A palavra-de-ordem de Assembléia Constituinte Soberana e a Revolução Proletária na América Latina - François de Massot
Apresentação
Diante da nova situação aberta na América Latina, na qual levantes populares questionam a dominação imperialista, o Blog Ciência & Revolução apresenta para seus leitores, pela primeira vez em meio digital, um texto clássico sobre a Constituinte, escrito por François de Massot em 1978, que discute as dificuldades encontradas pelas massas e organizações para potencializar o poder destituinte das mobilizações populares em favor de um poder constituinte de novas relações sociais. O texto a seguir está circunscrito num debate teórico feito no fim da década de 70, de forma que a primeira parte dele discute o problema da Constituinte teoricamente. Na segunda parte do texto, "O desenvolvimento da luta de classes no Peru e a atividade do P.O.M.R." estes problemas teóricos são confrontados com as condições concretas enfrentadas por organizações concretas. Os leitores podem seguir a ordem da leitura que o autor apresenta como também podem começar pela segunda parte e a partir das situações reais, ao aproximarem-se da discussão sobre a necessidade da luta pela Constituinte, alimentarem-se da discussão teórica. Independente da ordem da leitura, o método de analise dos problemas empregados neste texto é de grande ajuda para os problemas e tarefas democráticas atuais no continente. Nossa breve introdução se exime de antecipar qualquer discussão sobre o texto que merece ser lido e discutido muito além de nós. A transcrição digital que apresentamos foi feita a partir de uma brochura editada pela Palavra Editora Ltda em janeiro de 1983.
e a Revolução Proletária na América Latina
Texto escrito em 20/12/1978 por François de
Massot, Membro do Comitê Central do Partido Comunista Internacionalista, sessão
francesa da IV Internacional – Centro Internacional de Reconstrução.
Este texto foi apresentado como
contribuição à discussão preparatória da III Conferência das organizações
trotskistas da América latina, convocada pelo CORQUI- Comitê de Organização
pela Reconstrução da IV Internacional, em 1978.
Introdução
Os limites desse texto são fixados por seu
objetivo. Trata-se de uma contribuição à discussão preparatória à III
Conferência Latino-americana centrada sobre o problema do lugar das
reivindicações democráticas - e mais particularmente da palavra-de-ordem da
Assembléia Constituinte Soberana - na marcha em direção à revolução proletária
e na própria revolução proletária na América Latina. Os recentes
desenvolvimentos da luta de classes no Peru e a importante experiência do POMR
são aqui utilizados para ilustrar a maneira concreta como esses problemas se
colocam no ‘momento’ presente da luta de classes na América Latina, embora a
situação política em numerosos países do continente, como por exemplo o Brasil,
a Bolívia, pudessem igualmente ser utilizados. Mas os limites desse texto não
decorrem somente dele se referir explicitamente a uma das manifestações do novo
ascenso revolucionário que sacode em realidade todo o continente Latino- americano.
Esses limites decorrem sobretudo do fato de que esse texto pretende abordar
questões centrais da estratégia mundial do proletariado sob um ângulo
particular e que não pretende abarcar o conjunto dos problemas levantados.
É incontestável que a questão das reivindicações
democráticas e nacionais, em relação à existência de tarefas democráticas
essenciais (soberania nacional e questão agrária) não se colocam só na América Latina. Essas tarefas
estão colocadas para a esmagadora maioria da humanidade, para as massas
exploradas e oprimidas do Oriente Médio, da África, assim como da América
Latina. A existência dessas tarefas não resolvidas (do atraso e da dominação imperialista) é a
manifestação mais geral e mais fundamental do desenvolvimento desigual e
combinado, do conteúdo mesmo da unidade mundial da luta de classes como unidade
orgânica, mas diferenciada e estruturada
sobre a base das relações sociais capitalistas. Essas tarefas, que no essencial
foram cumpridas nos países capitalistas avançados, através das revoluções
burguesas dos séculos XVIII e XIX são hoje um componente da “substância" mesma da revolução
proletária mundial.
A palavra-de-ordem da Assembléia
Constituinte Soberana que coroa o
conjunto das reivindicações democráticas
porque coloca a questão “da representação do povo inteiro” como o explica Trotsky na "Internacional Comunista depois de
Lênin”, coloca também inevitavelmente a
questão dos obstáculos com os quais se choca a imensa maioria do povo: essas
"tarefas,democráticas" que a burguesia é incapaz de resolver
(independência nacional, reforma agrária, liberdades e direitos democráticos. O
combate pela assembléia constituinte soberana tem um caráter transitório na via
da ditadura do proletariado, a única que pode assegurar a realização das
tarefas democráticas.
Mas se a questão da Assembléia Constituinte
procede diretamente da situação dos países coloniais ou semi-coloniais, e logo
se coloca aí de maneira geral, isso não significa de modo nenhum que a
colocação pelo partido revolucionário, no combate pela revolução proletária, de
palavras-de-ordem democráticas seja limitada aos países atrasados que sofrem a
opressão imperialista. Inclusive nas metrópoles imperialistas, a ditadura do proletariado terá de cumprir –
ou de completar- numerosas tarefas
democráticas. No mais poderoso, mais avançado e mais industrializado país
imperialista, os Estados Unidos, para tomar só esse exemplo, a revolução terá,
por exemplo, que resolver este problema democrático, por excelência que
representa a situação da minoria negra nos Estados Unidos.
O fato de que inclusive nos países
capitalistas avançados (imperialistas), o programa da revolução proletária inclui
necessariamente palavras-de-ordem democráticas, corresponde a natureza mesma do
capitalismo e à realidade concreta de seu desenvolvimento histórico.
Por ser classe exploradora, a burguesia não
pôde assentar o seu poder senão restringindo - mesmo quando ela era classe
ascendente - a democracia. Da mesma maneira, se o advento do capitalismo foi
marcado pela formação de nações, também acarretou a multiplicação dos fenômenos
de opressão nacional.
O imperialismo ("a reação em toda
alinha") acarretou não só a manutenção e o agravamento de todos os
problemas de caráter democrático não resolvidos, como também a reaparição de
problemas antigos que se podia considerar como ultrapassados e a emergência de
problemas novos. É com o método do fascismo que o imperialismo assegurou nesses
países decisivos da Europa a manutenção de sua dominação.
A manutenção da ordem imperialista implicou
a divisão da Europa que tem, como pedra de toque a divisão da Alemanha,a
negação o da unidade alemã. E, sem tomar mais exemplos, o desencadeamento da
revolução em Portugal, o processo de liquidação revolucionária das instituições
franquistas na Espanha colocaram sob formas específicas em cada caso, a questão
da constituinte soberana no centro da mobilização revolucionária das massas.
A nossa intenção, sublinhamos, não é de
tratar desses problemas no texto presente. Mas é indispensável dizer desde
agora que as questões que são aí abordadas. em particular do ponto de vista da América
Latina, têm implicações mundiais e ocupam um lugar maior no combate peja
reconstrução da IV Internacional.
Como
O Programa de Transição Coloca a Questão
É no capítulo do Programa de Transição
intitulado “Os países atrasados e o programa das reivindicações transitórias”,
que se faz explicitamente referencia. à palavra-de-ordem da Constituinte como
palavra-de-ordem de valor geral para os países desse tipo.
"Impossível
rechaçar pura e simplesmente o programa democrático: é preciso que as próprias
massas ultrapassem esse programa na luta. A palavra-de-ordem de Assembléia
Nacional (ou Constituinte) conserva todo o seu valor em países como China ou Índia.
Devemos indissoluvelmente vincular essa palavra-de-ordem às tarefas de
emancipação nacional e de reforma agrária.
Devemos antes de tudo, armar os operários com esse programa democrático
. Só eles podem levantar e reunir os camponeses sobre a base do programa
democrático revolucionário, temos de opor os operários à burguesia ‘nacional’.”
Como se sabe, para os marxistas a palavra
"programa" tem um sentido preciso. Não é um catálogo de
palavras-de-ordem no qual bastaria ir buscar em função das circunstâncias, nem
uma plataforma política conjuntural. O Programa de Transição é a definição das
tarefas da vanguarda proletária baseada
na análise das tarefas essenciais de nossa época, a da agonia do capitalismo.
Ele concentra, em termos de generalização teórica, a experiência acumulada por
um século de combates da classe operária pela sua emancipação ao mesmo tempo
que constitui uma generalização da análise do imperialismo como estagio supremo
do capitalismo. Numa frase, o Programa de
Transição, o programa de fundação da IV Internacional e a expressão
programática da teoria da revolução permanente.
Nesta medida, o caráter condensado, concentrado
do Programa de Transição não é questão de estilo: esse caráter corresponde ao
conteúdo desse documento no qual, necessariamente, são as articulações essenciais
de uma
o estratégia de mobilização revolucionária
das massas que são destacadas. Assim, não é inútil lembrar em que contexto se
faz referências ao programa democrático e à palavra-de-ordem da Assembléia
Constituinte. Por isso,
reproduzimos pura e simplesmente abaixo,
integralmente, o capítulo do Programa de Transição intitulado "Os países
atrasados e o programa das reivindicações transitórias":
"Os
países semi-coloniais e coloniais são, por sua própria natureza, países atrasados,
mas esses países atrasados vivem nas condições de dominação mundial do imperialismo.
Por isso o seu desenvolvimento tem um caráter combinado: reúne em si as formas
econômicas mais primitivas e a última palavra da técnica e da civilização capitalista.
É o que determina a política do proletariado dos países atrasados: é obrigado a
combinar a luta pelas tarefas mais elementares de independência nacional e da
democracia burguesa com a lula socialista contra o imperialismo mundial. Nessa luta, as palavras-de-ordem democráticas,
as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão
separadas em épocas históricas distintas, senão que resultam imediatamente umas
das outras. O proletariado chinês apenas começava a organizar sindicatos quando
foi obrigado a pensar nos soviets. É nesse sentido que o presente programa é totalmente
aplicável aos países coloniais e semi-coloniais, pelo menos àqueles onde o proletariado já está capaz de ter uma política
independente.
Os
problemas centrais dos países coloniais e semi-coloniais são a Revolução Agrária, isto é, a liquidação
da herança feudal, e a Independência
Nacional, isto é, a derrubada do jugo imperialista. Essas duas tarefas
estão estreitamente ligadas uma à outra. É impossível rechaçar pura e
simplesmente o programa democrático; é preciso que as massas, elas mesmas, ultrapassem
esse programa na luta. A palavra-de-ordem de Assembléia Nacional (ou
Constituinte) conserva todo seu valor em paises como a China ou Índia. Devemos indissoluvelmente
vincular essa palavra-de-ordem à tarefa de emancipação e de reforma agrária. Devemos,
antes de tudo, armar os operários com esse programa democrático. Só eles podem
levantar e reunir os camponeses. Na base do programa democrático revolucionário,
temos de opor os operários à burguesia “nacional”
Em
certa etapa de mobilização das massas sobre as palavras-de-ordem da democracia
revolucionaria, os soviets. Seu papel histórico, cada período dado, em particular,
suas relações com a Assembléia Nacional, está determinado pelo nível político do
proletariado, pela ligação entre esse e a classe camponesa, e pelo caráter da
política do partido proletário. Cedo ou tarde, os soviets devem derrubar a
democracia burguesa. Só eles serão capazes de levar a revolução democrática até
o fim e abrir assim a era da revolução socialista.
O
peso específico das diversas reivindicações democráticas e transitórias na luta
do proletariado, seus vínculos mútuos e sua ordem de sucessão estão
determinados pelas particularidades e as condições próprias de cada país
atrasado, e uma parte importante por seu grau
de atraso. No entanto, a direção geral do desenvolvimento revolucionário,
pode ser determinada pela fórmula de Revolução
Permanente, no sentido que foi dado definitivamente a esta formula por 3 revoluções na Rússia (1905, fevereiro 1917, outubro
1917). A “Internacional Comunista" deu aos países atrasados o exemplo
clássico de como se pode causar a ruína de uma revolução cheia de força e de
promessas. Durante o imperioso ascenso
do movimento de massas na China em 1925-1927, a IC não levantou a
palavra-de-ordem da assembléia nacional, e ao mesmo tempo, impediu a formação
de soviets. O partido burguês do Kuomitang devia, segundo o plano de Stalin,
"substituir" ao mesmo tempo a
ao assembléia nacional e os soviets. Depois do esmagamento das massas pelo
Kuomitang, a IC organizou em Cantom, uma
caricatura de soviets. Após a derrubada inevitável da insurreição de Cantom, a
IC entrou na via da guerra dos guerrilheiros e dos soviets camponeses, com uma
completa passividade do proletariado industrial. Chegando assim, numa via sem
saída, a IC se aproveitou da guerra sino-japonesa para liquidar de uma vez a
"China soviética” subordinando não só "o exército vermelho"
camponês, senão também o pretenso partido “comunista” ao Kuomitang, quer dizer
à burguesia.
Após
ter traído a revolução proletária Internacional, em nome da amizade com os
escravistas "democráticos", a I. C. não podia deixar de trair
igualmente a luta emancipadora dos povos coloniais com um cinismo, aliás, ainda
maior do que já havia feito antes dela a II Internacional. Uma das tarefas da
política das frentes populares e da "defesa nacional" é transformar
centenas de milhões de homens da população colonial em carne de canhão para o
imperialismo "democrático". A bandeira da luta emancipadora dos povos
coloniais e semicoloniais, isto é, de mais da metade da humanidade, passou
definitivamente para as mãos da IV Internacional.
Como vemos o programa de fundação da IV
Internacional quando se refere, no caso dos países capitalistas atrasados, à palavra-de-ordem da Constituinte, não apresenta,
de modo nenhum, como uma palavra-de-ordem acidental ou incidental, mas como uma
palavra-de-ordem central do "programa democrático", como uma
conseqüência essencial do desenvolvimento do caráter combinado desses países.
O que não quer dizer que a palavra-de-ordem
da assembléia constituinte soberana possa ser levantada a qualquer momento.
