentos concretos a nível da defesa da UE, devem procurar compreender melhor os interesses estratégicos europeus, nomeadamente o desenvolvimento das capacidades europeias de defesa; insiste no facto de os esforços da UE para conseguir alcançar uma autonomia estratégia reforçarem o ambiente de segurança da Aliança;'. 
A instabilidade entre UE e EUA é bastante grave e está nos marcos da guerra econômica. Trump  deu ultimato à UE exigindo que os países membros comprem armamentos estadounidenses: 'Quando ocorrer uma crise e se suas defesas fracassarem, sua população não ficará muito impressionada pelo fato de que o armamento adquirido foi somente dos países europeus', disse Michael Murphy. A questão aqui é que a UE criou um fundo de defesa no valor de 13 bilhões de Euros. Mais um passo na escalada de guerra que o mundo vive. 
Enquanto ocorria o Forum Econômico Mundial em Davos na Suiça, no início do ano, Merkel e Macron negociavam paralelamente medidas que podem gerar um embrião de exército pan-europeu. Apesar dessas tentativas da UE de constituir o seu próprio exército, está clara a  submissão do bloco à OTAN, por isso mesmo que a UE é aliada de primeira hora dos EUA em suas intervenções pelo mundo. Na verdade, a UE tem uma grande preocupação em se blindar da influência popular, mas não da influência dos EUA.

As recentes eleições da União Européia

 Neste cenário de marcha para a guerra, as eleições foram marcadas pela participação de 51% dos eleitores, a mais alta taxa das últimas edições. 
A grande abstenção não é surpreendente para instituições tão abertamente reacionárias. Impossível não destacar que a extrema direita surfa na onda de insatisfação popular com as instituições em crise de legitimidade popular. O reforço na bancada da extrema direita, para o que o nosso conhecido bolsonarista Steve Bannon jogou um papel de articulador de direitistas de diversas nacionalidades européias, tentando uní-los em torno de um bloco no suposto Parlamento, ficou também explicito. A principal bandeira do bloco de extrema direita é a luta contra a imigração.
 Os fatos são que os pedidos de asilo tem crescido como resultado das guerras geradas pelo imperialismo em diversos países no Oriente Médio. A crise migratória e de refugiados tem sido a desculpa perfeita para a instigação da  xenofobia. Os migrantes são os bodes expiatórios perfeitos para o capitalismo aplicar políticas de repressão contra a classe trabalhadora nos próprios países europeus. A direita europeia se apresenta como anti-imigração e eurocética, pois seria a União Européia a responsável por uma política frouxa de migração(sic).
 Como a UE já conta com desprezo do povo, devido aos programas de austeridade fiscal acima relatados, temos uma perfeita confusão que é ampliada pela docilidade dos partidos de esquerda, que somente agora começam a ensaiar a defesa dos direitos nacionais democráticos contra a Troika européia. A confusão tanto na esquerda tradicional quanto na pós-moderna esquerda altermundialista é ainda muito grande e não começou hoje. 
Partidos tradicionais tem apoiado reiteradamente as atividade de guerra pró-imperialista. PS Francês, Labour britânico e SPD alemão são os campeões dessa política, levando a crises, deslocamentos e resistência interna nestes partidos. O PSOE espanhol, por exemplo, tem posição contra Maduro. As dificuldades de levar a frente uma política de unidade anti-imperialista são reais na Europa, o que acaba se constituindo num ingrediante a mais na escalada de guerra. Neste caso, o ingrediente é a confusão política que se formou na polarização que a extrema direita tenta imprimir a questão da União Européia, levando os setores que querem resistir ao obscurantismo xenófobo a acabarem se alinhando com a defesa da UE, que avança na destruição das conquistas democráticas do povo europeu. 
 A guerra imperialista que se prepara tem a ação consciente da turma Trump-Bannon para ganhar aliados em sua guerra econômica no sentido de impedir que a UE continue na idéia de construir seu exército pan-europeu. É um relançamento da economia de armas que está colocada com a tentativa de submissão dos países europeus ao imperialismo mais poderoso. Esta submissão, que já se serviu da UE por muitas vezes, precisa de níveis mais altos ainda de alinhamento, ao ponto que a própria UE passa a ser um empecilho. Neste mesmo sentido está a ação de Trump ao lado de Theresa May incentivando o BREXIT e prometendo um acordo "fenomenal" com a Grâ-Bretanha. O imperialismo mudou de estratégia na Europa, mas nem por isso a UE passou a ser benéfica aos trabalhadores. 
Longe de teorias conspiratórias, a reunião do conhecido grupo "secreto" Bilderberg que aconteceu na Suiça imediatamente após as eleições européias tendo como um dos temas a ser discutido o uso das redes sociais como armas de guerra acende um alerta sobre as táticas imperialistas que já estão sendo usadas para dividir o povo e os trabalhadores e assim garantirem seu poder.

