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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

Aquecimento Global e a destruição das forças produtivas

A burguesia mundial quer jogar nas costas da classe operária o ônus dos problemas que cria. Conquistas consagradas historicamente, inclusive na forma de convenções internacionais, como as da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que este ano completa 100 anos, estão em cheque. As leis que protegem trabalhadores e trabalhadoras do regime de trabalho escravista em todos os países do mundo tem estado sob ataque frequente nas últimas décadas. E é neste cenário que o problema da industrialização não planejada, sob a égide da anarquia do mercado, aparece como o principal inimigo a sobrevivência humana. A classe que trabalha não tem responsabilidade nenhuma sobre estes problemas. Ao contrário, livre dos parasitas, seu trabalho pode desenvolver a técnica em benefício da vida no planeta.


O problema das mudanças antropogênicas no meio-ambiente não é novo

O livro "Sapiens: uma breve história da humanidade" de Yuval Noah Harari aborda os impactos ambientais, para a existência humana, associados a primeira revolução agrícola e questiona se essa revolução gerou uma maior qualidade de vida para os indivíduos, embora tenha gerado certamente avanços para o conjunto da humanidade, permitindo  às famílias sustentarem  um número maior de indivíduos com a maior produção de alimentos. Os invernos e a fome não pareciam mais tão assustadores para os humanos. A revolução industrial teve impactos no meio-ambiente como exemplifica a evolução da mariposa negra de Manchester, gerada por mutação genética da mariposa branca e "naturalmente" selecionada por melhor se adaptar as cascas das arvores cheias de fuligem das chaminés das fábricas.

A obsolecência programada 

A industrialização, sob comando dos capitalistas, trouxe novos e maiores problemas ambientais. A crise de superprodução capitalista, na sua fase imperialista, trouxe problemas ambientais também sobredimensionados. Ao dominarem o mercado mundial os efeitos ambientais também passaram a ter impacto global. Os exemplos são incontáveis.
A acumulação de lixo é um dos fenômenos que evidencia a crise de superprodução capitalista. Existem atualmente três grandes ilhas de lixo em diferentes oceanos. A maior delas é a do Pacífico. Esses lixões são basicamente compostos por plástico. Existe outro tipo de lixo que também é preocupante, o chamado lixo eletrônico, que é gerado pelo descarte de componentes e dispositivos eletrônicos. Dados da Global E-Wast Monitor apontam que a geração de lixo eletrônico anual é atualmente da ordem de 40 milhões de toneladas, a previsão do orgão da ONU (Plataforma da Aceleração da Economia Circular e Coalizão das Nações Unidas sobre lixo eletronico) para o ano de 2050 é que a produção deste tipo de lixo chegue a 120 milhões de toneladas (aqui o relatório em pdf).
O problema do lixo eletrônico é fruto de uma medida consciente do sistema, a obsolescência programada, uma estratégia para aumentar o consumo de produtos cuja vida útil é limitada propositalmente, obrigando o consumidor a comprá-lo novamente, portanto renovando o mercado para o empresário. Obviamente os fabricantes negam essa prática, mas queremos registrar aqui três matérias no jornaEL PAIS sobre a questão. Do ponto de vista marxista, a obsolescência programada contorna a baixa tendencial da taxa de lucro, pois permite que o empresário tenha seu mercado renovado com a aposentadoria de um produto vendido, que precisa ser substituído.

O aquecimento global antropogênico

Apesar das monstruosas ilhas de lixo, não é este o pivô da crise ambiental de maior destaque atualmente. É o aquecimento global. (veja aqui nota técnica da FGV, aqui uma tese de doutorado sobre o ensino da temática ambiental nas escolas). Um recente relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de acompanhamento das mudanças climáticas, sigla em inglês) discute o uso da terra e seus impactos econômicos, assim como as emissões de CO2, o principal gás do efeito estufa. O grande vilão do efeito estufa  são as emissões de CO2 oriundas da queima de combustíveis fósseis. Para mitigar o efeito estufa, a diminuição das emissões de CO2 seria, então, uma necessidade.

A tese do aquecimento global antropogênico tem sido sustentada, não sem contestação(ver aqui),  pelos dados de monitoramento das relações entre o aumento de emissões e a temperatura global.

O economista José Tapia diz que crescimento econômico e emissões de CO2 são variáveis atreladas,  assumiremos esse tríplice atrelamento entre as variáveis crescimento econômico, temperatura do planeta e emissões de CO2 como hipótese verdadeira neste artigo. 