Deve sê-lo com relação às condições concretas da luta de classes. Mas desde que
o movimento das massas num país oprimido se afirma contra o imperialismo, a
palavra-de-ordem da Constituinte Soberana deve ser levantada na agitação, precisamente
porque é uma palavra-de-ordem central do programa democrático. E, em todas as
circunstâncias o partido do proletariado deve desenvolver uma propaganda
incansável sobre as reivindicações democráticas das quais a Constituinte é um
pilar.
Aliás, várias vezes Trotski voltara nesse
ponto
“A
palavra-de-ordem democrática e transitória conserva todo o seu valor em
particular nos países oprimidos relativamente mais avançados como China e Índia.
A palavra-de-ordem de uma Assembléia Constituinte ou Nacional permanece a
alavanca mais poderosa da mobilização das massas. Mas nessa palavra-de-ordem, o
partido revolucionário do proletariado deve integrar todo o contudo da
revolução agrária e da luta pela libertação nacional”
É o que está dito num dos últimos
documentos no qual Leon Trotsky colaborou, a resolução sobre ‘as colônias e a
guerra mundial” da Conferência de Alarme de 1940, fazendo eco ao artigo, “A
revolução na Índia, suas tarefas e seus perigos” ou em 1930, atacando a
política da direção stalinista da IC, Trotsky assinala: “nossos estrategistas rechaçam a palavra-de-ordem de todo movimento
democrático que é precisamente a palavra-de-ordem da Assembléia Constituinte.”
Com efeito, a palavra-de-ordem da
Constituinte expressa precisamente o caráter combinado do desenvolvimento em países
atrasados, oprimidos pelo imperialismo. As tarefas democráticas e nacionais que
devem ser resolvidas e que se concentram na revolução agrária e na libertação
do jugo imperialista significam o acabamento da "constituição" da
nação no sentido revolucionário- sua libertação dos entraves da dominação Imperialista.
A luta contra o imperialismo, pela realização das tarefas nacionais e democráticas,
implica o combate pela concretização da soberania do povo (a representação do
povo inteiro) como diz Trotsky em "A Internacional Comunista depois de
Lênin" que se expressa na reivindicação da Constituinte Soberana, quer
dizer, executiva e legislativa, forma democrática mais avançada levantada (mas
raramente realizada) pelas grandes revoluções burguesas.
Integradas ao mercado mundial pelo
imperialismo, as burguesias nacionais só podem aceder a ele através da
dominação do imperialismo, mas sendo componentes do capitalismo mundial que só
pode se perpetuar sob a forma da dominação do imperialismo, elas são incapazes
de resolver essas tarefas.
Cabe ao proletariado cumpri-las,
encabeçando as massas oprimidas, e em primeiro lugar as massas camponesas, e
integrando pois como componente da revolução proletária, as palavras-de-ordem
nacionais e democráticas correspondentes a essas tarefas.
Assim, as tarefas democráticas e nacionais
só podem ser cumpridas através da vitória da classe operária, quer dizer pela
instauração da ditadura do proletariado. Mas a necessidade da hegemonia do proletariado
no decorrer da revolução não constitui unicamente um tipo de resultado final (a
realização da ditadura do proletariado) para alcançar a vitória, o proletariado
deve assegurar a cada momento da luta pela emancipação nacional seu papel
dirigente na luta pelos objetivos nacionais e democráticos. Se o proletariado,
através do seu partido, não integra as palavras-de-ordem que correspondem a
isso, está fadado ao isolamento em relação às massas camponesas e à derrota.
Simultaneamente, a classe operária só pode combater afirmando sua independência
de classe, empregando seus próprios métodos, combinando as reivindicações
nacionais, democráticas. camponesas e operárias.
É através desse combate que "podem e
devem surgir os soviets”. Não é pela retomada da forma política mais avançada
da dominação da burguesia (constituinte) que se resolverão as tarefas nacionais
e democráticas, senão pela edificação das instituições da democracia proletária,
os soviets, os conselhos operários.
É assim que a reivindicação da Constituinte
Soberana toma todo seu conteúdo transitório, que é uma alavanca da mobilização
das massas na via da ditadura do proletariado. Esse conteúdo transitório provém
precisamente do desenvolvimento da luta de classes na época do imperialismo
onde, como expressão da marcha mundial à revolução proletária, nos paises
atrasados dominados pelo imperialismo, o proletariado deve assumir, no seu
próprio plano de classe e para seus próprios objetivos, a realização de tarefas
democráticas e nacionais.
O lugar das reivindicações democráticas e
nacionais num país oprimido pelo imperialismo não é mais, em última análise, senão
a expressão nesse país do movimento da revolução proletária. Noutros termos, o
lugar dessas reivindicações é uma afirmação da unidade mundial da luta de classes,
como unidade orgânica e diferenciada, a expressão do fato, para retomar a
famosa citação de Trotsky no prefácio da edição francesa de "A Revolução
Permanente”:
..." As particularidades nacionais formam
a originalidade dos traços fundamentais da evolução mundial. Essa originalidade
pode determinar o estratégia revollucionária por muitos anos... A originalidade
nacional representa o produto final mais' geral da desigualdade do
desenvolvimento histórico."
Discutir a validade do "programa
democrático revolucionário" de que, segundo o Programa de Transição,
devemos "armar os operários”,. para opor-lhes à burguesia nacional,
e em particular da palavra-de-ordem da Constituinte como coroação necessária de
qualquer conjunto de reivindicações democráticas, é em realidade discutir a
teoria da revolução permanente.
Essa afirmação não tem nada que ver com um
argumento de autoridade, ponto final da discussão e é ainda menos - insistimos
nisso - uma consigna intemporal, em nome da qual, a cada momento,
independentemente da situação, a palavra-de-ordem da Assembléia Constituinte
deveria estar no centro da agitação de qualquer organização marxista num pais
atrasado. Trata-se simplesmente de sublinhar que a questão da Assembléia
Constituinte está necessariamente presente (o que não quer dizer, repetimo-lo,
que só se coloca nesse países) no caso de um país onde as tarefas progressivas
democráticas, cumpridas no essencial nos países capitalistas avançados pela
revolução burguesa, persistem.
A existência da questão da Assembléia é
pois, como procuramos recordá-lo, organicamente ligada ao caráter atrasado,
retardatário desses países (à existência de tarefas democráticas não
resolvidas) e ao caráter combinado que toma aí esse desenvolvimento político e
social (o proletariado resolvendo esses problemas por meio da revolução
proletária).
Todavia é preciso ser claro sobre as noções
de "desenvolvimento desigual e combinado" e de "atraso". Em
“A Revolução Permanente", Trotsky zomba da tentativa de Stalin de fazer do
"desenvolvimento desigual e combinado” um “fetiche”. A lei do desenvolvimento
desigual não substitui nem anula as leis da economia mundial, explica ele, "ela
se inclina diante delas e se submete a elas”. É por isso mesmo que "as particularidades nacionais formam a originalidade dos traços
fundamentais da evolução mundial”, e que se podem definir como “o produto final e mais geral da
desigualdade histórica”.
Quer dizer que essas particularidades
expressam um desenvolvimento histórico concreto: aquele pelo qual o capitalismo
estabeleceu um mercado mundial e uma divisão internacional do trabalho. Assim,
essas particularidades não podem ser abstraídas da época histórica onde elas se
cristalizaram - a época do imperialismo, da revolução proletária - da unidade
mundial da luta de classes, nem do momento das relações políticas entre as
classes que as caracterizam precisamente, Elas são as manifestações da unidade
mundial da luta de classes como unidade orgânica e diferenciada, como parte
integrada dessa unidade orgânica.
É o que Trotsky explicita, ainda no
prefácio da edição francesa de" A Revolução Permanente", quando
escreve:
"Se
se examina a Grã-Bretanha e Índia como duas variedades extremas do tipo
capitalista, chegamos à conclusão de que o internacionalismo dos proletariados
ingleses e hindus se funda sobre a interdependência das condições, das metas e
dos métodos, e não sobre sua identidade”
Ou ainda mais no capítulo intitulado “ O
que significa hoje para o Oriente a palavra-de-ordem da ditadura democrática”
“...
que diferença existe entre os países avançados e os países atrasados? Uma diferença muito grande, mas sempre
subordinada à dominação das relações capitalistas. As formas e os métodos de
dominação da burguesia são extremamente diversos segundo os países. Nos dois extremos, temos por um lado o
dominação direta e absoluta: os Estados Unidos. Pelo outro, o capital financeiro
adaptado às instituições antiquadas da Idade-Média asiática e que as subordina
o ele: Índia. Mas a burguesia reina tanto cá como lá. O que nos permite supor
que o ditadura do proletariado, ela também, tomará, nos diferentes países, um
caráter extremamente variado quanto a sua base social, suas formas políticas,
suas tarefas imediatas e seu ritmo. Mas só a hegemonia revolucionária do
proletariado depois da conquista do poder poderá levar às massas populares a
vitória sobre o bloco
dos imperialistas, dos feudais e dos burgueses nacionais.”
O atraso, o caráter retardatário dos países
dominados pelo imperialismo (coloniais e semi-coloniais) não procede de forma
nenhuma de uma história ("de um mundo") que se desenvolveria
paralelamente, mas sobre um outro plano daquele dos "países
avançados". Ao contrário, ela traduz a dominação mundial das
relações capitalistas, e é como componente desta unidade orgânica que o caráter
combinado dos desenvolvimentos políticos e sociais nesses países toma toda sua.
dimensão revolucionária. A cristalização do "atraso” (como produto de um
desenvolvimento mundial), reside na existência das tarefas nacionais e
democráticas não resolvidas. E é no desenvolvimento mundial da luta de classes
(o fato de que estamos na época da revolução proletária internacional) que radica
o fato de que é somente pela ditadura do proletariado que essas tarefas poderão
ser resolvidas.
Dir-se-á talvez que esses comentários em
redor de longas citações de "A Revolução Permanente” não têm nada a ver
com um texto consagrado às reivindicações democráticas e à palavra-de-ordem da
assembléia constituinte, e que em todo o caso é utilizar um tempo longo demais
para dizer evidências. Depois de tudo, se tal fosse o caso, seria um bom meio
para se assegurar de que são realmente evidências.
Pois a retomar o que Trotsky explica nos
parece a resposta melhor à concepção dos "três setores da revolução
mundial” substituída à unidade mundial da luta de classes; como à idéia segundo
a qual num país capitalista atrasado, a revolução seria, não a revolução
proletária, mas uma “revolução nacional” guiada pelo proletariado. O lugar das
reivindicações democráticas num pais capitalista atrasado não depende das
"particularidades nacionais" em si mesmas, abstratamente, fora da
unidade mundial da luta de classes, mas sim expressa, ao contrário, essa
unidade, da qual as particularidades nacionais são o produto.
Noutros termos, a teoria da revolução
permanente não é de forma nenhuma uma "receita" para a revolução nos
países capitalistas atrasados.
Sob a forma desenvolvida, programática, que
recebe já nas "Teses sobre a Revolução Permanente” ela vai além daquilo
que funda, como diz Trotsky, sua "Origem Histórica” isto é, a passagem da revolução democrática à
revolução socialista (se bem que inclusive sob esse aspecto, ela não tem nada a
ver com a deformação grosseira evocada mais alto, pois esse aspecto é precisamente
uma expressão da unidade mundial da luta de classes).
Integrando as aquisições do período das
guerras e das revoluções, a experiência da revolução russa, a teoria do
imperialismo e a teoria bolchevique do partido, a teoria da revolução permanente
expressa plenamente a dinâmica da revolução proletária mundial.
É isso
o que Trotsky resume a propósito do lugar da questão nacional na revolução russa.
A subordinação das revoluções nacionais atrasadas
à revolução do proletariado tem o seu determinismo no plano mundial. No momento em que no século
XIX, a tarefa essencial das guerra e revoluções consistia em assegurar às
“forças produtivas” um mercado nacional,
a tarefa do nosso século consiste em libertar as ‘forças produtivas” das fronteiras nacionais que se tornam
entraves para elas. Num amplo sentido histórico, as revoluções nacionais
do Oriente não são senão graus do revolução mundial do proletariado, da mesma
maneira os movimentos nacionais da Rússia se tornarão graus da ditadura
soviética.” (A Questão Nacional. pg. 425. ed. francesa.)
Os problemas políticos, assinala Trotsky em
"A Internacional Comunista depois de Lênin”, não podem ser compreendidos
só através da abstração teórica senão em sua "realidade material e
histórica".
A acuidade dos problemas políticos dos
quais trata o texto, o lugar que ocupam necessariamente na luta pela
reconstrução da IV Internacional, não se podem dissociar do desenvolvimento
concreto da luta de classes, quer dizer de seu desenvolvimento internacional em
nossa época e do "momento” da situação mundial. O caso do Peru ilumina
essa realidade. Mas ele mesmo não é mais que uma expressão e um componente da
maneira pela qual os traços fundamentais da atual situação mundial se traduzem
em escala de toda a América Latina.
A meta desse texto não é fornecer uma
análise do movimento de conjunto da luta de classes na América Latina como
elemento constitutivo de uma situação mundial determinada na qual esse movimento
se inscreve. A este propósito se pode ler o artigo de Etienne Laurant, que
apareceu na "La Verité- nº 580 “A América Latina no movimento da Revolução
Mundial”) e o Informe Internacional apresentado no XXII Congresso da OCI. O
informe apresentado pelo cda N. no BI de janeiro está consagrado
a isso.
Não obstante, é necessário pelo menos
resumir algumas conclusões.
Antes de tudo, um dos traços constitutivos
do novo período da luta de classes no qual entramos após 1968, é o possante
impulso da revolução proletária nos países economicamente atrasados e
dependentes do imperialismo.
No caso da América Latina, essa realidade se transcreve
no fato de que nesse período é antes de tudo a ação própria da classe operária,
tendendo a reunir em redor dela as massas oprimidas, que domina a cena
política. O "Cordobazo"de 1969, a crise revolucionária no Chile em 1970
frente a qual a burguesia e os aparelhos utilizaram "o último
recurso" da frente popular”, o ascenso revolucionário na Bolívia, chegando
à formação da Assembléia Popular, são admiráveis manifestações desse fato, no
momento preciso em que esse novo período da luta de classes se constitui.
