Entrevista
com Chris Granha: as tarefas do congresso do PT
C&R: O processo de inscrição de chapas para concorrer à próxima
direção do Partido dos Trabalhadores foi aberto. O que esperar diante do que
tem se apresentado?
Chris Granha: Não há, no
momento, maturidade para um verdadeiro congresso do PT que faça o balanço
necessário de por que não
conseguimos deter o golpe. Nem havia a necessidade de fazer um congresso que
não fosse resultado desta maturidade política. O partido que fez 47 milhões de
votos poderia muito bem concentrar suas forças organizando
seus eleitores na luta pela liberdade de Lula. Então, a proposta de adiar
o congresso e o partido passar o ano organizando os Comitês Lula Livre me
parecia de longe a melhor. Não sei se esta proposta chegou a ser formulada na
Direção Nacional do PT, mas a ouvi nas reuniões locais de que participei. Neste
caso, como em muitos outros, a militância sequer foi consultada. Realizar um
congresso apoiado na construção de centenas de novos comitês Lula Livre, que
começassem a organizar aqueles cujas vidas melhoraram nos governos do PT, nos
daria melhores condições de debater os verdadeiros problemas com a profundidade
necessária.
C&R: Mas para chegar nisso não é preciso reorientar o PT, elegendo outra
direção?
Chris Granha: Como as
condições não estão maduras para a reorientação necessária, o risco não compensa. E ele já apareceu com
rumores de não ser unânime a recondução de Gleisi. O segundo mandato de Gleisi emana do primeiro. Tirar Gleisi da presidência
do PT é impensável para quem tem resistido ao golpe e lutado para libertar
Lula. E, do ponto de vista do golpe, sua substituição só interessa aos que não
defendem o direito de Maduro governar. Não há meio termo. Até do ponto de
vista dos resultados eleitorais, nas condições mais adversas já enfrentadas,
sob a presidência de Gleisi, o PT fez uma belíssima campanha Haddad. Nos estados
onde Haddad teve baixa votação é que mudanças são necessárias. Por exemplo, no
Rio de Janeiro. O que torna ainda mais absurdo uma das vozes que defende a
substituição de Gleisi ser a do presidente do PT do Rio. Quaquá realmente
acredita que se Haddad e não Gleisi fosse presidente do PT nacional, os
resultados eleitorais do PT no Rio de Janeiro seriam melhores? De forma que
parece puro diversionismo, para desviar o foco da militância das mudanças de que o PT do Rio precisa para
parar de puxar o resultado eleitoral do PT para baixo. Nem uma plenária de
balanço eleitoral do PT do Rio foi realizada e nem o diretório estadual
do Rio chega a funcionar; e, pela lógica do presidente estadual do PT do Rio, é Gleisi quem deve ser substituída? Não pode estar falando sério, parece fakenews do Antagonista.
C&R: Mas não tem
muita coisa que precisa mudar no PT?
Chris Granha: Até tem, mas
Gleisi não é uma delas. O que o PT precisa mudar é retomar o caminho da
organização popular. Mas isto não é fácil, porque implica toda uma mudança na
lógica atual de funcionamento do partido. O PT de Lula se tornou bom de voto,
mas desaprendeu de organizar o povo. É até compreensível, porque organizar é
mais difícil que pedir votos. E o partido precisava dos votos para se eleger e
chegar à presidência. Não foi errado priorizar a luta por votos, mas não foi
suficiente, porque a gente chegou a 2016 desorganizado para manter o PT
na presidência. Ter votos não foi suficiente para se manter no poder. E nem
para evitar a prisão de Lula. Temos que olhar para isso e aí é impossível não
constatar que os núcleos de base perderam significado e que os processos
congressuais foram substituídos por eleições que copiam o modus operandi do poder econômico, nos quais a militância está sem
voz, sendo tratada como garrafa. Reverter isso é possível, mas dá trabalho e
precisa de um esforço unitário das instâncias. Pela atual fragmentação em
diferentes chapas para os diretórios, não parece que a disposição dos que fazem
parte das instâncias seja torná-las um espaço de construção unitária do
partido. De forma que tentar fazer um debate político sobre as verdadeiras
necessidades do partido e da militância para poder resistir a esta conjuntura
desastrosa é bastante complicado. Mas, já que o congresso e as eleições
internas estão marcadas, ainda vai ser preciso analisar o que dizem as
diferentes chapas e como se pode intervir no congresso de forma a ser uma ajuda
para o amadurecimento e unidade do partido.
