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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

Na condenação absurda de Louisa Hanoune, um alerta para os petistas!

Secretária Geral do Partido dos Trabalhadores da Argelia, Louisa Hanoune é condenada a 15 anos de prisão!

O que isso tem a ver com o Brasil?

Muita gente não sabe, mas o Partido dos Trabalhadores da Argélia foi inspirado pelo PT brasileiro. A idéia que os trabalhadores brasileiros deram, criando um partido político para se representarem e, com ele, lutar pelo poder político, começou a se espalhar pelo mundo num certo período. Antes do PT, a idéia de que toda classe trabalhadora poderia se representar através do seu partido não era tão clara para o operáriado mundial, dividido nas inúmeras correntes de pensamento. Os bons resultados do PT, ainda muito jovem, na campanha de 1989 fez-se ouvir em todo mundo. Militantes de esquerda em outros países queriam fazer a mesma experiência. A partir da Constituição de 1988 na Argélia, que permitiu a existência de outros partidos que não o do governo, Louisa Hanoune se dedicou a construção de um partido dos trabalhadores e, em 1990, o PT Argelino foi fundado. Em contato com brasileiros ouviu inclusive sobre os problemas do PT brasileiro e se esforçou e dedicou sua vida a construir uma representação independente que desse voz ao povo da Argélia. Candidata mulher à presidência por alumas vezes num estado teocrático, enfrentou todos os tipos de discriminação. Mesmo assim, o PT da Argélia, apesar de pequeno, já ocupava algumas cadeiras no parlamento. Louisa não era só uma figura pública na Argélia, que construiu seu capital político denunciando a repressão e o "Código da Família" - que ao perpetuar a poligamia masculina, sob cobertura religiosa do Islã, impõe às mulheres uma subalternização legal - ela também se dedicava aos problemas cotidianos de construção e organização de um partido político para dar voz a uma maioria numérica para que esta venha agir como maioria política. O PT argelino não chegou a se tornar um partido de massas como seu irmão brasileiro, mas a situação política na Argélia também apresenta muitas dificuldades para os problemas de unidade da classe que trabalha, em função, inclusive, do problema das identidades culturais e religiosas que tem dado cobertura a vários conflitos e massacres.

Louisa e Lula/Dirceu estarem presos ao mesmo tempo - as lideranças públicas e organizativas mais importantes de dois Partidos dos Trabalhadores - não é uma coincidência aleatória. A própria idéia simples, intuitiva, de construir um partido dos trabalhadores está em cheque pelo sistema e precisa ser exterminada. Há muitas diferenças entre o PT brasileiro e argelino e entre as prisões de suas principais lideranças. Nem as acusações são de mesmo tipo, nem a resistência a se apoderarem de seus corpos foi a mesma, mas suas prisões são resultado do aprofundamento golpista que o imperialismo estadunidense vem aplicando em todo mundo usando táticas de manipulação institucional e da opinião pública. Deliberadamente. E invariavelmente colocando suas garras sobre a cadeia do Petróleo.

Golpes

Dar caracteristicas próprias aos golpes que os Estados Unidos aplicam tem sido comum na historiografia:  "militar", "parlamentar", "midiático", "palaciano", 'bastidores"...sim o golpismo se apresenta de muitas formas, e, as vezes nem se apresenta como é. Tentaram, também, dizer que não era Golpe no Brasil, apesar de toda gente saber que era.
Na Argélia, a queda de Bouteflika foi comemorada pelas massas na versão local da "primavera árabe". Os substitutos do presidente que renunciou, numa trama de bastidores, alinham-se mais diretamente com o imperialismo estadunidense, que ameaça as conquistas da luta pela independência da Argélia, como a nacionalização da indústria petrolífera. Este resposicionamento colonial da Argélia e do que isso implica na geopolítica da África e do controle do Mediterrâneo tem impactos gigantescos a médio prazo. Enquanto os generais (sempre os generais) reprimem os símbolos da luta pela libertação e de unidade do povo argelino, inclusive usando de perseguição linguística aos "bérberes", medidas de abertura da economia para as petrolíferas dos EUA e de substituição do francês pelo inglês nas universidades já estão em andamento. O Departamento de Estado dos Estados Unidos comemora que desde a assinatura do Tratado de Assistência Legal Mútua as relações com a Argélia nunca foram melhores. E isto numa situação bastante acelerada em função da mobilização revolucionária das massas, que continua nas ruas sem aceitar nenhuma das falsas soluções apresentadas.

As semelhanças entre as prisões de Louisa e Preta Ferreira

Louisa e Preta foram detidas no momento em que foram prestar depoimentos. Atenderam ao chamado para depor sobre um outro assunto e isto era já uma armadilha para as enjaularem sem nem apresentarem acusações. Quando apresentadas, elas, as acusações, não fazem sentido algum. Kafkaneanas, tais quais as de Lula e Dirceu. A forma que se deram as prisões de Louisa e de Preta, que lindamente apresentava o Boletim Lula Livre, são declarações inequívocas de que eles não estão brincando e que contam com nossa ingenuidade e a boa fé.  Coincidem com o momento de crise extrema do imperialismo americano, que não tem sido capaz de assegurar vitória na guerra comercial com a China e busca manter seu domínio do planeta por todos os meios.