A luta de classes nunca segue um curso
linear, e se o período que a OCI qualificou de período "da iminência da
revolução" é realmente o período do pleno desenvolvimento de todas as
tendências e todas as contradições da era imperialista, ele é também o da
multiplicação das "viradas bruscas”, pois ele é aquele do
enfrentamento impiedoso, em cada país, das classes fundamentais em escala
mundial.
A derrota do proletariado chileno em 1973,
proletariado contra o qual o imperialismo, a burguesia chilena, o stalinismo e
todas as forças aliadas para a manutenção da ordem burguesa em escala mundial se
tinham coligado pelo meio da Frente Popular, preparando a via do golpe de Estado militar,
era uma expressão da resistência
encarniçada da contra-revolução internacional. Mas nem o sangrento golpe
de Estado de setembro de 1973, nem o fracasso da revolução boliviana em 1971,
nem o golpe de Estado de Videla em 1976
permitiam estabilizar as relações sociais e políticas na América Latina, pois
não conseguiriam reverter a correlação de força entre as classes na América Latina.
Cinco anos após o 11 de setembro de 1973, o
que domina cena política em escala de toda a América Latina, é um novo e
potente ascenso de caráter revolucionário do proletariado, é o aprofundamento
da instabilidade social e política, a inadequação aguda das formas políticas de
dominação do Imperialismo e da burguesia, inclusive as ditaduras mais ferozes,
a deterioração acrescida da situação das burguesias nacionais, o reforço conjunto
da influência do imperialismo sobre todos os setores da economia e das
conseqüências da marcha a uma crise econômica mundial.
O ascenso do proletariado na América Latina
encontra agora sua expressão mais avançada e politicamente mais clara no Peru. Mas
a situação peruana se inscreve num conjunto marcado pela instabilidade
crescente da ditadura brasileira e pelo começo de uma potente, reafirmação do movimento
operário nesse país-chave da América Latina, pelas convulsões repetidas do
regime militar boliviano numa situação na qual a classe operária boliviana pode
de novo desenvolver suas forças, pela maturação da crise política no México, pelos
movimentos da classe operária no Equador, na Colômbia. Situação que se revela
também no caráter explosivo da crise que ameaça todo dispositivo do imperialismo
na América Central (Nicarágua), que se manifesta também na resistência da
classe operária Argentina frente a ditadura de Videla e na crise da junta
chilena.
Trotsky e a palavra-de-ordem da Constituinte
Antes de chegar à maneira pela qual se
coloca a questão da assembléia constituinte no Peru - e à maneira pela qual o
POMR respondeu - é preciso lembrar como Trotsky precisamente formulava essa
palavra-de-ordem. Naturalmente, como esse texto procurou demonstrá-lo,
referindo-se longamente ao Programa de Transição, essa palavra-de-ordem não era
levantada como um ocasional e feliz achado “tático", sem fundamento
teórico: seu lugar, ao contrário, estava determinado por uma concepção teórica
e política de conjunto: a do marxismo. Quando Trotsky retoma a questão, em
particular a propósito da China, é numa conjuntura concreta. No momento em que
a direção stalinista da Internacional Comunista combina sua capitulação perante
a burguesia nacional que conduziu à derrota com a proibição burocrática de
utilizar as palavras-de-ordem democráticas e em particular, a da Constituinte.
Mas Trotsky intervém nessa conjuntura a partir das aquisição da primeira
revolução proletária vitoriosa, a revolução russa, a partir da experiência
acumulada pelo partido bolchevique.
Assim, não é por acaso que é nesse
documento fundamental sobre a luta de classes mundial e a estratégia
revolucionária internacional, generalizando a experiência teórica do bolchevismo
frente ao abandono do marxismo codificado no projeto de programa destinado ao
VI Congresso Mundial da IC em “A Internacional Comunista depois de Lênin” que
Trotsky aborda do problema no seu conjunto e tratando todos os seus aspectos (a
questão da maioria formal, da soberania do povo, do governo responsável perante
ela
"Sua força político potencial( a das
massas) reside no seu número. As palavras-de-ordem da democracia formal
conquistam ou são capazes de conquistar não somente as massas pequeno-burguesas,
mas lambem as grandes massas operarias, precisamente porque lhes oferecem a
possibilidade - pelo
menos aparente - de opor sua vontade à dos generais, dos fidalgos, latifundiários
e dos capitalistas. A vanguarda proletária educa as massas servindo-se dessa experiência
e as conduz adiante. O exemplo do Rússia mostra que quando a revolução
progride, o proletariado organizado em
soviets pode, com uma política justa, dirigida até a conquista do poder, arrastar
o campesinato, faze-1o se chocar de frente contra a democracia formal personificada
pela Assembléia Constituinte e dirigi-lo até o caminho da democracia soviética.
No entanto, chegamos a esses resultados não opondo os soviets à Assembléia Constituinte,
mas arrastando as massas até os soviets conservando ao mesmo tempo as palavras-de-ordem
da democracia formal até momento da conquista do poder e mesmo depois." (A
Internacional Comunista depois de Lênin – pg 406 – Ed. Francesa) (...)
.. A luta pela conquista das massas é
inevitavelmente ligada com a luta levada contra as violências da burocracia do
Kuomitang para as organizações de massa, de suas reuniões, de sua imprensa.
etc. No decorrer do período por vir, vai lutar o partido comunista pela
liberdade de imprensa ou deixará esta tarefa para um "terceiro partido”?
O partido comunista limitar-se-á à apresentação de reivindicações
democráticas isoladas (liberdade de imprensa, de reunião, etc.) o que
equivaleria a reformismo liberal ou levantará palavras- de-ordem da democracia
mais conseqüentes? No plano político, isso significa a representação popular e
o sufrágio universal(Idem – pg422)
“A idéia da representação do povo
inteiro, como o demonstrou a experiência de todas as revoluções burguesas, e em
particular as que libertaram as nacionalidades é a mais elementar, a mais
simples, a mais apta a interessas largas camadas populares. Quanto mais a
burguesia manda resistir a essa reivindicação do “povo inteiro”, tanto mais, a
vanguarda proletária se agrupara em redor da nossa bandeira, tanto mais as condições
políticas amadurecerão pela verdadeira vitória sobre o Estado burguês, que seja
o governo militar do Kuomitang ou um governo parlamentar." (Idem, pág. 424)
Mas a definição mais geral do lugar, da
função, do conteúdo da palavra-de-ordem é sem dúvida concentrada na citação
seguinte, tirada do mesmo capítulo:
“Como se sabe, foi a ditadura do
proletariado que cumpriu a revolução democrática na Rússia. Isso também, a
direção atual do IC não quer de jeito nenhum compreender. Mas nosso partido
levou o proletariado até a ditadura só porque defendeu com energia,
perseverança e dedicação, todas as palavras-de-ordem, todas as reivindicações da
democracia, inclusive a representação popular baseado sobre o sufrágio
universal, a responsabilidade do governo perante os representantes do povo,
etc. Só semelhante agitação permite ao partido preservar o proletariado da
influência da democracia pequeno-burguesa, destruir a influência desta sobre o
campesinato, preparar a aliança dos
operários e dos camponeses e arrastar em
suas fileiras os elementos revolucionários mais resolutos." .
Para se referir à posição de Trotsky, não
existe outro meio senão o de empregar citações. Mas ao mesmo tempo, o emprego
de citações (por compridas que sejam) abram o flanco a afirmação de que essas citações
se fazem fora do seu contexto. Assim, se poderia objetar que as amostras de
citações acima de “A IC depois de Lênin”, constituem uma utilização abusiva do
pensamento de Trotsky, posto que quando este falava da palavra-de-ordem da
assembléia constituinte, em relação à China, o fazia no contexto da situação
posterior à defesa, numa conjuntura em que o proletariado, encurralado a ficar
na defensiva, tinha de concentrar suas forças.
Essa objeção não é válida, e é precisamente
o último extrato de "A I.C depois de Lênin” reproduzido acima que o
demonstra. Para defender o emprego da palavra-de-ordem da constituinte na China,
Trotsky se refere à experiência da revolução russa, quer dizer, ao papel
mobilizador jogado por essa palavra-de-ordem em pleno ascenso revolucionário do
proletariado. O fato de que a palavra-de-ordem da constituinte deve ser
utilizada em circunstâncias específicas diversas (e se apresentar de maneira
diferente) não está ligado com a necessidade geral dessa palavra-de-ordem.
A este propósito, e para insistir sobre a
constância de Trotsky nesse ponto podemos tentar alongar ainda mais essa parte
do texto com algumas citações suplementares tiradas de outros escritos.
Por exemplo, em seu artigo de 1930 “A Palavra-de-Ordem
da Assembléia Nacional na China”, Trotsky retoma a questão nos seguintes termos
“A força das massas
oprimidas reside em sua quantidade. Quando despertem, buscarão expressar
politicamente essa força numérica mediante o sufrágio universal. Alguns poucos
comunistas já sabem que o sufrágio universal é um instrumento da dominação
burguesa, e que essa dominação somente pode ser liquidada pela ditadura
proletária. Vocês podem educar, desde já, a vanguarda proletária nesta
convicção. Porém, os milhões de trabalhadores apenas se aproximam da ditadura
do proletariado através de sua própria experiência política, e a assembléia
nacional seria um passo a mais nesse caminho. Por isso, levantamos essa
consigna junto com outras quatro consignas da revolução democrática: entrega da
terra aos camponeses pobres, jornada de trabalho de oito horas, independência
da China e direito à autodeterminação para as nacionalidades que habitam o
território chinês.” (Marxists
Internet Archive)*
A riqueza dessa breve citação impõe um
comentário que a tornará pesada, mas que sublinhará seu alcance em relação à
discussão presente. Ela tem a vantagem
de resumir em algumas frases a maneira pela qual as palavras-de-ordem
democráticas centralizadas na palavra-de-ordem da Constituinte alimentam o
movimento mesmo da revolução proletária e procedem desse movimento. Marca
também - e não é menos essencial - o fato de que os revolucionários só podem
fixar como objetivo ao movimento das massas e logo como seu objetivo a ditadura do
proletariado e não a convocação de uma assembléia constituinte (o que não quer
dizer que essa não se reunirá). "Os sovietes podem e devem surgir”. Mas
não surgirão senão com relação à atividade e à experiência das massas alimentadas
pela atividade do partido revolucionário. A luta revolucionária pelas palavras -de-ordem
nacionais e democráticas que concentra a reivindicação da constituinte soberana
é necessária à mobilização das massas. Mas o desenvolvimento e sobretudo a
centralização dos soviets (que não se opõem, como o sublinha Trotsky, às palavras-de-ordem
democráticas, respondendo às tarefas que o poder dos soviets terá de resolver)
não são simples prolongamentos do combate pela
constituinte. Para que o conteúdo transitório da palavra-de-ordem seja
plenamente destacado, para que o poder dos soviets - a ditadura do proletariado
- se afirme como objetivo do proletariado e das massas oprimidas (e em primeiro
lugar, o campesinato) que ele agrupa em seu redor , é preciso uma ruptura
política com a democracia burguesa e a influência de seus partidos, que é
impossível sem a intervenção do partido revolucionário.
O terreno dessa batalha, é o “programa democrático
revolucionário", com o qual, explica o Programa de Transição, se tem de
"armar os operários" precisamente contra a "burguesia nacional”.
Se não integra todo o conteúdo desse programa, a reivindicação da Constituinte
não seria mais que adaptação ao parlamentarismo. É por isso que Trotsky a liga
com as palavras-de-ordem principais da revolução democrática, entre as
quais se inscreve uma reivindicação especificamente proletária -- a jornada de
oito horas.
Com efeito, esse programa não se pode
conceber senão como uma combinação de reivindicações democráticas nacionais,
camponesas e operárias. Tanto mais que não existe mais um muro estanque entre
um "programa máximo" e um "programa mínimo”, não existe também
uma separação entre um programa "puramente” democrático e nacional e as
reivindicações de classe do proletariado. A classe operária não pode assegurar
seu papel indispensável de dirigente das massas oprimidas (sua hegemonia) senão
levando a luta sobre seu próprio plano para seus objetivos próprios, ao mesmo
tempo que faz seu, o conjunto das palavras-de-ordem nacionais e democráticas que
provém das tarefas a resolver.
E o que Trotsky sublinhava numa das suas
polêmicas contra as justificações dadas à capitulação perante o Kuomitang:
"Para sublevar verdadeiramente os operários e os camponeses contra o
imperialismo, é necessário unir seus interesses vitais mais essenciais e mais
profundos à causa da libertação nacional”. E Trotsky acrescentava: "...
mas tudo o que reanima a multidão oprimida dos trabalhadores empurra fatalmente
a burguesia nacional à aliança militar declarada com o imperialismo”. Noutros
termos, o que isso ilustra é o fato de que, inclusive na luta contra o
imperialismo num pais atrasado dominado pelo imperialismo, a burguesia e o
proletariado são classes antagônicas.
Como o nota Trotsky, ainda a propósito da revolução
chinesa:
“Uma
política que não desse conta da potente pressão exercida pelo imperialismo
sobre a vida interior da China seria radicalmente errada. Mas tão errada seria
uma política que partiria de uma idéia abstrata da opressão nacional sem
conhecer sua refração nas classes.”(...)
"Seria uma ingenuidade ainda maior
acreditar que a burguesia dos “compradores”, quer dizer, dos agentes econômicos
e políticos do capital estrangeiro na China, está separada por um abismo da burguesia “nacional”. Ao
contrário, essas duas categorias são incomparavelmente mais próximos uma da
outra que a burguesia com as massas operárias e camponesas” (...) “ É um erro
grosseiro pensar que o imperialismo cria mecanicamente desde o exterior, uma
coesão entre todas as classes da China. A luta revolucionária contra o
imperialismo, longe de enfraquecer a diferenciação das classes, a reforça.” (A
revolução chinesa e as teses de Stalin)
Assim, o instrumento da luta revolucionária
contra o imperialismo, a frente única antiimperialista, não é a constituição de
um "bloco” com a burguesia nacional, senão a expressão de uma tática
aspirando assegurar a direção do proletariado na mobilização das massas
camponesas e pequeno-burguesas urbanas, que se mobilizam primeiro a partir de
um programa de reivindicações nacionais e democráticas. O partido
revolucionário do proletariado integra todas as reivindicações nacionais e
democráticas, assim como as reivindicações das camadas sociais exploradas e
vítimas da dominação e pode estabelecer alianças com essas camadas e suas
expressões políticas organizadas.
