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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

★ Automação e Revolução, Pierre Lambert (extratos)

  Neste primeiro de maio, o blog Ciência & Revolução presta uma homenagem a Pierre Lambert, publicando uma parte de uma apostila escrita por ele acerca do papel da automação no capitalismo. A publicação deste texto, de 1966, no atual momento guarda muitos significados. Dentre eles, destacamos uma justa e merecida homenagem a este pouco conhecido militante (e teórico) marxista que combateu as tendências revisionistas do marxismo na ação concreta. Mas seria contraditória uma homenagem a Lambert que não pudesse ser um ponto de apoio aos trabalhadores que historicamente buscam entender as contradições do sistema para melhor se prepararem para enfrentá-lo. Sobre isso, o texto de Lambert é uma verdadeira ajuda pois analisa as condições concretas da exploração onde ela se dá, na vida dos trabalhadores.

 Este lugar de abordagem dos problemas não é neutro no debate teórico que Lambert trava contra aqueles que buscavam revisar as premissas do Programa de Transição (escrito por Trotski em 1938 como programa de fundação da IV Internacional) sobre a estagnação das forças produtivas. As posições de Ernest Mandel e outros seguidores de Michel Pablo, defendendo uma terceira época para o capitalismo, um suposto capitalismo tardio (ou mais modernamente, neoliberal) tinham se disseminado no movimento operário e contava com defensores no comando dos Partidos Comunistas ligados a III Internacional. O texto de Lambert, dirigido aos trabalhadores, tira o diálogo do terreno de teorias sobre o capitalismo e o trás para a vida concreta daqueles que sofrem com a exploração que, ao invés de diminuir com o avanço da técnica, são confrontados com novos problemas na luta de classes. O efeito que causa ler um texto do início da expansão das máquinas eletrônicas na produção de mercadorias não nos permitiria, tão pouco, avaliar que os problemas que a apropriação da técnica a serviço dos interesses do Capital tenham se modificado essencialmente. Ao contrário, o que se vê hoje são novos efeitos, mais sofisticados, como o deslocamento de unidades de produção (não mais entre regiões num mesmo país onde a mão-de-obra é mais barata, como cita o texto) para outros países cuja legislação permite a super-exploração da mão-de-obra. E nem no efeito do uso da técnica para o aumento da produtividade sobre os aspectos psíquicos dos trabalhadores, os que continuam empregados, as coisas melhoraram. Ao contrário, o uso das ferramentas eletrônicas de controle da produtividade tem acarretado um sem número de doenças emocionais, que o sistema de conjunto tenta amenizar produzindo cada vez mais medicamentos para tratar os sintomas, e, assim, tentar impedir seu impacto na produtividade. E é disto também que se trata a automação capitalista: o aumento da produtividade do capital variável, e, portanto, da mais-valia. 
   O mito de que o capitalismo teria, por seus próprios meios e avanços tecnológicos, sido capaz de desenvolver as forças produtivas nega a teoria marxista que, desde Lenin, já tinha constatado que o capitalismo, uma vez o mercado mundial conquistado, tinha entrado em sua fase Imperialista, não oferecendo mais nenhum futuro a humanidade pois lançava-a num cortejo de guerras sem fim. O que a vida comprova. Não obstante, estas idéias (revisionistas) tem se reiventado desde que começaram a ser formuladas. Na década de 80, tiveram um novo 'boom' com as teorias de que o capitalismo teria atingido, através do uso da automação industrial, as condições de acabar com o trabalho alienado.  A idéia, infelizmente, ainda atual, de que a luta de classes estaria superada como contradição fundamental no sistema capitalista encontra na teorização de um novo capitalismo que poderia se expandir novamente suas premissas teóricas. Mas a vida é maior do que os erros teóricos sejam eles voluntários ou involuntários. A fantasia de que o capitalismo poderia prescindir de operários porque as máquinas poderiam substituir completamente a mão-de-obra industrial se mostrou impossível nos fatos, como demonstra a enorme produção de mercadorias realizada em condições escravagistas como, por exemplo, na China. O sistema capitalista sem operários poderia produzir uma mercadoria e vendê-la mais caro do que seu preço de produção, mas não poderia garantir a riqueza dos capitalistas (se pudesse, eles o fariam!), que se baseia na exploração do trabalho, de forma que, nos fatos, tanto a exploração quanto a pressão pela produtividade aumentam sobre os trabalhadores assalariados, cada vez mais precarizados (sem direitos e garantia de emprego), e isso acontece nas empresas mais modernas ou mecanizadas com poucos empregados, como também nas mais atrasadas e as com maior número de assalariados. 