Em defesa do PT

A "idéia" que os trabalhadores podem ter seu partido e com ele governar é uma idéia que só pode ser formulada por um sujeito histórico que aprendeu com sua experiência e entendeu a si como sujeito político distinto. Isso fica expresso inclusive na simplicidade do nome. E mesmo sob forte ataque a este partido, a experiência com o PT se aprofunda na consciência das massas brasileiras, que se filiam em massa ao PT e que já começam a chamar o PT de Partido das Trabalhadoras também. O que é extremamente justo em função da representatividade do voto popular e da existência de uma maioria feminina entre a militância que trabalha voluntariamente em defesa do PT. Um bom nome é um soco na mesa, já disseram antes. E PT é uma marca na consciência da classe que produz a riqueza. Deixar que a classe retroceda deste patamar é nos condenar ao atraso.

Há 100 anos atrás os trabalhadores obrigaram as classes dominantes e governos a reconhecerem que havia uma exploração do trabalho, como resultado foi criada a Organização Internacional do Trabalho regulamentando relações de trabalho aceitavéis naquele momento. Atualmente, ofensiva que destrói até mesmo aqueles antigos códigos de trabalho, semi-escravocratas,  se utiliza da prisão daqueles que são obstáculos aos seus planos. O patamar aceitável de relações de trabalho pelo capitalistas regride em relação ao século passado. Qual o balanço político que a classe trabalhadora pode fazer, 100 anos de criada a OIT, quando as representações políticas que a gente constrói para defender estas mesmas convenções acabam nas prisões? A ofensiva parte, evidentemente, dos Estados Unidos que sempre resistiu a maioria das convenções consagradas no resto do mundo. Então pode se compreender melhor o porquê que, neste país, a notícia  perigosíssima de que "quando os trabalhadores tem o seu partido, e governam com ele, as coisas começam a melhorar" não possa ser espalhada. Que não se fale disso no país onde o regime bipartidarista é a ditadura da classe dominante! É preciso deter estas idéias simples em sua própria origem.

Por onde se olhe é fundamental a defesa do PT contra o imperialismo dos EUA, e é neste terreno que a luta pela libertação de seus prisioneiros políticos como expressão da gente cansada de servir de massa de manobra e que exije ter voz política não é apenas simbólica.  A extrema direita tem uma certa razão quando chama o PT de comunista, ainda que haja poucos comunistas no PT e o que PT, ele mesmo, não defenda do fim da propriedade privada dos meios de produção. Não há nada mais comunista do que a classe que produz as riquezas se reconhecer como sujeito político da sua própria história. "Proletários do mundo, uní-vos". Se este sujeito político comete erros, ele pode refletir sobre eles para poder superá-los. Há muita reflexão a ser feita. E uma dela é como não conseguimos nos prevenir e evitar a prisão de Lula, Luisa, Preta, Dirceu e tantos outros militantes. Quais as dificuldades reais encontradas por um sujeito histórico que se vê confrontado com a prisão dos quadros de liderança política que produz, numa realidade em que a lei escrita não protege os nossos quando viram "alvo"?

Mulher do PT

Há muitos motivos para uma intensa campanha de solidariedade internacional para Luisa Hanoune pela militância do PT. As mulheres petistas tem muito o que se orgulhar da coragem desta militante de um partido irmão que, como deputada, pedia o fim da teocracia e foi presa logo após liderar a retirada do PT argelino da sustentação parlamentar ao golpe dado na vontade popular após a renuncia de Bouteflika. Louisa estava solidária ao seu povo nas ruas e sua condenação a acusa de fazer parte  dos que denuciava. O absurdo desta acusação é o testemunho da militância de Louisa. Os fatos. Suas ações na vida política como a defesa permanente das convenções da OIT, que é conhecida pelos brasileiros, por exemplo. O PT Argelino tem razão na declaração que soltou. Manter relações diplomáticas com as forças políticas no lugar que se atua não é crime. O que a autoridade militar não tem é emanação do povo para prender nem julgar ninguém, o que denuncia a natureza usurpadora do sistema colonial de conjunto. A anistia de milhares de prisioneiros políticos, por exemplo, tem sido tradicionalmente parte fundamental dos acordos de paz interna durante as décadas de governo Bouteflika. A acusação que os militares fazem a Louisa é, em todos os aspectos, uma calúnia. E tem o objetivo de atrair para ela o "ódio" das ruas contra o ex-presidente, alimentado por denúncias de corrupção, que ela mesma reproduzia. Há lições a tirar disso. Na midia, Louisa é mentirosamente apresentada como parte integrante do núcleo mais próximo do grupo do irmão de Bouteflika, que estaria "conspirando" para tirar o general Gen Ahmed Gaid Salah do comando das forças de repressão. 
Se Louisa, além da queda de Bouteflika, não exigisse a queda deste general em particular e de todos os outros membros do regime que denunciava e, junto com isso, a libertação de todos os presos políticos não estaria cumprindo o mandato das ruas. E não há crime nenhum em ir a lugares que se é convidada para dizer o que se pensa. Mas apresentá-la como parte da camarilha "Bouteflika" é um abuso, porque é notório que Louisa nunca se beneficiou de nenhum dos 'banquetes' do regime que denunciava. Ao contrário, sempre esteve com aqueles que não tinham voz e a serviço destes, usou a sua até ser silenciada pelo encarceramento.  Na farsa do julgamento de Louisa, nem evidências foram apresentadas sobre a pretensa "conspiração" de Louisa, nem sua defesa teve direito a uma cópia dos arquivos do processo, o que desrespeita a propria Lei da Justiça Militar. Hoje, sequer podemos ouvir Louisa, assim como era no início com Lula. É deseperador. O que Louisa tem a dizer sobre sua prisão? Como foi a armadilha? Como podemos ajudar? 