Isso não é contraditório com o fato de que,
a partir das reivindicações democráticas e nacionais, acordos conjunturais
possam ser feitos com a burguesia nacional ou frações desta, nem com o fato incontestável
de que possam se desenvolver "movimentos de massa antiimperialistas"
dirigidos pela burguesia.
Mas é contraditório com toda concepção que
queria ver, na constituição da frente única antiimperialista num país atrasado
e oprimido pelo imperialismo, a realização de uma aliança com a burguesia. É
preciso repetí-lo, se bem que isso pareça uma evidência, quando o partido
revolucionário combate pela constituição de uma frente única antiimperialista,
ele luta para assegurar a hegemonia do proletariado sobre a mobilização das
massas, e principalmente, das massas agrárias.
Que alianças? Em sua carta à Oposição de
Esquerda indochinesa, Trotsky responde com uma extraordinária clareza: "... não rechaçamos toda colaboração
entre as classes. Pelo contrário, existe certo tipo de colaboração de classes
que procuramos ansiosamente: é a colaboração entre o proletariado e o
campesinato pobre, como também com as camadas inferiores mais oprimidas e mais
exploradas da pequena-burguesia urbana. Essa sorte de colaboração
revolucionaria entre as classes, que só pode se tornar uma realidade com a
condição de que se leve uma luta sem concessões contra a burguesia nacional, e
que transforme o proletariado em verdadeiro dirigente da nação (se pela palavra
nação se entende a maioria esmagadora das massas exploradas e oprimidas das
cidades e dos campos), em oposição ao bloco anti-nacional das classes
possuidoras e do imperialismo.” Neste mesmo texto, Trotsky precisa: 'A
concepção das liberdades democráticas é compreendida pelos democratas vulgares como significando a
liberdade de imprensa e de palavra, a liberdade de reunião, de eleições livres,
etc.. A ditadura do proletariado, em lugar dessas liberdades abstratas , coloca
nas mãos do proletariado os meios materiais e os instrumentos de sua própria
emancipação ( em particular as tipografias, as salas de reunião, etc.). Mas
além disso, a revolução democrática não se limita só ao que se chama de
liberdades democráticas.
“Para os camponeses, a revolução
democrática, é antes de tudo a resolução da questão agrária e a emancipação do
jogo dos impostos e do militarismo, impossível sem a libertação nacional; para
os trabalhadores, a redução da jornada de trabalho é o eixo central da
democracia, pois é a única que pode Ihe dar a possibilidade de participar
verdadeiramente na vida social do país. Todas essas tarefas não podem e não
serão completamente resolvidas senão com
a ditadura do proletariado, que se apóia sobre as massas semi-proletárias urbanas
e rurais. Claro que isso é o que devemos explicar aos operários avançados,
inclusive agora.”.
“ Mas...
não podemos chegar à ditadura do proletariado pelo meio de uma recusa a priori
da democracia. É só lutando pela democracia que a vanguarda comunista poderá
agrupar ao seu redor a maioria da nação oprimida e dessa maneira avançar até a
ditadura que criará também a transição de uma revolução socialista numa conexão
obrigatória com o movimento do proletariado mundial.”
O conteúdo da frente única antiimperialista
é pois antes de tudo, a realização da aliança operária e camponesa sob a
direção do proletariado. A tática da frente única antiimperialista, quer dizer,
a mobilização revolucionária das massas através da qual o proletariado impõe
sua hegemonia, conduz a abrir a via do combate pelo governo operário e camponês
que, tanto nos países oprimidos e atrasados, quanto nas metrópoles
imperialistas, é um governo de transição até a ditadura do proletariado
(ditadura do proletariado que certamente deve se enfrentar com tarefas
imediatas diferentes num país industrialmente avançado e num país colonial ou
semicolonial). É assim que se manifesta o fato de que, nos países atrasados dominados
pelo Imperialismo, a independência de classe do proletariado, quer dizer a luta
por seus objetivos próprios, para sua constituição em classe dominante, é o
eixo estratégico de uma política revolucionária. É assim que se expressa o fato
de que "as tarefas de uma classe recaem sobre as costas de outra"'
(Trotsky - História da Revolução Russa)
Mas o combate estratégico pela ditadura do proletariado
exige que a organização revolucionária combata resolutamente pelo conjunto das reivindicações
nacionais e democráticas.
O desenvolvimento da luta de classes no Peru e a atividade do P.O.M.R.
Não se trata aqui de analisar em detalhes a
situação do Peru, nem de fazer um balanço da atividade do POMR. O que é
necessário é destacar alguns dos traços mais salientes do desenvolvimento da
luta de classes no Peru, assim como as grandes linhas de intervenção do POMR.
O lugar que a luta de classes no Peru e a
política do POMR são levados a ter nessa discussão não é nada artificial.
É no Peru que o novo ascenso revolucionário
que abrange todo o continente alcançou no momento presente seu ponto mais
elevado. É lá que esse ascenso encontrou sua tradução política mais clara. Mas
aqui não se trata de uma realidade "objetiva". A mesma clareza com a
qual os problemas políticos se colocam é também produto da atividade organizada
dos marxistas e de seu combate. O POMR não se limitou ao papel de um comentador
dos acontecimentos, mas sua intervenção, suas iniciativas, não só alimentaram o
combate das massas, como também foram um fator constituinte da situação.
É preciso recordar primeiro a maneira
específica pela qual a realidade de um novo ascenso do proletariado e das
massas oprimidas se expressa no Peru.
Primeiro ela está marcada pelo fato de que
depois de 1968 (quando o ascenso de caráter revolucionário do movimento das
massas colocava na ordem-do-dia, através da derrubada do governo Belaunde Terry,
a luta contra. o Estado burguês, e que as forças armadas tomavam então o poder,
dando como resposta ao movimento das massas medidas antiimperialistas limitadas
e que faziam concessões à classe operária e ao campesinato), a classe operária.
apesar das ondas sucessivas de repressão e dos golpes que lhe foram dados, não
conheceu nem uma derrota nem fracassos maiores.
Isso se traduz sobretudo pela preservação,
pelo proletariado peruano, de suas organizações de classe. O governo Velasco
Alvarado fracassou na sua tentativa de integrá-los e a implantação de
organizações emanando diretamente do aparelho de estado (C.T.R.P, C.N.A.) se tornou também um fracasso.
Apesar do apoio sem reserva dado a Velasco
Alvarado pelo aparelho stalinista, a C.G.T.P permaneceu como quadro de organização independente do Estado da mesma
maneira. a C.C.P preservou a sua independência.
Isso não é o resultado de um processo
simples. Nele intervém elementos que são a expressão direta, no quadro das
condições anteriormente forjadas no Peru, de fatores característicos do novo
período da luta de classes mundial ( período da iminência da revolução) e que
se manifestam, ainda que a referência a esse período não deva ser a colocação
de uma auréola sobre cada análise pretensamente concreta de cada caso. Assim,
apesar do eco que as medidas antiimperialistas limitadas de Velasco Alvarado
encontram nas massas e apesar das ilusões que provocam as primeiras fases de
sua ação governamental, o governo militar é incapaz de constituir, sob sua direção,
um movimento nacionalista burguês enquadrando as massas.
Essa incapacidade não se explica só por
fatores peruanos. EIa é uma expressão concreta dos desenvolvimentos políticos
que são a marca do novo período da luta de classes mundial, ao mesmo tempo que
é a conseqüência de todo o curso da luta de classes na América Latina, desde o
desencadeamento da revolução cubana
No entanto, na sua tentativa de controlar o
movimento das massas, não faltará ao governo Velasco Alvarado apoios internacionais.
O de Castro precisamente manifestando a orientação da burocracia do Kremlin,
que intervirá também através do seu aparelho peruano, em particular para que se
constitua uma central única sobre a base da liquidação da independência organizacional
da CGTP. A realidade do aparelho stalinista como aparelho internacional
centralizado por conta dos interesses da burocracia do Kremlin se afirmou com
uma extraordinária clareza no Peru, ao mesmo tempo que se manifesta, o fato de
que apesar da debilidade do PCP como "partido político nacional”, o stalinismo
no Peru, como expressão nacionalmente organizada de uma realidade internacional,
constituía e constitui um fator contra-revolucionário considerável.
Simultaneamente, a OCI sempre sublinhou em
sua análise, do que ela “define como o período da revolução iminente”, que um
dos aspectos centrais desse novo período é o grau atingido pela crise conjunta
do imperialismo e do stalinismo.
A crise do stalinismo, como crise
internacional do aparelho stalinista encontrou suas raízes na crise da própria
burocracia, se manifestou nos dilaceramentos no seio do aparelho stalinista no
Peru, chegando finalmente a uma cisão (PC 'unidad" e PC “mayoria”). Mas
desde a sua origem, essa crise liberou quadros operários que começaram um
processo de ruptura com o stalinismo procurando defender a independência política
do proletariado peruano. Quer dizer, concretamente resistindo à capitulação perante
o governo Velasco Alvarado e à liquidação das organizações sindicais
independentes.
Desde 1972-73, através do combate da classe
operária, o fracasso de Velasco Alvarado estava firmado. O processo de ruptura
de organizações sindicais muito importantes com a direção da CGTP, a formação
de federações independentes como a dos Mineiros, constituíam um ponto de apoio
essencial para a mobilização das massas, representavam um fator político de
primeira importância. E através desse processo que apesar da vontade da direção
stalinista, a independência organizacional da CGTP se preservava.
O fracasso de Velasco Alvarado provoca sua
queda. O governo de Morales Bcrmudez não foi seu simples prolongamento. O
governo de Morales Bermudez tinha como tarefa preparar o enfrentamento, colocar
em questão as conquistas arrancadas durante a instalação do governo Velasco
Alvarado. Mas ele mesmo é produto do agravamento da crise política alimentada
pelo movimento das massas que continua.
Desde 1976, precisam-se, pois, no Peru,
todas as características de uma situação pré-revolucionária.
É inútil aqui recordar a cronologia dos acontecimentos
que levam a greve geral de julho de 1977.
Mas temos que sublinhar duas constatações.
Em primeiro lugar, e para que não subsista a menor dúvida, para aqueles que se
reclamam, um pouco que seja, do marxismo, a questão da independência “formal” das
organizações sindicais não é uma questão formal. A preservação pela ação do
proletariado peruano de suas organizações sindicais independentes lhe fornece
um quadro de mobilizações sobre seu próprio terreno, e é determinante na sua
Capacidade de empreender o agrupamento do conjunto das massas oprimidas do
campo e da cidade ao seu redor.
A manutenção das organizações sindicais
como organizações de classe é um fator que modelará o desenvolvimento da crise
no Peru, que determinará seu andamento, e em particular a existência e o peso
das federações independentes (quaisquer que sejam as debilidades de suas direção)
será um elemento central para materialização de passos adiante na via da
constituição de uma verdadeira frente-única antiimperialista.
Frente única antiimperialista em razão das
tarefas que deve resolver, o revolução proletária no Peru, frente cuja articulação
decisiva é a realização é a aliança operária e camponesa, posto que é uma
frente que se baseia sobre hegemonia do proletariado que se manifesta no papel
central de sua organização de classe.
Em segundo lugar, existe o fato de que se a
questão da assembléia constituinte soberana surge como coroamento de um conjuntura
reivindicações democráticas, nacionais, operárias e camponesas, surge como uma
questão imediata, como uma palavra-de-ordem de agitação correspondente às
necessidades mais urgentes da situação é corno conseqüência prioritária da ação
de classe do proletariado alimentada pela atividade política da organização
marxista, formulando as palavras-de-ordem políticas correspondentes ao desenvolvimento
da situação, não como resultado de um processo qualquer de
"constitucionalização” entabulado pela burguesia, nem como produto de uma
mobilização "democrática” iniciada por uma fração quaisquer da burguesia.
Até o período eleitoral propriamente dito, o APRA ficará silencioso e os outros
partidos burgueses por seu lado deixarão toda liberdade de ação ao governo
militar.
A desagregação do edifício repressivo
erigido por Moralez Bermudez (o estado de sítio) é o resultado da mobilização
do proletariado e das massas oprimidas, realizando a unidade de suas organizações
na greve geral de 19 de julho, imposta ao aparelho stalinista.
Mas o movimento das massas que culmina
então nesta greve, destacou já, pelo
menos de maneira embrionária, os elementos que tenderão a ser decisivos no
período que começa com a greve geral de maio de 1978 e as eleições de junho de
1978.
É através dos combates havidos em 1976 e em
particular a grande greve dos pescadores que se coloca a questão de um “comando
político". É nesse momento que, graças a traição aberta dos stalinistas, quebrando
a greve geral de janeiro de 1978, o "plano constitucional' do governo)
parece se aplicar. Ao mesmo tempo, surge em Chimbote, a partir da greve da
Sider-Peru, uma "Assembléia Popular", que prefigura a de Moquega e
que expressa o contexto político, do ponto de vista da correlação de forças entre
as classes que vão se desenvolver na assembléia falsificada de Bermudez.
Noutros termos, o lugar das reivindicações
nacionais e democráticas não procedem da existência de uma fase de certa
maneira "puramente”democrática que conduziria a uma fase onde, por seu
turno, reivindicações sociais, operárias e camponesas encontrariam seu lugar,
mas pelo contrário, é a mobilização de caráter revolucionário das massas
oprimidas e exploradas e em primeiro lugar do próprio proletariado, feita de
imediato em redor de reivindicações operárias e camponesas que põe na ordem dó
dia as tarefas nacionais e democráticas e a questão da Constituinte. É porque o
proletariado marca com seu cunho todo o curso dos acontecimentos que as
reivindicações democráticas e nacionais são projetadas no primeiro plano.