   Ao escrever um texto que se baseia nas consequências da automação sobre a vida real dos trabalhadores e da juventude, Lambert tira o foco do debate que se realizava entre setores médios e intelectuais da sociedade, que ao tirarem a centralidade da classe operária no "novo" momento do capitalismo estariam justificando sua própria liderança nos processos revolucionários "anti-capitalistas". Até hoje este é um debate atual, o que, em parte, ajuda a entender o atraso da revolução. No atual momento, os revisionistas sequer podem explicar, de conjunto, a longa crise de decomposição do sistema que leva as últimas três gerações nos países desenvolvidos estarem perdendo poder aquisitivo e leva ao próprio FMI prevêr uma desaceleração ainda maior, o que torna o mundo palco de uma verdadeira escalada  de guerra.

   O capitalismo não vive uma nova fase de expansão, ou uma fase nova concorrencial liberal, o que existe é apenas o imperialismo, caracterizado pelos monopólios e pela fusão entre capital financeiro e industrial, que pode, também, ser definido como  etapa superior do capitalismo - época das guerras e revoluções - como dizia Lenin. O liberalismo, por sua vez, foi uma fase de expansão do capitalismo, fase da livre concorrência, cujo fim levou a primeira guerra mundial. Neste sentido, o uso da expressão "neo-liberalismo" dá margem teórica para postular o atual momento como uma nova fase de desenvolvimento das forças produtivas.  Aqui devemos fazer uma precisão teórica: Muitas pessoas identificam como neoliberalismo a aplicação de políticas econômicas associadas a manutenção do tripé macroeconômico.  O tripé macroeconômico consiste em câmbio flutuante, meta de inflação e meta fiscal. Em particular, a meta fiscal leva a privatizações e diminuição do investimento estatal em áreas sociais, o que confere a falsa impressão de que o Estado estaria se retirando da economia. Evidentemente que a classe operária só pode se opor a isso, mas nada mais falso do que achar que, com isso, o Estado estaria deixando de intervir na economia e prova disso é o aumento do orçamento do aparato repressor estatal e mesmo o aumento da economia de guerra que serve aos interesses (econômicos) dos capitalistas. 
   Os marxistas entendem que o capitalismo teve uma fase de expansão, dita liberal, onde novos mercados eram conquistados. Mas o próprio Marx, no tomo 3 do capital, terminado por Engels, prevê o fim desta expansão e o início de uma economia globalizada. Na época concorrencial, a burguesia tinha outras variáveis que não o valor da mão-de-obra para fazer seus ajustes e o capitalismo ainda poderia ser tratado como um sistema que se desenvolvia. Essa foi a época em que a classe operária começou a se organizar para arrancar direitos, em especial na Europa, onde foram constituídos os chamados partidos sociais democratas, posteriormente definidos como reformistas - que acabaram, às vésperas da I Guerra Mundial, capitulando na luta contra a guerra imperialista. Após a segunda grande guerra, a luta por reformas teve razoável sucesso, apoiada, de um lado na força da classe operária que lutava pelo seu direito de auto-organização destruído durante as guerras e, de outro, no temor dos governos capitalistas de plantão que este movimento de reconstrução transbordasse e, seguindo o exemplo dos trabalhadores da URSS, se transformasse num movimento revolucionário internacional. Mas nem mesmo a expansão limitada que se viu no pós-guerra pode ser considerada uma expansão global do sistema, uma vez que se baseava na destruição promovida durante a guerra. Ao não considerarem as contradições econômicas do sistema, acreditando ser possível um capitalismo que assegurasse permanentemente reformas progressivas, tanto os reformistas clássicos quanto os neo-reformistas desarmaram o conjunto da classe para entender o momento atual, no qual todas as reformas conquistadas estão sendo questionadas pelo sistema. 