 Existe uma acusação aparentemente bastante fundamentada de que as burguesias das economias mais avançadas estariam lucrando com o aquecimento global  em detrimento das burguesias dos países atrasados. Assim o aquecimento global poderia ser uma arma na guerra comercial para limitar o crescimento de economias periféricas, vemos no gráfico abaixo o crescimento das principais economias e notamos que a China deu um salto no nível de emissões, ultrapassando de longe os EUA, que eram os antigos detentores da marca de maiores emissores de CO2.



Gráfico: Emissões em  Milhões de Toneladas de CO2 contra tempo em anos

O que corrobora a posição de que o aquecimento global pode ser usado politicamente na guerra comercial, para reprimir o crescimento econômico da periferia. Contudo o problema do aquecimento global a longo prazo causará prejuízos a todas as economias e esse dado é bastante confiável.

O fracasso retumbante do suposto combate ao aquecimento global

 A primeira iniciativa das instituições que administram o capitalismo foi criar o mercado de créditos de carbono, com origem na ECO 92 e no protocolo de Quioto, que entrou em vigor em 2005. Muitas críticas podem ser feitas a este protocolo, contudo nos preocuparemos apenas com o balanço destas mesmas instituições. O que dizem é que o protocolo pode até ter piorado a situação (ver aqui), a Conferência Rio+20, continuidade da ECO92, foi considerada um fracasso por diversos autores. O próprio FMI reconhece que “O investimento privado em capital produtivo e infraestrutura enfrenta altos custos iniciais e incertezas significativas que nem sempre podem ser precificadas. Os investimentos para a transição para uma economia de baixo carbono também estão expostos a importantes riscos políticos, falta de liquidez e retornos incertos, dependendo das abordagens políticas para mitigação, bem como dos avanços tecnológicos imprevisíveis.". Então, o FMI, uma das mais importantes instituições do imperialismo, reconhece que mudar a base energética e diminuir as emissões de CO2 é um investimento muito caro, que a burguesia não esta disposta a pagar e o FMI continua "É provável que a grande lacuna entre os retornos privado e social dos investimentos em baixo carbono persista no futuro, pois os caminhos futuros para a tributação e o preço do carbono são altamente incertos, principalmente por razões de economia política. Isso significa que não há apenas um mercado ausente para a mitigação climática atual, já que as emissões de carbono não têm preço atualmente, mas também faltam mercados para mitigação futura, o que é relevante para os retornos do investimento privado em futuras tecnologias, infraestrutura e capital de mitigação climática" Embora a base de energias ditas renováveis tenha quadruplicado como vemos aqui. Onde a China aparece com a liderança no ranking dos países que mais investem neste mercado (ver gráfico). Além de ter a Huawei e a liderança no campo da tecnologia 5G, a China também lidera o mercado de energias renováveis.

A reação da burguesia norte americana 

O governo Trump nega a existência do aquecimento global, que representa a posição de um setor da burguesia imperialista estadunidense. A negação de fatos científicos é uma necessidade para uma classe que é responsável por um modelo de industrialização capaz de levar a uma destruição de forças produtivas em uma escala jamais vista, a ponto de mudar o meio ambiente no planeta. A ação humana executada pelos capitalistas que se utilizam da industrialização, dos avanços científicos e tecnológicos para o seu lucro é, hoje, capaz de alterar as próprias eras geológocas e nos levar a um novo Cretáceo (época geológica correspondente ao auge dos dinossauros, quando não havia gelo nos Polos da Terra). O negacionismo tem consequências tecnológicas. O mercado para as tecnologias renovaveis tenderia a ser dominado por aqueles competem no mercado mundial, neste caso, a China. O que também não é bom para a burguesia estadunidense.

O Partido Democrata dos EUA e o Desenvolvimento Sustentável

Al Gore, ex vice-presidente dos EUA, o herói de Greta Thumberg, lançou há alguns anos o famoso documentário "Uma Verdade incoveninte"(aqui o trailer ). Neste documentário, Al Gore denuncia as mudanças ambientais causadas, segundo ele, pela industrialização do nosso modo de vida. Esta posição é a da maioria das Organizações Não Governamentais (ONGS) que professam a ideologia do desenvolvimento sustentável. Ora, uma indústria sustentável que não ameace a existência dos seres vivos é um ideal justo para a humanidade. Mas a ideologia do "desenvolvimento sustentável" não explica porque a nossa industria já não é assim. Não explica que a anarquia do mercado impede o planejamento adequado dos recursos. A narrativa desta ideologia aponta os problemas do clima como solucionáveis a partir da consciência individual, por muitas vezes moral, e não um problema econômico. Destituída de um conteúdo de combate ao extermínio de milhares de humanos pelas guerras e pela fome, a "sustentabilidade" é uma casca vazia. E alguns ainda consideram que esta ideologia ocupa um lugar à esquerda no espectro político. Os fatos são mais fortes do que as ideologias, como atesta o relatório do FMI supra citado -  o "desenvolvimento sustentável" simplesmente não funciona. Mas os setores honestos que compraram esta ideologia acabaram reconhecendo em Wall Street um dos obstáculos. As relações do Partido Democrata com o "Stablishment" começam a ser rejeitadas e é neste contexto que aparece  Bernie Sanders que se apresenta como o candidato dos não bilionários e constrói uma campanha arrecadando doações entre os que querem mudanças nos EUA e que já as tiveram negadas, pelos Democratas na presidência, como foi no caso da saúde gratuita e "obamacare"