E, é preciso sublinhá-lo, isso não acontece
independentemente da atividade consciente e organizada pejo POMR, levantando a
perspectiva política necessária à mobilização das massas, dando uma expressão
concreta e precisa das reivindicações democráticas, nacionais, operárias e
camponesas.
Sabe-se como isso se manifesta no desenvolvimento
mesmo dos acontecimentos: é a greve geral de 19 de Julho de 1977 que,
desagregando os planos repressivos do governo precipita sua crise. A maturação
da situação pré- revolucionaria alcança então o ponto em que a questão do poder
se coloca de maneira mais aguda, onde para a burguesia a necessidade de
modificar
A forma de dominação existente se torna urgente.
Com apoio de todas as formações políticas da
burguesia e do partido stalinista, o governo avança então o que foi definido
como um -plano político-, quer dizer uma tentativa de dar uma fachada “constitucional'
a uma manutenção temporária do governo das forças armadas até que possa se
operar uma transição até outras formas de dominação da burguesia.
A realização desse “plano político” se
chocava claramente com o nível atingido pela atividade política de classe (o
que significava que ela ia procurar inevitavelmente explorar por sua própria
conta todas as aberturas "democráticas”, truncadas, outorgadas que este
plano implicava) e com o caráter mesmo das instituições bonapartistas.
Nesse sentido, pode-se dizer que a expressão
precisa no Peru do fenômeno que se desenvolvia a uma escala continental
conduzia objetivamente, mecanicamente mesmo, a convulsões crescentes do regime
militar, a uma crise explosiva. Mas a maneira pela qual essa situação se
traduzia politicamente não estava automaticamente determinada. A existência de
um eixo político centralizador exigiu a intervenção sobre uma linha fundamental
correta de uma vanguarda que alimentava o movimento espontâneo das massas
abrindo-lhes uma saída política
É preciso repeti-lo: não é a debilidade política
do movimento do proletariado que explica o lugar de primeiro plano das
reivindicações nacionais e democráticas, é pelo contrário, sua atividade que as
põe na ordem do dia.
É a partir disso que se entende a
importância essencial que o POMR teve levantando uma estratégia centrada na
reivindicação da assembléia constituinte, opondo-a à assembléia outorgada e sem
poderes, que queria o governo militar. No quadro de um balanço detalhado da
política do POMR, seria preciso incontestavelmente se ater mais demoradamente
sobre toda uma série de problemas táticos: daremos aqui apenas alguns elementos.
Mas basta aqui sublinhar que o POMR definiu
uma estratégia de conjunto correta, correspondente às necessidades da luta das
massas, porque partia da aquisição teórica cristalizada no Programa de
Transição: a obstinação com a qual, apesar das pressões, o POMR manteve a
palavra-de-ordem da constituinte soberana, que é a materialização dessa estratégia. Mas essa obstinação não se
traduz por uma simples repetição propagandista de palavra-de-ordem: O POMR
destacou os meios políticos para fazer dessa palavra-de-ordem uma alavanca da
mobilização das massas, o eixo mesmo da realização da unidade das organizações
operárias e antiimperialistas.
É preciso recordar aqui alguns elementos
quanto à maneira pela qual o problema do combate por uma frente única antiimperialista,
baseada num programa de reivindicações nacionais democráticas, operárias e
camponesas, se colocou concretamente na conjuntura aberta após a greve geral de
julho de 1977.
No ponto de partida, há os princípios - o
programa - encarnados numa política, quer dizer, na atividade centralizada de
uma organização unificando teoria e prática através da intervenção na luta de classes.
Há o fato de que os marxistas -- e só eles – “levantam” o problema da
constituinte soberana. Há o fato de que
a organização marxista começa a avançar a palavra-de-ordem da constituinte soberana
dando-lhe todo seu conteúdo muito antes que essa palavra-de-ordem encontre uma
expressão concreta particular em relação à tentativa governamental. (grifo
do editor)
Isso é o fruto da experiência desde já acumutada
pelos marxistas peruanos, através de seu combate, mas é também o resultado de
uma discussão levada num quadro internacional, uma expressão do que significa o
combate pela reconstrução da IV Internacional.
Há o fato também --e que sobretudo é
preciso não subestimar -- que se expressa no alcance político da existência das
Federações independentes, em particular da Federação dos Mineiros,
independentemente do caráter vacilante de sua direção, como ponto de apoio para
que a classe operária possa expressar uma política independente e empenhar-se na
realização de uma frente única das organizações operárias e antiimperialistas.
Foi assim que o 8º Pleno da Federação dos Mineiros,. sob o impulso dos marxistas,
chamava a participar das eleições numa linha de independência de classe:
" Lutemos por uma assembléia que levante as reivindicações
mais sentidas pelas massas expíoradas e oprimidas na via traçada pelas perspectivas
históricas do proletariado”
Essa iniciativa da Federação dos Mineiros
ia ter um peso considerável no desenvolvimento da situação: ia focalizar as
tentativas de constituição de uma frente sobre uma “plataforma correta que
reflita as aspirações de diferentes setores explorados e oprimidos” como o
dizia também a resolução adotada pelo 8º Pleno.
Claro é que a direção da Federação dos Mineiros
renunciaria então a lutar de uma maneira conseqüente para traduzir nos fatos a
linha do 8º Plenum e a Federação daria seu apoio à União Democrática e Popular
(U.D.P.) sobre a base de uma plataforma que não integrava a reivindicação da Constituinte
soberana oposta à Assembléia outorgada de Bermudez.
Mas a importância das decisões do 8º Plenum
residia antes de tudo no fato de que uma organização que ocupa um lugar central
para a organização como classe do proletariado peruano, punha em relevo o
conteúdo da palavra-de-ordem da constituinte soberana. Como Trotsky o
sublinhava, o conteúdo da revolução democrática integra essas reivindicações
"mais sentidas” que a Federação dos
Mineiros coloca no centro do seu apelo. É só assim, pela combinação das palavras-de-ordem
nacionais, democráticas, operárias e camponesas que se assegura o vínculo
necessário entre a palavra-de-ordem de constituinte e o “programa democrático
revolucionário” (libertação nacional, questão agrária)
E é isso que materializaria - em particular
graças à intervenção do POMR -- a plataforma constitutiva da FOCEP. Esta
respondia concretamente à maneira pela qual podia ser apontada uma saída
política para o movimento das massas.
A crise que se agravava no Peru não era em
geral a crise do nacionalismo burguês obrigado a se acomodar à dominação
imperialista e a capitular perante ele. Era a crise precisa de um regime
bonapartista determinado, era uma crise que se inscrevia numa situação
internacional e continental dada (as conseqüências da derrota de alcance
mundial do imperialismo no Vietnam e as conseqüências, do ponto de vista das
relações entre o imperialismo e as burguesias nacionais, da marcha à
desagregação do mercado mundial).
A crise profunda nos planos econômico,
social, político que dilacerava o Peru se manifestava primeiro na falência
irreversÍvel do regime bonapartista, e punha em julgamento os
"métodos" desse regime, quer dizer, antes de tudo, seu caráter
arbitrário e anti-democrático. A palavra era então do povo, a ele lhe tocava decidir.
Assim vinculado, às tarefas históricas fundamentais resultantes da dominação
imperialista, o conjunto das questões democráticas se impunha como uma
necessidade à qual respondia a palavra-de-ordem da constituinte soberana.
Assembléia constituinte para erguer,
afirmar, centralizar a vontade antiimperialista e revolucionária do povo
trabalhador e oprimido do Peru - vontade que se choca primeiro com o obstáculo
do governo militar cada vez mais estritamente submetido aos ditames do
imperialismo: Assembléia constituinte para concentrar e exigir a realização da
vontade da maioria arrasadora, de todos aqueles cujos interesses são
fundamentalmente opostos ao imperialismo e à burguesia que lhe está
subordinada.
A luta peta assembléia constituinte
soberana é também o terreno de entrada na cena política da imensa massa
camponesa privada até do direito de voto.
É sobre uma plataforma correspondente a
essas aspirações que a FOCEP se constitui, unindo organizações políticas
operárias, sindicais, camponesas e personalidades antiimperialistas.
Representava um passo adiante na via da realização da frente única
antiimperialista.
Mas a palavra-de-ordem da constituinte
soberana não podia ser a alavanca da mobilização revolucionária das massas na
via do governo operário e camponês se não fosse apresentado precisamente como
um meio para acabar com o governo militar.
Donde a necessária insistência - que pode
aparecer tautológica - no fato de que a assembléia deve deter o poder
(assembléia constituinte soberana e com poder!). Era assim e só assim que se
expressava a ruptura sem equívoco com o "plano governamental": uma
constituinte que redige uma constituição e o governo militar que continua a
governar.
Como o recordava Trotsky em "A
Internacional Comunista depois de Lênin’, o combate vitorioso pela ditadura do
proletariado na Rússia foi levado através da defesa enérgica de todas as reivindicações
da democracia, inclusive a representação popular baseada sobre o sufrágio
universal, a responsabilidade do governo perante os representantes do povo.
etc.".
Um pseudo-radicalismo
"anti-parlamentarista", a denúncia da "democracia
burguesa", só mascaravam a recusa dessa ruptura.
Repetimo-lo: a insistência sobre a
soberania da constituinte expressa a essência da palavra-de-ordem: o poder
"constituinte" coloca a questão do governo do Estado. Porque o
partido revolucionário do proletariado combate pelas reivindicações nacionais e
democráticas, expressa até o fim na significação da palavra-de-ordem da
constituinte: a soberania da constituinte significa um governo responsável
perante ela. Para os revolucionários, esse governo, já que estará encarregado
de empreender a realização das tarefas nacionais e democráticas, não pode ser
senão o governo operário e camponês:
- Constituinte Soberana
- Governo responsável perante à Constituinte
- Por um governo operário e camponês
Sabe-se que o sucesso da FOCEP se deve
essencialmente a dois fatores. Por um lado, ao fato de que ele apareceu como a
frente que combatia conseqüentemente para acabar com o governo militar e por
uma plataforma correspondente às aspirações mais urgentes das massas, por outro lado ao fato que se impôs como a
frente combatente pela unidade.
Mas
não é porque isso aparece hoje como uma evidência que não é necessário sublinhar
- e isso é um ponto central da discussão -- que não se trata dos resultados de
uma tática hábil senão das conseqüências de uma batalha política no terreno dos
princípios, da aplicação do método marxista, do método do Programa de
Transição.
Três outras questões devem agora ser
abordadas brevemente antes de concluir.
A primeira é a questão do boicote às
eleições na Assembléia, após a greve geral de 22-23 de maio, quando a
repressão. impotente para romper o movimento das massas, destruiu o verniz
democrático com o qual o governo militar tinha tentado cobrir a preparação
dessas eleições.
Certamente, se trata aqui de um problema
tático, mas isso não significa de jeito nenhum que é secundário. E não teria
havido uma contradição, poderia se perguntar, entre toda a orientação seguida
até então pela FOCEP e o recurso do boicote? Ou ainda, o sucesso da FOCEP no
terreno eleitoral não significou um desmentido à validade dessa tática?
Para a OCI que havia colocado a questão do
boicote, não propondo que o POMR se encarregasse sozinho da realização efetiva
de um boicote, mas propondo que o POMR avançasse essa tática e propusesse a
todas as organizações ou frentes que se reclamam da classe operária e do
antiimperialismo realizar á unidade, sobre este ponto não existia aqui nenhuma
contradição.
O que colocava a questão do boicote, não
era unicamente a flagrante colocação em questão de todas as condições de um
processo eleitoral por pouco democrático que fosse, mas era prioritariamente o
fato de que o ascenso de caráter revolucionário das massas, materializado na
poderosa greve geral de maio, desagregava o plano constitucional do governo, e
exigia que se formulasse para as massas uma perspectiva política que fosse além
da constituinte outorgada antes mesmo de sua eleição. Usando de todas as
reservas necessárias para uma comparação entre períodos diferentes e situações
muito diferentes, existe aí uma analogia com a situação espanhola durante a
derrubada da monarquia, quando Trotsky explica que o movimento das massas
ultrapassa as Côrtes de Berenguer.
Não existia nenhuma oposição entre o lugar
central da palavra-de-ordem da assembléia constituinte soberana e a passagem em
função do grau atingido pela mobilização das massas, à tática do boicote formulada
em termos propagandísticos frente à assembléia que o governo militar pretendia
estabelecer. Por um lado, a luta com palavra-de-ordem de constituinte soberana,
integrando nela seu pleno conteúdo de palavra-de-ordem transitória na via dos
conselhos, da ditadura do proletariado, não se pode de jeito nenhum identificar
com a participação ou não eleições dadas. Por outro lado, é precisamente em nome
do combate pelo objetivo democrático da soberania do povo, quer dizer pela constituinte soberana , que as
proposições pela frente única na questão
do boicote abria uma perspectiva política centralizada no combate das massas
para acabar com o governo militar.
Podemos certamente discutir os problemas
que colocava tal iniciativa. Tornamos a dizê-lo a proposição da OCI não tinha
nenhum caráter ultimatista. Não implicava que a recusa por parte de outras
organizações membros da FOCEP em aceitar a perspectiva do boicote devia
resultar na recusa de participar nas eleições da constituinte outorgada. A
proposta do boicote significava que o partido revolucionário, em toda política
de frente única, deve defender suas próprias posições. Mas ver nesta proposta
uma oposição à linha estratégica, que tinha como eixo a reivindicação da
constituinte soberana, seria cair numa concepção formal, parlamentarista e
eleitoralista dessa palavra-de-ordem,
quer dizer, esvaziá-la do seu conteúdo transitório e conseqüentemente, revolucionário.
Seria tão absurdo quanto se opor à formula "governo responsável perante a
assembléia”, porque isso significaria que os revolucionários sustentariam um
governo burguês: pelo contrário, traduzir em suas últimas implicações a significação da “soberania do
povo”, é dar à reivindicação da constituinte toda sua dimensão de
palavra-de-ordem transitória até os soviets, indicando precisamente que, para o
partido revolucionário, o governo responsável perante uma assembléia deve ser o
governo e camponês sobre o programa das reivindicações nacionais, democráticas
e camponesas.