     A solução que Lambert ofereceu aos problemas teóricos em sua época não foi tentar convencer os intelectuais de seu erro, mas explicar aos trabalhadores a raíz do sofrimento de seu corpo. Um mesmo método que, aplicado, hoje, significaria priorizar restituir a voz operária no diálogo entre os oprimidos do sistema para ajudar a  transbordar as lutas parciais em defesa daquilo que já tinha sido conquistado pelos reformistas e que está sendo destruído pelo sistema em crise, se tornando uma ajuda para que a classe trabalhadora, em seu próprio movimento, passo a passo, com acertos e erros, possa compreender a necessidade de superação, de conjunto, do regime da propriedade privada dos meios de produção.
     O texto que publicamos a seguir foi escrito em meio ao que hoje em dia costuma se chamar de terceira revolução industrial, mas tem enorme atualidade no momento em que entusiastas do desenvolvimento tardio do capitalismo divulgam uma quarta revolução industrial. Trotsky, no Programa de Transição, muito antes disso, dizia que 'A premissa econômica da revolução proletária já alcançou há muito o ponto mais elevado que possa ser atingido sob o capitalismo. As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos  não conduzem mais a um crescimento da riqueza material. As crises conjunturais, nas condições da crise social de todo o sistema capitalista, sobrecarregam as massas de privações e sofrimentos cada vez maiores. O crescimento do desemprego aprofunda, por sua vez, a crise financeira do Estado e mina os sistemas monetários estremecidos. Os governos, tanto democráticos quanto fascistas, vão de uma bancarrota a outra.'. Recuperar essa perspectiva, que pode ser comprovada pelos fatos, em um momento em que a fome e os deslocamentos humanos atingem milhões, sem perspectiva de melhora, pode trazer um pouco de luz ao obscurantismo que se abate sobre o mundo.  Neste quadro, retormar as origens do desemprego e da miséria no mundo são parte do processo de superação do problema.        O debate que Lambert introduz nessa apostila, apesar dos fatos não serem mais atuais, está longe de datado, tanto por suas raízes teóricas, quanto por seu método, que demonstra ao mesmo tempo confiança na capacidade humana de superar problemas através da ciência e da técnica e confiança na capacidade da classe trabalhadora e da juventude, ao lutarem contra os efeitos do uso desta técnica pelos capitalistas, se chocarem com a apropriação das avanços técnicos por um sistema no qual as máquinas não podem estar senão à serviço da destruição das condições de vida da maioria oprimida do planeta. Para não alongar ainda mais este texto, suprimimos a parte final da apostila, na qual ele aborda a automação na França. Consideramos a parte que apresentamos aos leitores suficiente para familializarem-se com o método deste operário marxista cuja trajetória e a profundidade das reflexões sobre problemas concretos, inclusive seus próprios erros, a história ainda não fez jus.
Pierre Lambert
O lugar da automação na evolução técnica do capitalismo
 ''A introdução da automação obriga os marxistas a escrever um capítulo suplementar do Livro 1 de O Capital, que viria a se juntar ao que Marx escreveu a respeito da cooperação, da manufatura, do maquinismo e da grande indústria. Porque a automação constitui a última etapa no longo processo de desenvolvimento da técnica comandado pela revolução capitalista e da qual é preciso começar por relembrar as etapas principais.
  Depois de ter reunido os artesãos sob um mesmo teto para fazê-los trabalhar lado a lado, sem modificar a sua forma de produzir (cooperação simples), o capitalismo promoveu a redução do trabalho de cada operário à execução de uma única limitada tarefa. Esse foi o papel da manufatura, que preparou a via da mecanização, reduzindo o número de artesãos, antes aptos à produção completa de um objeto completo, a nada mais que participantes de uma etapa da produção. Na fase seguinte, assistimos à progressiva substituição do homem pela máquina, o que encontra a sua mais alta expressão na automação.
  Na base da grande indústria encontra-se a máquina-ferramenta, que se define segundo Marx "como um mecanismo que tendo recebido o movimento conveniente, executa com seus intrumentos as mesmas operações que o trabalhador executava antes com instrumentos análogos".  Numa fábrica moderna, "a cooperação pela divisão do trabalho, que caracteriza a manufatura, reaparece como uma combinação de máquinas que realizam operações parciais, com objeto do trabalho percorrendo sucessivamente uma série de operações executadas por uma cadeia de máquinas ferramentas diferentes ".