A armadilha do 'forismo'

O que se passa com Louisa tem profundas lições para nós petistas brasileiros. A "vitória de pirro" das ruas na queda de Bouteflika - o qual, mesmo desgastado, tinha um mandato conferido pelo povo - consiste no fato do poder não estar atualmente nas mãos de uma emanação popular superior ao governo anterior, mas no reforço do poder dos generais que já estavam no governo. Entender um pouco a situação na Argélia ajuda a não cometermos o mesmo erro aqui no Brasil. O "forismo" na vida real não tem sido solução (e nem acumula forças), sendo uma regressão na consciência histórica do sujeito que já se percebeu como político e está pronto para governar para a maioria do povo. Uma etapa intermediária entre a queda de um presidente e sua efetiva substituição por um governo que emane dos trabalhadores, em luta, que atenda as reivindicações populares não é um vazio de poder. O poderio estadunidense tem os meios de, a partir de elementos do próprio governo afirmar-se e ao seu programa de privatizações, usando a repressão e impedindo, a partir das posições que ocupa no governo, que os trabalhadores e o povo realizem uma transição que possa expressar suas aspirações políticas na forma de um governo independente do imperialismo. E é isso que está em curso na Argélia numa situação para lá de contraditória, na qual as massas seguem exercendo nas ruas o seu poder destituinte, mas as forças políticas enfrentam todo tipo de confusão, ilusões e dificuldades, inclusive com a prisão dos seus, para organizar um novo poder político que corresponda às aspirações de soberania popular e nacional da maioria oprimida. E, também lá, num quadro político confuso, as forças de esquerda debatem a construção de 'frentes' - inclusive eleitorais - com as mesmas nuances que enfrentamos aqui no Brasil, a saber; qual a amplitude destas frentes e se deveriam incorporar setores coniventes com as prisões políticas e que defendem as privatizações. As respostas, para quem está sob pressão das "narrativas" imperialistas, nunca são fáceis. Mas o melhor terreno para responder às dificeis questões colocadas tanto lá como aqui é o terreno das relações de solidariedade concretas construídas na defesa dos nossos. 

Unidade na solidariedade 

Lula, Luisa, Preta, Dirceu, o lugar dos nossos é do nosso lado. E Luisa é uma de nós. Nós, petistas, bem sabemos como tem sido difícil explicar o que é a operação Lava-Jato no Brasil para mostrar que Lula é inocente. Na Argélia não é diferente, tembém é preciso explicar que o Tribunal de Blida mente. Louisa é uma mulher de mais de sessenta anos com problemas de saúde que correspondem a sua idade. Já foi presa antes, quando jovem. Hoje, sua prisão não diz mais só a si, é também a decapitação do Partido dos Trabalhadores da Argélia, que eventualmente tenderia a ser beneficiado eleitoralmente da queda de Bouteflika, principalmente pelo apoio dado por este partido às manifestações populares. 
Uma solidariedade efetiva do PT brasileiro ajudando a denunciar ao mundo que o que os EUA fazem com Lula está acontecendo em outros lugares, como na Argélia, é uma ajuda a prevenir futuras prisões entre todos que defendem que a classe trabalhadora exerça política coletivamente para si. Todas as diferenças de avaliação, estratégias ou táticas com  Lula, Dirceu, Louisa, o PT brasileiro e o PT argelino não podem ser obstáculos para a mais ampla unidade contra este ataque simultâneo do Departamento de Estado dos EUA aos dois PTs. Entre nós, com fraternidade e respeito, podemos discutir qualquer questão, rejeitando todo e qualquer argumento que culpabilize a vítima de perseguição. Nossa solidariedade aos nossos presos é incondicional.

Há uma crise política mundial causada pelo aprisionamento como arma política. Esta crise é causada pela alteração artificial da correlação de forças na sociedade com o uso de narrativas falsas sobre a deposição do governo e prisão de lideranças identificadas com as classes populares.  Na Argélia, no Brasil, como também nos EUA, onde Mumia Abu-Jamal continua encarcerado, o problema das prisões vai precisar ser enfrentado com relações de solidariedade entre os povos e militantes. A gente tem lado nesta guerra e do nosso lado, ninguém pode ficar para trás.




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