A segunda questão sobre a qual é preciso
voltar, pois ela corresponde a todas as objeções que de todas as partes se
levantaram contra a política do POMR, é a questão da maneira pela qual o combate
tinha de ser levado em relação à assembléia eleita no dia 18 de junho.
A política do POMR se traduz, se sabe, pelo
apoio a “moção vermelha”. Por seu lado, a OCI considera que a participação do
POMR na redação e na apresentação dessa moção era perfeitamente correta. Vê
nessa iniciativa, não uma feliz manobra num quadro parlamentar, mas uma medida
necessária, num dado momento do combate, para alimentar a mobilização das
massas na via da revolução proletária.
A objeção formalista mais elementar a essa
moção é que a assembléia, sendo uma assembléia anti-democrática, evidentemente
não podia ser soberana. A esse argumento, um dos assinantes da moção e seu
principal redator, Genaro Ledesma, que no entanto não se reivindica do
marxismo, bem longe disso, tinha respondido publicamente , num comício de
massa, na mesma tarde em que essa moção foi apresentada. Evocava o exemplo da
revolução francesa nas qual os representantes do Terceiro Estado tinham
empreendido a luta revolucionária contra a monarquia absoluta colocando contra
ela e contra as ordens que defendia: a dominação e os privilégios, a questão da
soberania a partir de uma assembléia anti-democrática. Lepisma acrescentava que
a partir desse ato, só se passaram alguns anos antes que o absolutismo fosse
derrubado. Mas, precisava ele, se tratava então da revolução burguesa: no Peru hoje, é a outra
classe, o proletariado, que cabe conduzir a revolução...
Constatar
que Genaro Ledesma Genro Ledesma soube então resumir a
significação da "moção vermelha”- não é de modo nenhum analisar o conjunto
de suas posições políticas, pelo
contrário, a maneira pela qual Ledesma justificava a “moção vermelha" condena antecipadamente
toda adesão a uma solução de frente popular.
Acrescentamos que não se podia evitar, do
ponto de vista das necessidades da mobilização das massas, do desenvolvimento de
seu movimento, de ter em conta a colocação da assembléia.
As massas, após as eleições nas quais elas
tinham - apesar das condições do voto - traduzido em particular pelo voto massivo
na FOCEP, sua vontade de acabar com o governo militar, que se tinha afirmado
nos possantes movimentos de classe do mês de maio e que continuavam na greve geral
dos professores, tinham os olhos fixos não sobre a assembléia em si, mas sobre
os seus representantes, o que eles iam fazer do mandato que as massas Ihes
tinham confiado?
As condições políticas de conjunto nas
quais se desenrolaram as eleições significavam também que a assembléia era
incapaz de jogar eficazmente o papel de simples fachada peja qual era
concebida. Sua existência aprofundava a crise. Nesse sentido também, não era
possível ignorá-la.
Mas aqui não reside o mais importante. O
mais importante era como responder partindo do movimento das massas, como o
alimentar politicamente, o ajudar a ultrapassar os obstáculos?
Era possível com uma atitude de abstenção pura
e simples dos deputados eleitos sobre chapas operárias e antiimperialistas, e
dos quais os trabalhadores peruanos esperavam combate em todos os terrenos,
inclusive nessa Assembléia onde eles tinham levado? Era possível pelo simples
recurso a “intervenções” e a “moções" que, por mais radicais que fossem teriam
aceitado o quadro outorgado da assembléia?
Não. A “moção vermelha” expressa em termos
claros as aspirações, as reivindicações, a vontade das massas: diz nitidamente:
é preciso que o governo militar se vá, é
preciso que essa assembléia constituinte tome todos os poderes para aplicar
imediatamente um plano de emergência incluindo a ruptura da subordinação com
respeito ao imperialismo, a reforma agrária, a satisfação das reivindicações
operárias, o exercício de todas as liberdades democráticas.
A ‘moção vermelha" vincula de maneira
"indissolúvel" a questão da soberania da constituinte com o combate
pelo cumprimento das tarefas nacionais e democráticas, pela satisfação das
reivindicações operárias e camponesas. E o programa de ação que expressa a
soberania do povo, porque corresponde a sua vontade de acabar com a miséria, a
opressão e a exploração.
Nesse sentido, evidentemente sob uma forma
tática particular, a “moção vermelha" corresponde ao conteúdo transitório
da palavra-de-ordem da constituinte soberana. Claro, o fato de que certos de
seus assinantes não tivessem consciência disso é outro assunto, mas é sobre
esta base que se realizou a unidade.
Nesta medida, a "moção vermelha"
foi antes de tudo um apelo à mobilização das massas, no seu próprio terreno,
com seus próprios métodos.
Unânimes, os representantes da burguesia
opuseram-se à "moção vermelha”, colocaram-se
junto ao governo militar, indo ter com eles, os deputados stalinistas, assim como
os maoístas, anti-marxistas de "Bandera Roja", que utilizavam, por
sua parte, o argumento segundo o qual essa moção aspirava a dar o poder a esses
partidos burgueses, e não é um acaso que esse mesmo grupo participe hoje das
manobras aspirando à constituição de uma Frente Popular.
A "moção vermelha", quer dizer, a
intervenção política se apoiando sobre as posições ocupadas pelos
revolucionários no seio da assembléia outorgada foi um elemento indispensável
na materialização efetiva da transição até os soviets.
Aqui está o terceiro ponto que temos de
sublinhar. “Em certa etapa da mobilização das massa sobre as palavras-de-ordem
da democracia revolucionária, os soviets podem e devem surgir”, explica o
Programa de Transição, que nota também ao afirmar que esse programa é
totalmente aplicável aos países coloniais e semi-coloniais, que "apenas
começou o proletariado chinês a organizar sindicatos foi obrigado a pensar nos soviets”.
No Peru, também as massas tiveram de
"pensar" nos soviets, quer dizer, foram levadas, através de sua luta,
a edificar organismos abertos "aos representantes de todas as camadas que
são arrastadas na torrente geral da luta" .
Certamente, a emergência de organismos de
caráter soviético ou que vão nesse sentido, "comitês”, "assembléias
populares", surge do desenvolvimento da luta da classe operária, do seu
grau de mobilização. O surgimento de formas soviéticas ou pré-soviéticas não é
nada artificial, não pode ser uma "criação" exterior à mobilização de
caráter revolucionário das massas, no nível onde se materializa politicamente
sua necessidade de unidade. Porque o soviet é antes de tudo a representação das
massas em luta, não poderia ser uma fabricação minoritária.
Mas os soviets não são somente a expressão
máxima da frente única. Através disso, eles são a força necessária do poder
operário, o instrumento da ditadura do proletariado. E com eles que o
proletariado, encabeçando as massas camponesas e as massas oprimidas em geral,
governará, exercerá o poder e começará a realização das tarefas nacionais e
democráticas não resolvidas, indissoluvelmente vinculadas às tarefas
especificamente socialistas, quer dizer, a destruição do Estado burguês e a
expropriação do capital (elementos inseparáveis e necessários à dominação
imperialista).
Assim, abrir a via dos soviets, avançar a
perspectiva de sua centralização e fazer desse objetivo aquele das mais amplas
massas não procede só de uma atividade espontânea das massas: tal concepção
equivaleria a fazer do partido revolucionário em construção um fator exterior à
luta de classes, quando ele é um componente, e um componente específico, do
movimento histórico da classe operária na via da realização de sua dominação de
classe.
Não é como resultado de uma "incitação’
exterior ao desenvolvimento do movimento das massas e de sua consciência que
surgiram, desde a greve de Vitarte (junho de 1976), aquela dos pescadores
(novembro de 1976) e depois em Chimbote em janeiro de 1978, os elementos
constitutivos de organismos soviéticos.
Mas se a constituição de organismos de
caráter soviético, como um problema que se coloca a nível nacional, quer dizer.
implicando de imediato a luta por sua centralização, procede das próprias
necessidades das massas em luta, só procede delas com relação à atividade
organizada aos marxistas, da vanguarda revolucionária soldada no programa mundial
da revolução proletária, quer dizer, com relação ao combate do POMR.
Se hoje, à nível de setores vitais da
classe operária, o combate pela realização da unidade das organizações
operárias e antiimperialistas toma a forma precisa do combate pelo desenvolvimento
das assembléias populares e por sua centralização, é porque através de seu
combate pelo conjunto das reivindicações nacionais, democráticas, operárias e
camponesas, pela utilização da alavanca da luta pela constituinte soberana, o
POMR abriu essa via.
Aqui está o mais importante. Todos os desenvolvimentos
da luta de classes orientam-se no Peru, sem que possamos predizer os ritmos ou as formas particulares, até
enfrentamentos decisivos.
A maturação da situação política precisa os
termos da alternativa à perspectiva aberta pelo desenvolvimento das assembléias
populares e o combate por sua centralização, opõe-se a via da Frente Popular da
subordinação à burguesia.
A Frente Popular é com o fascismo, sublinha
o Programa de Transição, o último recurso do imperialismo contra a revolução
proletária. Esse último recurso, o imperialismo e a burguesia utilizam-no
somente depois de ter esgotado as outras possibilidades para vencer o movimento
das massas. Nessas tentativas, foram secundados, no Peru como em outros
lugares, o aparelho stalinista que fez tudo para preservar o governo militar.
Mas hoje, o PCP - com a ajuda aberta de
grupo, que pareciam ser ferozmente
opostos a ele, como "Bandera Roja"
- se orienta até a Frente Popular. Nessa via, choca-se à realidade da FOCEP,
como primeiro passo na via da realização da frente única antiimperialista.
A destruição da FOCEP - quer seja sob a
forma de sua explosão, ou de sua descaracterização -- é indispensável para a colocação
de uma solução de frente popular. Desse ponto de vista, a entrada na FOCEP do
grupelho burguês, o ARS, produto de uma cisão do partido burguês do antigo
presidente da República, Belaunde Terry, toma toda sua significação. Quaisquer
que sejam as formas exatas que conhecera o desenvolvimento da luta, o combate
contra a frente popular concentrará as questões mais vitais para o futuro da
revolução proletária no Peru.
As lições das primeiras fases desse combate,
de que não podemos subestimar o significado para o desenvolvimento da luta de classes
na América Latina, devem ser plenamente tiradas e generalizadas como um elemento
da luta pela reconstrução da IV Internacional.
E o primeiro desses ensinamentos, é a plena
verificação, nas condições precisas do presente período da luta de classe mundial,
do método do Programa de Transição, da expressão programática da teoria da revolução
permanente, tal como se expressa, nos casos dos países economicamente atrasados
e submetidos à dominação do imperialismo, pelo lugar, como palavra-de-ordem de
mobilização das massas em direção à revolução proletária na via da constituição
da ditadura do proletariado, das palavras-de- ordem nacionais e democráticas.
E para concluir nesse ponto, nos limitaremos
a referir à última parte da revolução política adotada pelo congresso do POMR
(La Vérité nº 584, pág 63- 67).
Uma discussão necessária
A função dessa primeira contribuição não
era polêmica. Tentou, em partIcular com relação à luta de classes no Peru e com
relação as experiências programáticas de
nosso movimento, expor nossas posições.
Naturalmente, esse passo deságua na
necessidade de uma discussão, primeiro no seio do Comitê de organização, que
resolva os problemas políticos em questão.
Não pode existir uma preparação política
efetiva da III Conferência das organizações marxistas da América Latina sem que
nela se integre (mas ligados com uma análise fundamental da luta de classes na
América Latina e em cada país, os elementos tratados nesse texto, sem ter em
conta, não somente a verificação das posições programáticas da IV
Internacional, mas também a maneira pela qual, nos países onde os processos
políticos continentais atingiram precisamente o seu ponto mais elevado, o
combate foi levado.
A OCI nunca deixou de sublinhar que uma das
expressões fundamentais do período da luta de classes na qual nos encontramos a
nível mundial ( o “período da revolução iminente”) era que a luta do proletariado tendia de certa
forma a se cristalizar nas formas mais “puras”, mais “clássicas”. É isso que
põe em relevo a extraordinária atualidade, como guia da ação imediata, das
conclusões do Programa de Transição. Não existe problemas táticos "em
si", quer dizer independentemente da estratégia revolucionária e dos
princípios nos quais está baseada. A política revolucionária não é um jogo no
qual a definição das táticas, das palavras-de-ordem procedem de uma escolha
arbitrária. Existe um vínculo orgânico entre a estratégia revolucionária e suas
necessárias expressões táticas. Assim, a discussão sobre a palavra-de-ordem da
assembléia constituinte soberana é, procuramos mostrá-lo, uma discussão que se
refere ao programa, à teoria da revolução permanente como expressão
generalizada da dinâmica da revolução proletária mundial.
Assim, se o CORQUI quer jogar o papel que
deve ser o seu, aquele da força motriz do combate pela reconstrução da IV
Internacional como partido mundial da revolução socialista, é preciso que esses
problemas se clarifiquem totalmente através da discussão. Aliás, se o POMR pode
encarar positivamente o desenvolvimento da luta de classes no Peru, isso e devido
a discussão que se deu no seu interior e aos elementos da discussão internacional
que resultaram disso. O primeiro boletim de discussão preparatória à Conferência
das organizações marxistas da América latina contém os documentos principais da
discussão (ver Boletim de discussão do CORQUI nº 1).
Essa discussão foi um elemento importante
na preparação política do POMR e de suas tarefas. É interessante notar que um
dos participantes dessa discussão (que desde então fundou um grupo, o GOMR), Eugenio,
se bem que ele colocava a questão da palavra-de-ordem da assembléia
constituinte, dava lhe uma formulação estreitamente parlamentarista e
conseqüentemente contrária à maneira pela qual os revolucionários colocam o
problema.
Com efeito, ele escreve: ",4 luta
para impor a democracia no país é a luta para abrir à classe operária e às massas
populares imensas possibilidades de desenvolvimento político, de alargamento da
cultura, de reforço de suas organizações de luta.”