  Essa é a primeira descrição científica da cadeia de produção destinada a conhecer seu pleno desenvolvimento no século XX. Aqui o operário aparece como subordinado daí em diante à máquina. "A especialidade que consistia em manusear durante toda a vida uma ferramenta de uma parte parcial da produção torna-se a especialidade de servir a vida inteiria à uma máquina que realiza tarefas de produção". O operário deve se dobrar às exigências da máquina, seguir o movimento de um autômato que se ergue como força independente diante dele e que encontra na "fraqueza do corpo e na força de vontade de seus auxiliares humanos" uma barreira natural, que o Capital não deixa nunca de tentar ultrapassar. É o que está em vias de ocorrer por meio da introdução das máquinas eletrônicas no funcionamento das cadeias de produção, pois tais maquinas permitem a substituição dos operários que serviam as máquinas-ferramentas por servomecânismos (palavra usada na época para designar os antecessores da programação) capazes de realizar, em seu lugar, gestos que constituiam o conteúdo essêncial de sua tarefa.  Em sua essência, a automação consiste em fazer executar uma operação determinada por uma máquina previamente regulada ou programada que corrige, ela própria, os erros de funcionamento. Uma máquina automatizada, portanto, é capaz de armazenar informações, interpretá-las, deduzir instruções e assegurar a execução.
  Essa evolução técnica se insere, ela própria, no quadro do processo contraditório do desenvolvimento capitalista. A automação apresenta para a burguesia problemas que ela não pode resolver, porque ela vai colocar brutalmente a nu as contradições do sistema social atual, sabotando as bases da mais-valia e se chocando com os limites de um mercado mundial exíguo.
  Verificação da constatação revolucionária do programa da IV Internacional, as forças produtivas despencam no quadro da propriedade privada. A incapacidade do capitalismo de se subordinar ao desenvolvimento da técnica no quadro de seu próprio sistema é o fundamento objetivo da perspectiva da revolução proletária.
  Limitemo-nos a indicar as maneiras pelas quais essa técnica, potencialmente progressiva, apresenta-se hoje como uma arma de guerra nas mãos da burguesia.

  A desqualificação profissional e o desemprego permanente
   A introdução da automação traz consigo, de início, a ameaça precisa do pior tipo de desemprego que um operário pode conhecer, que esta ligado à desqualificação. O que está em questão, aqui, com efeito, não é o desemprego ligado ás crises periódicas do capitalismo, mas aquele que nasce da desaparição pura e simples da especialidade aprendida pelo operário na época de sua formação profissional.
  Um relatório recente da OCDE resume a experiência estadunidense observando que "a automação golpeia inicialmente os operários pertencentes às camadas médias e inferiores da escala contratual, pois são as tarefas mais simples , ligadas à produção de massa, que são as mais fáceis de automatizar e que oferecem as melhores perspectivas de rebaixamento dos custos" .
  Para fornecer uma ordem de grandeza à amplitude do fenômeno, citemos um relatório da ONU que estimava que, na indústria do petróleo, 12 eram suficientes para fazer funcionar uma refinaria média que antes da automação empregava 800. Na indústria automobilística permite a 200 operários produzirem diariamente 4 mil veículos, enquanto os processos clássicos exigiriam,  ainda hoje,1800. Mas automação não limita seus efeitos a essas categorias de trabalhadores. O estudo que  publicamos demonstra que todas as categorias, incluindo os operários mais  qualificados, e inclusive a parcela inferior dos quadros gerenciais, são empurrados para o processo de desqualificação.

As consequências da automação 
   Será um erro estimar que os efeitos da automação limitam-se unicamente a uma certa categoria de trabalho, o trabalho industrial. De fato, todas as categorias de empregados-trabalhadores manuais, trabalhadores de escritório, altos quadros, todos serão diretamente afetados . 