A linha da auto-defesa também está na ordem do dia na Europa

  A União Européia, assim como todas as instituições imperialistas, passou toda a década passada até a crise de 2008, tendo como paradigma da relação com os sindicatos a chamada democracia participativa.  Essa tática foi bem sucedida do ponto de vista da UE, pois fragilizou os sindicatos. Apesar de todos os planos austeridade da Troika, a Confederação Europeia dos Sindicatos(CES) tem manifestado reiterado apoio a UE, reinvindicando uma "Europa Social". Esse jargão é tipico dos sindicalistas altermundialistas. A idéia é colocar um sinal de igual entre União Européia, uma instituição do imperialismo, e Europa como continente. Essa confusão conceitual revela uma falta de independência no  sindicalismo europeu, que faz avançar elementos de uma crise de representatividade, pois os sindicatos não consequem combater de forma potente e unificada a Troika. Mas isso não quer dizer que não exista resistência. Mesmo num quadro limitado, a resistência aparece. Sindicalistas e líderes populares possuem base social e precisam prestar contas de seus mandatos, e, por mais envolvidos que estejam na trama das instituições da UE, não podem  romper os laços com as bases, inclusive porque em caso de rompimento com as suas bases esses sindicalistas também perdem valor para a própria UE, deixando de ser capazes de frear as mobilizações populares.  
O que começa a se delinear no atual momento é que a "democracia partipativa" como paradigma do imperialismo como válvula de escape para a insatisfação popular com a austeridade orçamentária já cumpriu o seu papel. A mudança de qualidade na situação econômica e política mundial leva a utilização de novas estratégias para lidar com a resistência popular. Para além de toda já conhecida brutalidade utilizada em tempos de guerra, como repressão polícial e ofensiva para fechamento de sindicatos (que estão na ordem do dia), os métodos pós 11 de setembro formulados pelo Departamento de Defesa dos EUA avança para a sofisticação da interpretação de leis com o objetivo de utilizá-la como armas de guerra, assim como a industrialização da produção de "fake news". E o alvo são justamente lideranças populares que expressam a resistência popular, mesmo que limitada.  
Um exemplo, na Europa, é Melenchon.  Melenchon está sendo acusado de desviar verbas do Parlamento Europeu e teve sua casa e escritórios invadidos pela polícia.  Independente das críticas que tenhamos à política altermundialista defendida por ele, avaliando que a integração às instituições da UE ajudou a docilizar a resistência ao imperialismo desarmando o conjunto do movimento operário para o momento que se abre hoje, é impossível não constatar que Melenchon é hoje um perseguido político do sistema. Consciência que ele mesmo parece ter quando convoca na França um ato em defesa de Lula, mostrando que os dois casos estão relacionados. 
Nosso blog, lançado recentemente, se coloca incondicionalmente do lado de todos os perseguidos políticos pelo Imperialismo, independente da profundidade das divergências políticas que tenhamos com eles. De nossa parte isso é coerente com uma ciência da revolução que atualiza o chamado de Marx pela unidade dos proletários que são a maioria do planeta. "Ninguém fica para trás" é a última linha de auto-defesa em tempos de guerra. 

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