Socialistas Democratas da América e o Green New Deal 

No mesmo rastro de desejo de mudança aparece no cenário político dos EUA uma nova organização política que tem um crescimento vertiginoso, o SDA, que elegeu para o Congresso Alexandra Ocasio-Cortes(AOC), uma jovem de origem latina. Este projeto de renovação da esquerda estadunidense tem sido apresentado pela revista Jacobin, de  Bhaskar Sunkara, mas tão pouco é uma unanimidade entre os setores progressistas nos EUA. O projeto de jornalismo investigativo The Greyzone, por exemplo, caracteriza a Jacobin como anti-anti-imperialista. Max Blumenthal, editor do Greyzone acaba de ser detido ilegalmente sob falsas acusações por que denunciou a violência da oposição venezuelana. 
Em fevereiro deste ano, Alexandra Ocasio-Cortes apresentou um projeto de resolução ao congresso dos EUA, que se chama Green New Deal. Trata-se de um programa de investimento estatal, que visa tornar a economia norte americana livre das emissões de C02 em 10 anos. Ou seja, fazer a total conversão das bases energéticas da economia dos EUA para fontes de energia que não emitem CO2 (descarbonização). Sanders incluiu esta proposta em sua campanha presidencial. A comparação com o pesado investimento estatal no governo de Frank Delano Roussevelt, na década de 30, após a grande depressão é direta. O New Deal foi um plano de investimentos estatais que preparou a economia dos EUA para o esforço de guerra de uma década depois. A geração de emprego é sempre benvinda e os americanos guardam boas lembranças do desenvolvimento que se seguiu. Trotsky ainda era vivo e pôde fazer uma análise bastante acurada.  Uma das possíveis semelhanças com o "new deal" original é que os investimentos são do estado, mas propriedade desta nova economia não seria estatal. O estado entraria com o dinheiro, os trabalhadores com o trabalho e os capitalistas sairiam com o lucro. Como foi no primeiro New Deal. Esta etapa desnecessaria na economia que é a gestão capitalista leva a superprodução de mercadorias e a guerra por mercados para escoar estas mercadorias. 
Elizabeth Warren, considerada, a mais forte concorrente interna de Sanders nos democratas já começou a falar da urgência da agenda climática e começa a apresentar o seu "new green deal". As relações neste partido estabelecem uma trilha de dinheiro que leva até um setor do mercado financeiro de Wall Street, que pode estar se reorganizando para gerar o mercado da economia a zero carbono que o FMI reclama não existir. Movimentos como este aparecem na União Européia que vem restringindo o uso de carvão para aquecimento e coloca o objetivo de emissão zero até 2050. 

Como mudar a planta energética, resolver o problema dos empregos e da infraestrutura?

O gráfico abaixo mostra os setores da indústria que mais emitem: o setor de eletricidade,  a indústria e o transporte. Todos esse setores passariam por enorme reestruturação. 
Uma mudança desse tamanho obrigaria ao abandono (descomissionamento) de grande parte da infraestrutura petrolífera, gerando lixo. Obrigaria a demissão de milhares (perda de um milhão ou mais de empregos segundo a OIT) de trabalhadores e a requalificação de outros tantos que passariam a postos de trabalho chamados de empregos verdes. Nada disso a resolução do Green New Deal trata. Um artigo no site Socialist Organizer, Shamus Cooke discute o problema ambiental e a necessidade de um partido dos trabalhadores independente dos patrões, que organizasse os trabalhadores por seus proprios interesses. Cooke faz a ligação do Green New Deal e do New Deal original na decada de 30 e comenta : "Sanders e Ocasio-Cortez parecem ter muita fé em uma máquina do Estado que nunca foi amigável para os trabalhadores. O governo permanece dominado pelos capitalistas ricos, e sempre foi ágil e eficiente sempre que os ricos concordam que algo deve ser feito, sendo impenetrável ou paralítico quando a classe trabalhadora exige mudanças.