  Estudo publicado pela revista da embaixada dos EUA na França 'Informações e Documentos (15 de novembro de 1964)', mostra que as consequências do estabelecimento da automação estão presentes em uma série de profissões: "O inimigo dos tipógrafos é o aparelho eletrônico que aciona o teclado das máquinas impressoras modernas. Esse aparelho pode reduzir em dois terços o efetivo de um ateliê de impressão. "
  Nos EUA, foram contados no inico de 1964, 17 mil locais com computadares, sendo que o governo utiliza 1250 em seus trabalhos. Resultado: ''A adminsitração dos antigos combatentes dos EUA recorreu a máquinas de calcular com o único fim de eliminar 14000 de seus 17000 funcionários.  Uma companhia de transporte aéreos dotou seus escritórios de um sistema único de computadores para monitorar o estado do tráfego, registar os lugares dos passageiros e até lembrar aos empregados mais distraídos de confirmar o número de telefone de seus clientes ''.  No telecentro das fábricas Westinghouse, dois computadores Univag controlam 360 escritórios, fabricas e entrepostos e asseguram, eles próprios a contabilidade. Esses dois computadores repassam os pedidos e controlam automaticamente os estoques, dando ordens às fabricas da companhia. Minuto por minuto, a memória eletrônica controla toda a marcha da empresa.
  O computador eletrônico, por meio de um procedimento dito de simulação assumiu não somente o trabalho dos mais qualificados, mas igualmente o dos técnicos e quadros administrativos. "Em vez de construir fábricas-piloto, elas são simplesmente simuladas por um computador. A metalurgia Jones Lang simula o funcionamento de um novo auto-forno para estimar o seu comportamento; 30 horas de funcionamento podem ser simulados pelo computador em 30 segundos ."
   Não podendo citar os inúmeros exemplos publicados neste estudo contentamo-nos em assinalar a constatação das evidências a respeito. "Fica cada vez mais evidente que a automação não afeta somente a maioria trabalhadora não qualificada ou semi-qualificada. De fato, ela já esta se introduzindo nos setores mais elevados da hierarquia do trabalho e do comércio".
  John Snyder, presidente da US Industry Inc., um dos pioneiros da automação, construtor de computadores e robôs indutriais, não hesita em afirmar: "É inteiramente possível que chegue um dia em que as máquinas farão de tudo e produzirão a quase totalidade das mercadorias e serviços, incluindo tomada de decisões"
   Mas, na hierarquia do trabalho, os que são chamados a tomar as 'decisões' são os quadros em todos os escalões, o que abre a perspectiva, desde já em andamento, de desqualificação destes quadros.
   Os bajuladores interessados no neocapitalismo, que se multiplicam em todos os setores de opinião à ''direita'' e à ''esquerda'', como o professor de Sorbonne Raymond Aron (filósofo, sociólogo e editorialista francês, membro de partido de DeGaulle e antimarxista convicto) - que sabe o que fala- e e os ignorantes não menos interessados do tipo Mallet (Sociólogo, antigo membro do Partido Comunista Francês), nos profetizam que o capitalismo, havendo superado suas contradições, levou a caducar os ensinamentos de Marx. Não está evidente que o "proletariado" tende a desaparecer  em benefício de uma ascensão na hierarquia social dos proletários de colarinho branco? Qual será o futuro dos trabalhadores do ''setor terciário''?  
"De fato,  a automação começa a produzir seus efeitos sobre o grupo dos 'colarinhos brancos '. Ela não parece poupar quem quer que seja. Pode-se pensar, não sem otimismo , que o setor de serviços, sempre em expansão absorverá o excedente da mão-de-obra. Mas é necessário levar em conta a expansão rápida, sempre pronta a preencher as inumeráveis funções confiadas a cada setor da distruição ... Há algum tempo, a Macy's, maior magazine de Nova York, experimentou uma máquina que vendia 37 roupas diferentes, apresentadas cada uma em 10 tamanhos. A máquina aceitava pagamentos por cartões de banco ou dinheiro e devolvia o troco, não sem revelar as tentativas de fraudes". Nenhum setor do trabalho está ao abrigo das consequências nefastas da automação, enquanto essa etapa sensacional da técnica ficar sob controle do capital. Serão atingidos tanto os operários industriais quanto os funcionários de escritório, os servidores públicos e os trabalhadores dos correios e das ferrovias. " Um computador da General Eletric, em construção, permitirá aos trens circularem a 130 km/h em intervalos não superiores a 90 segundos. O computador permite movimentar, controlar as distâncias e pôr em funcionamento todas as funções de controle".
  Todas as categorias de trabalho: operário não qualificados; operários qualificados; gerentes; empregados em todos os níveis,  sofrerão o efeitos da automação se, repetimos, a aplicação dos procedimetos da técnica mais moderna continuarem à disposição do capital.