“ É por isso que os marxistas, nas circunstâncias
atuais, se pronunciam e chamam a combater com os métodos da classe operária
para os objetivos da democracia política, e em primeiro lugar, por uma assembléia
constituinte soberana.”
".4s conquistas universais da
democracia burguesa não tiveram um desenvolvimento real no Peru, em razão de
sua condição de país atrasado e oprimido pelo imperialismo "
Claramente, o que emerge aqui, é a posição
da revolução por etapas: uma etapa democrática que "abre à classe operária
e às massas populares imensas possibilidades, e depois uma segunda etapa.
Não. O que está na ordem do dia no Peru, é
a revolução proletária, a destruição do Estado burguês e não a extensão das
"conquistas universais da democracia burguesa”. A palavra-de-ordem de
assembléia constituinte não é aquela da realização da ‘democracia política”. Ela
é uma alavanca a mobilização revolucionaria das massas para a realização das
tarefas nacionais e democráticas diretamente combinadas com as reivindicações
operárias e camponesas, tarefas que não podem encontrar sua solução a não ser
pela ditadura do proletariado, começando a transição ao socialismo.
Tem-se de sublinhar que uma vez sozinhos,
Eugenio e seus partidários se orientaram até uma posição formalmente muito
"esquerdista". Sublinhando o caráter efetivamente anti-democrático do
"processo eleitora”l aberto depois da greve geral de julho de 1977, chamaram
à não-participação nas eleições, opondo à "Constituinte outorgada" de
Bermudez, não o combate real pela constituinte soberana, mas uma constituinte
ideal e intemporal. Chegaram até a posição de chamar a sabotar a coleta de
assinaturas imposta pela lei eleitoral para apresentar candidatos pelas chapas
operárias e antiimperialistas, indo ter nesse terreno com os elementos mais
decompostos, oriundos do maoísmo.
Mas esse esquerdismo que condena esse grupo
a atacar brutalmente o movimento pela frente única, a se perder nas piores táticas
de divisão anti-operária, apoiava-se na sua concepção inicial. A questão não era
para ele o combate sobre a palavra-de-ordem
constituinte como eixo de mobilização das massas para acabar com o governo
militar, mas a necessidade do estabelecimento de uma “boa”, de uma “verdadeira”
constituinte como instrumento da realização da democracia burguesa.
E não é um acaso, se ao longo de seus
ataques e de suas manobras sem principias dirigidos contra o CORQUI e o POMR, Política Obrera (organização argentina) tentou
se utilizar desse grupo como ponto de apoio
Conhece-se a maneira pela qual o PO coloca
a questão da constituinte. Não temos a intenção de demorar nesse ponto, Por um
lado, porque a caracterização dessa posição já foi feita na resposta do cda.
Just ao texto do PO sobre os sindicatos e na resolução do CC da OCl que esta
submete ao próximo BI. Por outro lado - e isso sobressai nas caracterizações estabelecidas
nos textos citados - porque essa posição não é mais que uma expressão
particular da ruptura aberta com o método e o programa marxista por parte de
PO. E trata-se aqui de delimitar o terreno de uma discussão a partir de um
mínimo de referências comuns.
Num texto adotado pelo congresso de PO em março
de 1977, afirma-se que: '... Qual é o vínculo político entre essa palavra-de-ordem
e a palavra-de- ordem da derrubada do regime militar? Dito de outro modo
, pode a ditadura convocar a constituinte?' No caso afirmativo, não seria esta completamente impotente frente
ao monopólio do poder real detido pelas forças armadas? Teríamos de ,formular assim a posição: por uma assembléia
convocada pelo governo operário e camponês? De maneira mais geral: não é completamente
irrealizável a assembléia constituinte devido ao antagonismo atingido entre a
burguesia e o proletariado? Fazer da derrubada do governo miIitar a condição da
convocação de uma assembléia constituinte soberana e democrática,é colocar, na
situação atual, o carro diante dos bois.
“As massas empreendem uma luta defensiva
sob as palavras-de-ordem gerais da democracia: subordinar a convocação da Constituinte à eliminação prévia da ditadura é
esterilizá-la completamente. O objetivo da palavra-de-ordem é de dar aos trabalhadores
em luta uma perspectiva política unificada, centralizada que Ihes ajude a se
opor de maneira centralizada ao governo militar. Introduzir a condição prévia
de eliminação deste significa que se pensa que essa centralização já se realizou e que se pode começar a
luta direta pelo poder”
Passemos sobre a incompreensão manifesta do
que significa a palavra-de-ordem de assembléia constituinte soberana --
e mais geralmente aliás, do que significa qualquer palavra-de-ordem de caráter
transitório. A posição errada de PO vai muito mais além disso. É coerente com
sua concepção do governo Videla como governo de tipo “semi-bonapartista”.. “que
joga um papel de arbitragem entre a burguesia nacional e o imperialismo. Como foi
dito, não nos alongaremos inutilmente nesse texto, retomando a demonstração feita
pelo cda. Just que mostra que se PÓ descaracteriza assim a palavra-de-ordem da
Constituinte, é para não orientar o combate das massas na linha estratégica da
derrubada do governo Videla . Mas será talvez útil iluminá-lo,
referindo-se ao exemplo do Peru.
O
governo militar de Bermudez - que não é identificável com o governo comprador
de Videla - convocou uma assembléia, quer dizer que se fixou como tarefa
instalar uma assembléia outorgada. Essa assembléia não é nem constituinte, nem
soberana. E é a partir daí que o POMR dirigiu uma luta política no terreno
eleitoral, utilizando o meio da participação eleitoral: denunciando essa
assembléia pelo que ela era. Era indispensável a formulação da palavra-de-ordem
da constituinte soberana como alavanca da mobilização da classe operária e das
massas oprimidas: Soberana, quer dizer exercendo todos os poderes, e por isso
mesmo. exclusivo da manutenção do governo militar, colocando diretamente a
questão do seu desaparecimento.
A nota engraçada é que Jorge Altamira
redigiu recentemente um artigo para assinalar seus desacordos com a política seguida
pelo POMR. Ele conclui soberbo com uma citação latina: “Dixi et salvavi animam
meam"(Falei e salvei minha alma). A essa manifestação de erudição
clássica, que se nos permite responder com uma expressão francesa de uso
corrente: Altamira perdeu uma boa ocasião para calar.
Para Altamira, as posições desenvolvidas
pelo POMR tais como se traduziram em particular na “moção vermelha” são marcadas pelo menchevismo. Eis a maneira pela
qual J.A. "interpreta’ essa política: “A
afirmação de que a constituinte deve(
e logo pode) resolver contradições fundamentais do povo oprimido, sai do
arsenal da revolução por etapas, quer dizer do cumprimento das tarefas
democráticas por uma assembléia
burguesa. Outra coisa é defender um governo parlamentar contra um golpe imperialista. "
Logo Altamira acrescenta:
"Um dos erros de método da resolução (a resolução política adotada
pelo congresso do POMR), dos artigos do jornal e das declarações à
Assembléia é de identificar a luta pelo
poder com a constituinte (sim, por essa constituinte) com o apoio a um governo
que emanaria dela”
(Notemos que se trata de um total disfarce
da posição do POMR.
E J.A.
precisa sua posição:
“...pedir que o executivo e o legislativo
passem às mãos da constituinte emana de
um princípio elementar:a ditadura que ninguém elegeu e que reprime as massas deve ceder o seu
lugar: a representação popular eleita pelo povo, deve assumir o poder. Somos a
favor de que essa constituinte tome o poder, até com um governo APRA-PPC,
porque a subida ao poder da constituinte abrirá (e a agitação sobre essa exigência
também) o caminho para uma luta ampla, não somente contra a oligarquia militar,
mas também contra todas as representações políticas da burguesia, para a
ditadura do proletariado.”
Isto é a solução: a formação de um governo constituído
pelos partidos burgueses responderia à vontade popular (que governem aqueles que
foram eleitos). Colocar a questão da soberania do povo dando-lhe o conteúdo da emancipação
do povo oprimido do jugo do imperialismo é oportunismo. A política “revolucionária”
consiste em aprovar a formação de um governo burguês em nome de um princípio democrático
que se situaria acima das classes e de seus conflitos... com a condição de não
sustentar esse governo cuja formação teria sido aprovada, como sendo um passo
adiante. Realmente, para o pobre do Altamira, falar de menchevismo é como falar
de corda na casa de um enforcado.
*X *
Como já foi notado desde o começo desse
texto, é uma limitação só utilizar a análise do desenvolvimento da luta de
classes no Peru como expressão do novo ascenso revolucionário a nível de toda
América Latina. Certamente, o Peru constitui hoje o ponto mais avançado desse Ascenso,
e daí os traços essenciais que caracterizam essa nova fase da luta do
proletariado e das massas oprimidas da América Latina se destacarem com uma
intensidade muito particular. Mas avançar na análise do movimento do
proletariado exige incontestavelmente examinar os diversos níveis e as formas
particulares pelos quais esse ascenso -- e seus traços característicos - se
expressam desde já nos países cuja evolução é decisiva para todo o continente.
A incapacidade do governo Videla para
cumprir totalmente as tarefas contra-revolucionárias das quais está
encarregado, para esmagar a classe operária argentina conduz a uma crise que
matura em condições políticas marcadas principalmente, não pelo desaparecimento
do peronismo, mas por sua irremediável falência que coloca em lermos
parcialmente novos, e no decorrer mesmo do combate contra a ditadura, a
afirmação da independência de classe do proletariado.
No Brasil, a crise, que tende a se
acelerar, da ditadura é dominada pelo desdobramento ainda fragmentado, não
centralizado da classe operária, e prelúdio à entrada na cena política do
proletariado mais poderoso da América Latina.
Essa enumeração poderia prosseguir, mas nos
ateremos a um caso onde se revelam também - e já com uma grande nitidez - as
características do ascenso revolucionário que afeta toda a América Latina como
expressão e componente de uma nova virada na situação mundial: Bolívia.
A importância de certa forma ‘objetiva"
do desenvolvimento da luta de classes num dado país para o conjunto do
continente não depende só de dados como o tamanho do país nem também a
importância numérica do seu proletariado, se bem que esses elementos não devem
ser subestimados. Intervêm também o lugar que esse proletariado teve na
história das lutas revolucionárias na América Latina, o ponto de apoio para a
classe operária de todo o continente, das tradições e das experiências que
concentrou o seu combate, a revolução boliviana de 1952 tem, claro, uma
importância que não era só "boliviana", foi um fator de todo o desenvolvimento
que a seguiu. Da mesma maneira, o fato político essencial de que na Bolívia, em
1971, se constituiu a Assembléia Popular, esse primeiro soviet da América
Latina, é um elemento constituinte da atividade e da consciência do
proletariado de todos os países da América Latina.
Evidentemente, não é por acaso, que
naturalmente o termo" Assembléia Popular" se impôs para chamar os
organismos que estavam na via dos soviets que se constituíam. E basta notar a
paixão com a qual, no Peru, em janeiro de 1978, na época da grande greve dos
metalúrgicos de Chimbote, se assistiu à crise do governo Banzer, para
compreender como o lugar do proletariado boliviano era concretamente sentido.
Portanto, a Bolívia conhece agora, desde há
quase um ano, uma crise aberta que expressa a um nível já muito elevado a realidade
do ascenso do proletariado em toda a América Latina.
Aí também, é um processo de "constitucionalização”
que engrena o mecanismo da crise do governo militar. Mas está marcado de roldão
pela queda de Banzer, encarnação de uma "estabilidade" preservada
desde 1971. Na raiz, a atividade e a organização do proletariado boliviano, que
se manifestou, em particular nos últimos anos, com as grandes greves dos
mineiros em 1974 e 1976, e apesar de não ter alcançado seus objetivos, impediam
à ditadura toda tentativa de esmagar a classe operária. Tem-se de ir mais
longe: em 1971, o proletariado pode recuar em ordem, pode preservar, apesar da repressão, o quadro
de suas organizações de classe, a Central Operária Boliviana, a Federação dos
Mineiros. Se apoiava nesse combate defensivo sobre a experiência política
considerável representado pela materialização da Assembléia Popular: as
conseqüências políticas na luta de classes do que tinha representado a
Assembléia Popular só teriam podido se
apagar com um esmagamento total da classe operária num banho de sangue.
Assim, talvez de uma maneira mais clara que
em outros lugares, desde o princípio da crise aberta do regime militar, o curso
dos acontecimentos está marcado pela presença organizada, pela força do
proletariado. Seu peso, sua densidade política obrigam o governo militar a
decretar a anistia durante a greve de fome.
E é precisamente por causa deste peso
político do proletariado boliviano que de imediato, a crise da ditadura abre a
via da sua liquidação pela mobilização da classe operária e das massas
oprimidas a partir das grandes reivindicações nacionais e democráticas.
Fica claro que os aspectos específicos da Bolívia
resultam do lugar do marxismo do POR da Bolívia na história da classe operária
boliviana e de suas lutas. Seu papel nos momentos decisivos da luta de classes,
na constituição de uma Assembléia Popular, é uma realidade inscrita em todo o
desenvolvimento político.
No entanto, o surpreendente ao examinar os
recentes acontecimentos na Bolívia é a debilidade da Intervenção do POR no
momento em que se decompõe a ditadura militar.
É surpreendente o hiato que existe entre o
que se destaca da análise das relações entre as classes e a intervenção da
vanguarda revolucionária. Trata-se de uma verdadeira carência e é preciso se
interrogar sobre suas raízes políticas.
Em junho de 1977, o cda. G. Lora, secretário
geral do POR, redigia, como documento preparatório à III Conferência das organizações
trotskistas da América Latina, um projeto de informe. Nossa intenção não é
discutir aqui os diversos aspectos desse informe, mas sim levantar um ponto
único que nos parece central e diretamente vinculado à discussão colocada por
essa contribuição.