Do ponto de vista do desenvolvimento da força produtiva trabalho pode se esperar que o Green New Deal repita o sucesso local do anterior? 

Um entregador de fast food numa bicicleta não poluente não poderia ser considerado um emprego verde? Os novos empregos que tem se criado atualmente são subemperegos, com relações trabalhistas altamente desregulamentadas e o aumento da  informalidade.  Isso é particularmente grave em um país como os EUA, que não ratifica nem mesmo as Convenções 87 e 98 da OIT, que regulamentam o direito a liberdade sindical e o direito a auto-organização dos trabalhadores. Esses questionamentos certamente afligem os trabalhadores do mundo inteiro. 
Vejamos então o que diz a OIT sobre o problema do aquecimento global e as relações trabalhistas. Um recente relatório da OIT (ver aqui) prevê que "A transição para uma economia verde inevitavelmente causará perdas de empregos em certos setores, como o carbono e indústrias de uso intensivo de recursos são reduzidas, mas serão mais do que compensadas por novas oportunidades de emprego. As medidas tomadas na produção e no uso de energia, por exemplo, levarão a perdas de empregos em torno de 6 milhões, bem como a criação de cerca de 24 milhões de empregos. O aumento líquido de aproximadamente 18 milhões empregos em todo o mundo será o resultado da adoção de práticas sustentáveis,".
A OIT parece otimista, posição bem diferente do  FMI, que diz que a "política sustentável" não está sendo implantada, pois “O investimento privado em capital produtivo e infraestrutura enfrenta altos custos iniciais e incertezas significativas que nem sempre podem ser precificadas. Os investimentos para a transição para uma economia de baixo carbono também estão expostos a importantes riscos políticos, falta de liquidez e retornos incertos, dependendo das abordagens políticas para mitigação, bem como dos avanços tecnológicos imprevisíveis. ”. 
Para ter o efeito de impactar na temperatura da Terra não bastaria alterar a base energética somente nos Estados Unidos. Mas este país sair na frente lhe daria novamente o papel de protetor do planeta justificando guerras contra países emissores e golpes em governos desenvolvimentistas. O plano não é ruim para o Senhor da Guerra. Mas, no meio do caminho tem a classe trabalhadora. E ela resiste, inclusive nos EUA, onde o setor da educação realiza greves massivas, unitárias e vitoriosas em estados que são consideradas ilegais. 
Poderão os trabalhadores ameaçados de perder emprego com o fechamento de plantas industriais conseguir as mesmas vitórias? E porque mesmo que os trabalhadores deveriam perder os seus empregos se há uma forma simples de mantê-los? Sobre isto, o debate político ainda não começou e isto se reflete na ausência da posição de nacionalização/estatização da industria de óleo e gás no debate eleitoral nos Estados Unidos. O pesado investimento em pesquisa inclusive para solucionar o problema do lixo residual, evitando demissões no período mais lento da curva de aprendizagem com novas fontes energéticas, realizado de forma planificada, pelo Estado, como mostra o exemplo Chinês, é o caminho mais curto para um desenvolvimento tecnológico que possa se tornar sustentável.

Conclusão

Sim, é possível resolver o problema do clima, mas num planeta no qual a economia não seja mais movida pela disputa irracional de mercados. Esta disputa é tão voraz que cria fetiches de consumo apenas para vender mais e mais. Uma industrialização planejada, científica, verdadeiramente sustentável é incompatível com o modo de produção que se assenta sob o paradigma da propriedade privada. A apropriação privada do trabalho que é coletivo é uma contradição insolúvel no capitalismo. O aprofundamento desta contradição acaba liberando forças destruidoras capazes de alterar a geologia e condenar 70 milhões de pessoas do planeta a ser refugiada de guerras, tragédias e  perseguições. Somente governos que emanam da soberania popular, e não dos interesses dos capitalistas, poderiam por-se de acordo em empreender um esforço conjunto de mudar a base energética mundial aproveitando todos os recursos humanos disponiveis no planeta e empreender uma batalha honesta para salvá-lo para as futuras gerações. Há possibilidades científicas ainda inexploradas e a dianteira chineza nas tecnologias renovaveis mostra que esforço planejado dá resultados. E se a própria China não tivesse que fabricar um monte de quinquilharias para conseguir ter uma posição favorável frente ao Imperio, ajudaria a resolver uma das componentes do problema do lixo. O vilão desta história toda do clima não são os trabalhadores da indústria, nem a indústria em si. É o uso que os capitalistas fazem da industrialização, da tecnologia e da ciência. E os capitalistas não serão convencidos a não destruir o planeta, assim como substituir os capitalistas imorais pelos conscientes do clima não os levaria a ser algo diferente do que são, parasitas.




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