" Refuto o mito, declarou Jonh Snyder, segundo o qual as vítimas da automação podem ser requalificadas e encontrar um novo emprego que exija melhor formação, com melhor remuneração. Muitos trabalhadores não podem ser requalificados por causa de sua idade ou mesmo de suas formações profissionais. Além do mais , não se pode requalificar pessoa contra a sua vontade, como não se podem criar empregos num passe de mágica" 
  E a conclusão surge brutalmente, clara, atirada sobre a cabeça dos trabalhadores de todas as categorias, da juventude trabalhadora e intelectual."Seria necessário criar, de hoje até hoje até 1970, 36,5 milhões de novos empregos: o crescimento demográfico produzirá 12,5 milhões de jovens  para o trabalho, enquanto o aumento da produtividade do trabalhador eliminará, principalmente por causa da automação, 24 milhões de empregos".
   Essa estimativa foi feita considerando o nível que a automação chegou, mas não parou. Os computadores são atualmente alugados. Até o ano de 1955-1956, um computador clássico era alugado por 20 mil a 30 mil dólares ao mês (ou seja, de 10 a 15 milhões de  francos antigos ).   Atualmente é alugado por 2 mil a 3 mil dólares por mês (ou seja, de 1 a 1,5 milhões de francos antigos).  Em 1966-1967, estima-se que a locação mensal no mercado de computadores não vai passar de 150 a 350 dolares (75 mil a 175 mil francos ). As necesidades da concorrência conduzirão inexoravelmente ao uso de computadores.

A juventude, primeira vítima

   O estudo que editamos, relativo aos efeitos da automação nas industrias Renault, seria suficiente para provar que esse sistema não é especificamente estadounidense. De forma limitada, mas não menos real, o que se desenvolve na fortaleza do imperialismo mundial, centro da "civilização capitalista", os EUA, permite revelar mais claramente, junto às demais nações capitalistas, tendências que já não podem mais ser ocultadas. Um estudo consagrado ao desemprego dos jovens foi publicado pela revista do grande banco estadounidense First Nacional City Bank of New York (janeiro de 1965), constatando que a taxa de desemprego da população ativa variou entre 5,4% no primeiro semestre e 5% no segundo semestre, o presidente dos Estados Unidos, Lyndon Jonhson, em discurso pronunciado diante do Business Council (dezembro de 1964), assinalou: "A taxa de desemprego dos jovens entre 13 e 19 anos é quase três vezes mais elevada, 14,5%. Para os jovens que não são de raça branca esta taxa atinge inacreditaveis 30%!. Esta taxa ´inacreditável´ de desemprego dos jovens sofrerá aceleração ano após ano. Os magnatas dos bancos buscam explicar o fato: de lado a questão de se o desejo de trabalhar e o estímulo pelo trabalho são ou não satisfatórias, resta o fato de que parcela siginficativa de desempregados possui uma formação profissional muito deficiente e que não sabem ler e escrever o suficiente para que os empregadores aceitem incluí-los em suas folhas de pagamento".  Toda a filosofia do patronato está aqui concentrada 'deixando de lado' a concepção do patrão estadunidense (ou francês) de que o desempregado é sempre um 'vagabundo', é preciso admitir que as condições do trabalho desqualificado estão criando nos países mais civilizados um novo ''analfabetismo''. De fato, nos EUA , a taxa de jovens  quase iletrados, que após deixarem a escola primária, chegam aos 25-30 anos sem jamais terem conseguido um emprego cresce consideravemelmente. Uma escolaridade adaptada que assegure a formação de operários qualificados torna-se indispensável. O Exército de reserva de desempregados quase permanentes, a massa de subqualificados, exige 'conhecimentos' quase nulos. É necessário saber ler e escrever quando o  o computador é capaz de resolver todos os problemas? Mas a persistência de um desemprego permanente e parcial da ordem de alguns milhões de trabalhadores, no entanto, gera consideráveis problemas sociais. Esses milhões de jovens sem emprego escondem um potencial de revolta do qual a burguesia tem plena consciência. Os magnatas do capital, no entanto, encontraram uma solução. Qual? A revista bancária nos mostra: "No contexto da 'campanha contra a miséria ', centro de formação profissional para jovens desempregados organizam-se em instalações militares e deles participa certo número de chefes de grandes empresas. Outros centros de jovens estão ainda sendo criados nas principais cidades, afim de complementarem a formação profissional, oferecendo oportunidades de trabalho em tempo parcial"  
   Na aurora do capitalismo, no período chamado de acumulação primitiva, visando dispor de uma massa de mão-de-obra barata, a burguesia confinava os trabalhadores em 'casas de trabalho'. Condenados a um verdadeiro trabalho forçado em troca de um pedaço de pão, os trabalhadores preferiam qualquer coisa a terem de permanecer nesses campos de trabalho forçados . "Qualquer coisa" significa dizer que aceitavam em troca de baixos salários, sem garantias nem direitos, vender 'livremente' sua força de trabalho aos patrões!  Os trabalhadores lutaram, conquistaram direitos, garantias, a jornada de trabalho de 8 horas diárias. Em todos os países foram centenas, milhares de combatentes operários, intelectuais, jovens operários e estudantes a caírem nas frentes de luta de classes. Nessas batalhas, os operários e as camadas de intelectuais que se colocaram a serviço do proletariado, fizeram progredir a cultura e a civilização.                