O informe do cda. Lora conclui assim:
"É por isso que é muito importante
discutir os problemas cruciais da revolução proletária latino-americana: e de
organizar uma direção continental: chamamos cada organização a elaborar bases
programáticas para cada pais. Esse documento se limita a definir as grandes linhas estratégicas "
Mas se repetidamente o documento insistia
sobre o fato de que “o traço comum e específico do continente latino-americano
é o seu caráter atrasado, o fato de que as tarefas democrático burguesas não
foram cumpridas plenamente, segue sendo determinante”, e que "fiéis ao
Programa de Transição sabemos que os dois objetivos maiores a serem resolvidos de
maneira imediata pela revolução latino-americana são a questão da libertação
nacional e a questão da terra", em
compensação nunca mencionava que no Programa de Transição essas tarefas são
vinculadas à reivindicação da assembléia nacional ou constituinte.
Não se tratava só da ausência de uma
referência ou de uma citação. Tratava-se da ausência política nesse documento
do lugar das lavras-de-ordem democráticas (do “programa” democrático
revolucionário”) correspondentes as tarefas que a revolução proletária deve
resolver e que são conseqüentemente palavras-de-ordem do proletariado na sua
marcha à ditadura.
Essa ausência falseia todo o documento, de
fato esvazia de seu conteúdo a afirmação segundo a qual a realização das
tarefas democráticas não resolvidas é uma tarefa indispensável da revolução
proletária. Tira toda base política à realização da aliança entre a classe
operária e as massas oprimidas - principalmente o campesinato - sob a direção da
classe operária. Por isso mesmo, dá um caráter indeterminado à Frente Única
Antiimperialista que arrisca se reduzir a uma proclamação propagandista do
partido revolucionário, ou de se traduzir numa aliança com representantes
políticos da burguesia nacional.
Nesse mesmo documento, a concepção política
que traduz essa ausência
se manifesta por uma posição que pode parecer secundária, mas que concentra o
problema, e veremos como ela pesou na atividade do POR no recente período.
O cda. Lora escreve, com efeito, na última
parte de seu projeto de informe: "Opomos a essa tagarelice insultante a
via insurrecional que conduz à ditadura do proletariado.”
“ Mas no entanto, não caímos na posição
esquerdista de rechaço principista do utilização dos meios parlamentares. Esse
método que pode ser útil, não em geral,
mas numa situação determinada politicamente: pode ajudar a conter, agrupar,
organizar e dar confiança às massas, quando estas receberam golpes importantes da
reação; deverá ser boicotado na abertura
de um período revolucionário
e se a insurreição ameaça estourar.
Em todos os casos, o método parlamentar deve se subordinar à estratégia
revolucionária e aos métodos próprios da classe operária. A experiência
boliviana é significativa em relação a esta questão. O bloco mineiro parlamentar,
constituído por militantes do POR e por sindicalistas da FSTMB. transformou o Parlamento em tribuna
revolucionária em 1947-49. “
"Os revolucionários devem saber
lutar contra a burguesia também no terreno desta.”
"Certos governos nacionalistas, caso
do MNR na Bolívia, utilizam o sufrágio universal (mesmo se nos fatos eles se
substituem à vontade e aos interesses da massa camponesa) para dissolver e
fazer desaparecer a decisão da classe operária politizada no meio da massa parda
e amorfa da pequena burguesia que rodeia e esmaga as grandes concentrações proletárias.
A resposta revolucionária só pode ser uma e é aquela que o POR da Bolívia levantou: conquistar o voto
privilegiado a favor da minoria proletária ( uma característica dos países
atrasados) e o voto aos 18 anos.”
Com
efeito, é exato que não é pela via parlamentar que o proletariado pode se
apoderar do poder, e no entanto, o partido do proletariado deve saber também
utilizar esse terreno. E é perfeitamente exato que inclusive num país atrasado
onde o parlamentarismo só pode ter formas bastardas, pode ser empregado
para estrangular o movimento da classe operária e das massas oprimidas.
Mas mesmo nesse nível de generalidade, o
que está escondido é o conteúdo das reivindicações democráticas (a significação
do sufrágio universal) que não se confundem com as instituições parlamentares.
O que se esquece aqui é o que Trotsky explica a propósito do México, onde depois
de ter notado que nos países imperialistas, as instituições da democracia
burguesa se integram na sua política imperialista reacionária, Trotski escreve:
“A democracia para o México significa,
para esse país semi-colonial, a vontade de se emancipar dos vínculos da
dependência, de dar terra aos camponeses, de elevar a população índia a um
nível de cultura mais alto, etc. Noutros termos, os problemas democráticos do México têm um caráter
progressivo e revolucionário.”
O que é esquecido é o que corre como um fio
condutor em todas as tomadas de posição de Trotsky sobre esses problemas e que
ele resume assim num de seus artigos consagrados à revolução na Índia:
"A revolução democrática significa a igualdade para o camponês – e antes de tudo
igualdade na repartição das terras. A igualdade perante a lei reside nessa
igualdade prioritária. A Assembléia Constituinte, onde formalmente os
representantes do povo inteiro devem ajustar as contas com o passado mas onde
em realidade as diferentes classes ajustam as contas entre elas, é a expressão
generalizada, natural e inevitável das tarefas democráticas da revolução, e
isso não somente paras as massas camponesas que acordam, mas também na
consciência da classe operária.”
Mas o projeto de informe vai mais longe.
Decreta que o voto privilegiado da minoria proletária deve ser conquistado e que
isso é uma "característica dos países atrasados".
Por mais que tenha sentido discutir nesses
termos e falar aqui de "características" é preciso dizer que de toda
maneira se trata do inverso. Se existe uma "característica’ dos países
atrasados essa é a significação "revolucionária e progressiva’ do recurso ao
sufrágio universal (um homem, um voto). “A
potência das massas oprimidas é o seu número. Quando elas acordarem, procurarão
expressar a força do número politicamente, pelo meio do sufrágio universal”
recorda Trotsky a propósito da China. É a partir dessa realidade que o proletariado,
através do seu partido, realiza sua aliança com o campesinato e pode realizar
sua direção sobre seu movimento, quer dizer assegurar sua hegemonia na
revolução. E certamente não ao "memorizar’ de antemão o campesinato por um
"voto privilegiado” do proletariado.
A lógica dessa posição dá as costas a todos
os ensinamentos de Trotsky ao conteúdo mesmo da teoria da revolução permanente
tal como encontra sua expressão particular no caso dos países atrasados.
E a realidade concreta da unidade mundial
da luta de classes que coloca ao proletariado seu papel dirigente na revolução
que, democrática por certas tarefas, é a revolução proletária num país colonial
ou semi-colonial. Em todo país, o proletariado detém seu papel e sua potência
em razão do lugar que ele ocupa nas relações sociais de produção, lugar que
está mundialmente determinado: é um componente orgânico do proletariado
mundial. Essa potência só se pode traduzir através da construção do partido
revolucionário desenvolvendo uma estratégia de mobilização revolucionária das
massas (de reivindicações transitórias) respondendo às "particularidades nacionais que formam a originalidade dos traços
fundamentais da evolução mundial”.
A reivindicação de um ‘voto privilegiado’
para a classe operária como meio para impedir que se “dissolva a decisão da
classe operária politizada" é contrária à realização da aliança operário e
camponesa, base da frente única antiimperialista e, conseqüentemente, contrária
ao método pelo qual o proletariado assegurará não uma posição "privilegiada”
nas instituições parlamentares burguesas, mas sua hegemonia na revolução, pela
qual constituirá os instrumentos de seu poder, da ditadura do proletariado, os
soviets.
A posição dos marxistas não é o desprezo
pelas massas camponesas e pelas camadas pauperizadas pelo Imperialismo (massa parda e amorfa). Com Lênin, sabemos que o
camponês deve seguir o burguês ou o operário. É por isso que desenvolvemos uma
política que permite ao camponês seguir o operário, já que esta é a condição da
vitória da revolução proletária.
Mas o desprezo perante o campesinato não é
senão a expressão da falta de confiança na capacidade revolucionária do
proletariado boliviano, analisado como um elemento separado, "em si”, fora
da realidade do movimento universal do proletariado até sua constituição em
classe dominante.
A realidade não perdoa nem sequer um erro
de doutrina sobre a base dos elementos de que dispomos - e desejaríamos
ansiosamente que novos elementos pudessem moderar a impressão de desordem política
que se desprende deles -- essa lei se verifica na situação presente do
POR.
Numa resolução política de março 1978 (n°
598 de “Masas”), a situação se caracteriza assim:
“A situação política presente na Bolívia se
caracteriza pela contradição que existe entre as tendências poderosas e
profundas das massas que se radicalizam
e utilizam a ação direta para impor ao “ gorilismo” e ao patronato
reivindicações cada vez mais importantes, e as direções políticas da esquerda,
à exceção do POR,, que freiam e contêm a mobilização e a radicalização ( que
necessariamente deságuam na conquista da rua) e substituem a ação dos
explorados e a sua vontade de resolver eles mesmos os problemas, pelo diálogo e
os compromissos com o poder executivo e a hierarquia militar.”
Pois sim,
mas que perspectivas políticas levanta o POR para expressar essa contradição, para alimentar
politicamente a vontade das massas "de resolver elas mesmas os problemas”?
A ausência de qualquer colocação de um
programa de reivindicações nacionais, democráticas, operárias e camponesas centralizado
pelo combate pela Constituinte Soberana - que toda a situação coloca no primeiro
plano, precisamente, repetimo-lo uma vez mais, em razão da ação do proletariado
em primeiro lugar – chega a uma paralisia.
Essa paralisia traduz-se pelo fato de que o
POR decide utilizar o processo eleitoral em curso (o que é perfeitamente
legítimo e que se aprecia em função das circunstâncias) mas numa base puramente
propagandista (“ O POR participa da luta eleitoral porque considera que esta
pode ser utilizada para levantar e organizar as massas: para penetrar entre
elas e ampliar a audiência do programa revolucionário.”)
O POR coloca de novo na ordem do dia a
questão do "Voto privilegiado"("O problema central no campo
eleitoral reside na forma pela qual os representantes são eleitos. Trata-se de
continuar a preservar, nas urnas, a condição de direção política da nação
oprimida do proletariado"), sob a forma em particular da necessidade de
circunscrições proletárias.
Certamente não é errado se defender contra
uma lei eleitoral inócua, uma modificação do estatuto eleitoral que facilite a
atividade, inclusive parlamentar, do partido revolucionário. Mas apesar de tudo
é uma questão tática secundária. Ela não pode determinar, por exemplo, a
participação ou não em eleições. Mais fundamentalmente, não é de uma melhor lei
eleitoral que o
proletariado pode esperar a preservação de
seu papel de direção da nação oprimida, mas da capacidade do partido
revolucionário de abrir às massas uma saída política.
De mais a mais, tratava-se de eleições
presidenciais. O POR decide por participar delas, mas sem apresentar um
candidato, com um boletim “politicamente
motivado”. É legitimo se interrogar sobre a conveniência e a eficácia de tal tática
eleitoral, mas isso também é uma questão que não discutiremos,
pois ela não toca, por si só, o fundo da questão. Porém mais importante é o
conteúdo do próprio boletim que define portanto, sob uma forma agitativa as
palavras-de-ordem do POR:
- Contra a ditadura militar e o continuísmo,
contra a fraude eleitoral
- Contra a opressão capitalista e
imperialista
- Contra a miséria e a opressão;
- Contra as eleições fraudulentas, contra a
lei eleitoral que não permite a expressão da consciência proletária e recusa à
maioria camponesa o exercício integral da cidadania;
- Pela revolução e a ditadura proletária
- Governo Operário e Camponês
Vê-se que sua caracterização essencial é não
somente de não formular nenhuma palavra-de-ordem centralizadora, mas de fato de
abandonar qualquer reivindicação transitória, mobilizadora.
Sabe-se que o resultado das eleições, apesar
da fraude governamental cínica e grosseira, constitui uma vitória das frentes
de oposição, em particular da UDP de Siles, frente de coalizão burguesa
sustentada pelo PC.
Numa resolução adotada depois dessas
eleições, o BP do POR reconhece que ele errou sobre a evolução daquilo que ele
chama a “tendência abstencionista” e constata que o que se afirmou “é a causa
do gorilismo”.
“
Podemos concluir que no processo eleitoral impôs-se a influência da burguesia
democrática sobre os explorados, o que em si expressa a assustadora confusão na
qual se debatem as massas. Já assinalamos que essa confusão é uma das conseqüências
da política dúbia desenvolvida pela esquerda
Mas o que fez o POR para lutar eficazmente
contra essa política, e o que deve fazer ele, em termos de mobilização das
massas, alimentando seu movimento contra a ditadura, para a satisfação de suas
reivindicações, movimento que não é "confuso’ mas que é oposto à traição
dos nacionalistas burgueses e das direções contra-revolucionárias do movimento
operário? Sobre esse ponto,a resolução fica muda.
E no número de “Masas” do 25 de julho,
depois da anulação das eleições, que podemos ler:
“Daí resulta a possibilidade de convocação
de novas eleições (mas o processo político futuro pode passar também por outros
caminhos) e abrir-se-ia a possibilidade de levantar a palavra-de-ordem da
Assembléia Constituinte, que é uma reivindicação democrático-burguesa e que
nenhuma forma se opõe ao parlamentarismo, mas que pode permitir ao proletariado
avançar e lutar pelos grandes problemas nacionais e por suas reivindicações
próprias em boas condições.”
Assim,
através de uma brusca viravolta, é sob uma forma estritamente parlamentarista
(aquela cuja crítica foi uma das metas desse texto) que de repente aparece,
senão a palavra-de-ordem, pelo menos a idéia da assembléia constituinte.
Trata-se de um verdadeiro desarmamento,
grave para o POR, grave para o combate pela reconstrução da IV Internacional e
para as perspectivas de luta do proletariado boliviano cuja importância para
toda a América Latina foi sublinhada.
Esta contribuição visou abrir a discussão.
Esta deve desenvolver-se. A clareza, o rigor político, a assimilação dos
princípios programáticos da IV Internacional aclarados pelo próprio movimento
da luta de classes são condições indispensáveis para que as organizações
trotskistas da América Latina, no quadro do Comitê de Organização pela Reconstrução
da IV Internacional. explorem as possibilidades que o desenvolvimento da
situação mundial, tal qual se transcreve na América Latina, Ihes oferece.
20/12/1978
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