   Hoje, o capitalismo decadente, no impasse, deixa como única saída aos jovens os 'campos de trabalho' que perimitem ao patrão dispor de uma mão-de-obra barata. "Vale ressaltar", escreve-se nesse estudo , "que apesar do inchaço recente das folhas de pagamento nas indústrias de transformação, o nível de emprego para os trabalhadores produtivos está bem  bem abaixo dos níveis existentes por volta de 1955. Os sindicatos operários fortemente organizados conseguiram um aumento contínuo de salários e vantagens suplementares. Obrigaram, portanto, os dirigentes das indústrias a aumentarem a automação, afim de contrabalançar os pesados encargos sociais. "      A direção geral do escritório central da previdência social da região parisience confirma completamente que "o objetivo da automação é reduzir o custo da produção".  "Reduzir o custo da produção" significa diminuir a fração do capital embutida nos salários para aumentar a mais-valia, a taxa de exploração do trabalho. Diminuir a fração do capital embutida nos salários para aumentar a produtividade e o rendimento, lançando no desemprego, os jovens e os trabalhadores "excedentes"- esse é o programa do Capital em todos os países.    
  Desde já, compreendemos que, para a burguesia e seu Estado, a cultura e o ensino devem ser desvalorizados. Para disciplinar a juventude, sob controle dos militares e dos chefes de empresa, a educação dos jovens deve ficar a cargo dos computadores. Esse computador, o Class, já foi construído nos Estados Unidos: "Ele permitirá acelerar o processo de educação e remediar a falta de educadores. Esse computador ocupa-se individualmente de cada aluno. Fornece-lhe todo o conhecimento necessário, questiona, registra suas respostas e o conduz, passo a passo, em seu próprio ritmo pelo programa completo. O Class faz, inclusive, um relatório detalhado do comportamento do aluno."                                                                                                                                                                                                            
   O motor da produção, em regime capitalista é o lucro obtido com a venda das mercadorias (no mercado).  Os capitalistas, em concorrência entre eles, esforçam-se por ampliar sua posição no mercado. Tudo se resume à exploração do trabalho, ou seja, ao crescimento da mais-valia, fonte dos investimentos e do lucro.  Os investimentos de capitais são direcionados aos países com baixos salários. Mas o sistema de relações sociais nos países considerados sub-desenvolvidos, nos quais a imensa maioria da população é submetida a uma relação de caráter semi-servil, não permite o surgimento de um poder de compra capaz de absorver um volume de mercadorias e de capitais em crescimento contínuo nos países imperialistas. Isso explica porque assistimos, em detrimento da multiplicidade de conferências e discursos consagrados a "ajudar países subdesenvolvidos", os capitais serem, cada vez mais, direcionados para os países capitalistas desenvolvidos.
    Este fenômeno também é visível no interior de um país capitalista desenvolvido. O investimento de capitais visando ao lucro pressupõe a busca por baixos salários. Não existe outra explicação para o mecanismo de transferência de empresas das regiões industriais com forte concentração operária para regiões ditas subequipadas, nas quais a mão-de-obra é mais barata. Direcionar os trabalhadores para regiões com baixos salários, eis o objetivo velado, por exemplo, do quinto plano na França, que pretende assegurar, voluntariamente ou a força, uma mobilidade da mão-de-obra. Voluntariamente, ou através de coação, como no caso dos mineiros da Decazeville - onde as minas foram fechadas -, dos metalúrgicos de Forges e dos artesãos do Mediterrâneo, levados a abandonar suas casas, hábitos e salários para fazer parte da massa de mão-de-obra móvel, que aceita qualquer coisa em troca de um pedaço de pão, o processo está em marcha.
   Num relatório endereçado ao presidente Kennedy, em 1962, a comissão consultiva das relações Patrões-Assalariados destaca que a automação ''exige mobilidade de mão-de-obra, mas essa fica prejudicada pela rejeição de deixar a residência. Entretanto, as relações pessoais, o trabalho de alguns membros da família, os custos da mudança, as perda eventuais e a insegurança numa nova localidade são, de fato, motivo para isso" (Problemas Econômicos, 30 de outubro de 1962)          
    Para o patronato, os jovens assim, como para o Shylock de Shakespeare, são um objeto de cobiça: "Tendo pouca responsabilidade, escreve a revista bancária, e sentindo se menos vinculados ao lar ou a um emprego de longa data, o jovens podem fornecer à população ativa essa mobilidade e essa adaptabilidade tão necessárias".                                                                                                                                                                                                                                                                                   O caráter de classe da automação
     Não há duvidas de que o cérebro eletrônico é infinitamente mais capaz que o cérebro humano para determinadas funções. A automação é a prova viva de que o gênio humano, ao realizar seu controle sobre todas as forças da técnica, fruto de seu trabalho, permite liberar o homem das pressões econômicas e sociais e, dessa forma, dominar a natureza e sua própria natureza social. O espírito fica confuso diante de tudo que a era do progresso, iniciada com a introdução do trabalho inteiramente automatizado, pode ocultar. A liberação/libertação do homem da servidão da exploração; as possibilidades extraordinárias de desenvolvimento cultural e o avanço da civilização aparecem como realidades bem próximas. Mas os processos de trabalho automatizados estarem atualmente sob controle do capital tem resultados opostos.  As consequências da automação para os trabalhadores são apontadas por um relatório da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econônico). Operários, técnicos e gerentes levaram uma vida para adquirirem sua especialização. Agora, encontrarão muita dificuldade para se adaptar as modificações brutais do mercado de trabalho e serão reduzidos a uma vida  miserável. Seus filhos também serão duramente afetados. A automação destruiu as antigas especialidades. É possivel que uma minoria de analistas e programadores e de técnicos em eletrônica vejam sua condição melhorar, mas a maioria oprimida dos trabalhadores de todas as categorias assistirão sua sorte se deteriorar e seu futuro se fechar.
    As máquinas eletrônicas poderiam livrar mestres e alunos do trabalho necessário à assimilação dos hoje necessários conhecimentos de base, permitindo o florescimento da época de uma verdadeira elevação cultural geral. Mas, nas mãos do capital, o ensino automatizado será usado para segmentar ainda mais o conhecimento e ensinar ao trabalhador apenas os movimentos indispensáveis à produção das mercadorias, ou seja, à obtenção do lucro. O surgimemento da automação deve introduzir profundas modificações na organização do trabalho e nas relações que se estabelecem na indústria entre o capital e o operário. A indústria automatizada não pode tolerar conflitos trabalhistas, pois qualquer interrupção na produção acarreta consideráveis perdas para o capital. Se este se encontra aparentemente numa situação bastante vunerável, visto que uma greve de um pequeno grupo de homens é suficiente para imobilizar tudo, a própria natureza da produção lhe oferece uma série de vantagens para criar a disciplina totalitária indispensável ao bom funcionamento da indústria. Não se encontra mais diante de uma vasta concentração operária; necessita apenas de um número reduzido de operários desqualificados, trabalhando de maneira isolada, em condições psicológicas e mentais extremamente penosas. A automação dá, assim, um novo passo rumo à degradação do trabalho. O trabalhador tem apenas que monitorar alguns botões e monitores sobre uma placa luminosa. Esse trabalho é realizado em salas de controle isoladas e demanda uma tensão nervosa extrema, que provoca no operário uma "debilidade intelectual e psíquica, irritabilidade, bem como outros disturbios funcionais análogos "(relatório da OCDE). Por meio da máquina eletrônica, a dominação do capital exerce sobre o operário uma pressão de poder extremo.








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