C&R: Você acha que vai haver uma polêmica sobre o Fora Bolsonaro no
Congresso do PT?
Chris Granha: Esta
polêmica é externa ao PT. Não é nossa. Nenhum outro partido mais do que o PT
tem interesse em ver Bolsonaro fora do lugar que ele está usurpando de nós. Mas
seria uma irresponsabilidade do PT dizer que tem que tirar Bolsonaro e não
dizer que está preparado para assumir a presidência. É justamente esta pauta
que faz sentido num Congresso do PT: o que fazer para voltar à presidência e
acabar com esta desgraça toda? Se o PT caracteriza que houve um golpe que
tirou Dilma e que Lula está preso por um novo golpe, é lógico que o direito de
governar é seu. Então, tem que estar pronto para encabeçar um governo com pauta
oposta à do golpe e se apresentar preparado para assumir o lugar de onde não
deveria ter saído, chamando a esquerda, os verdadeiros democratas e movimentos
sociais para governar junto. No fundo, as coisas são bem simples. Mas a pressão
externa sobre o PT é imensa. E muitas cortinas de fumaça aparecem na discussão.
Para quem é petista, lutar por Fora Bolsonaro só pode significar a volta de um
governo encabeçado pelo PT, o partido mais forte da oposição, junto com todas
as forças democráticas do país. E isso não é hegemonismo, é justiça e esperança
para o povo recuperar seus direitos. O partido de Lula, Dilma e Haddad tem o
direito de governar e negar este direito é aprofundar o golpe. No PT nem
precisaria haver disputa sobre isso porque para o PT voltar a governar, precisa
tirar o Bolsonaro. Agora, tem gente no PT que acha que é preciso esperar um
novo processo eleitoral para o PT voltar a governar. É uma discussão legítima
num partido que se institucionalizou. E estas pessoas são ao menos coerentes
com o que acreditam, pois estão preparando o partido para voltar
eleitoralmente. Avalio que estão iludidos quanto à saúde das atuais
instituições, que já perderam sua natureza de emanação popular. Temos que
enfrentar esta discussão com coragem, mas o que, em minha opinião, não ajuda, é
quem não tem mais ilusões numa saída institucional falar apenas "Fora Bolsonaro"
e não conseguir formular o que fazer no dia seguinte de sua queda. É preciso
ser responsável. E isto também significa que se uma mobilização realmente
popular para tirar Bolsonaro começar a ganhar vulto, o PT tem a obrigação
de participar dela reafirmando a necessidade de um novo governo oriundo das forças
populares que resistem ao golpe, para acabar com todas as perseguições
políticas e defender a soberania popular e nacional. A posse do vice, como foi
no impeachment de Collor, não interessa ao Brasil. Sobre isto não pode haver
dúvidas entre nós. Podemos até divergir sobre quando e como o PT deva voltar ao
governo federal, mas o certo é estarmos preparados para todos os casos.
C&R: E o PT do
Rio, quais as perspectivas?
Chris Granha: As mesmas do
resto do PT nacional, com dificuldades bem maiores. Em função do peso político
do centrismo reacionário no Rio, o sectarismo atinge níveis absurdos. É muito difícil
militar pelo PT no Rio. Márcia Tiburi, a única candidata ao governo do Rio que
denunciou que a prisão de Lula era resultado de uma farsa, foi escorraçada, achacada,
ameaçada pela direita, e encontrou um ambiente político nada acolhedor para uma
renovação feminista do PT e a demanda de liberdade para Lula. O que deixa claro
que a esquerda de conjunto não ficou nem mais madura nem mais solidária com a
construção do PSOL. O que acabou se formando é uma esquerda carniceira, incapaz
de entender que a defesa de um ou uma é a defesa de todos, incapaz de ser
um ponto de poio real para a luta contra as perseguições políticas. Neste
cenário difícil, a candidatura de Wadih ainda não pode florescer. Wadih é um patrimônio
do PT. Temos como candidato à presidência do PT do estado a primeira linha de
defesa das lideranças do PT vítimas de fraudes judiciais. Sua atuação, desde a
AP 470, passando pelo Mandado de Segurança pela Anulação do Impeachment de
Dilma, pela defesa incansável de Lula e suas visitas frequentes ao presidente é um orgulho para qualquer petista do Rio. Eleger Wadih sinaliza
publicamente um PT que defende seus militantes e que está disposto a combater o
bolsonarismo no estado. Eu fico pensando em como explicar para militantes do PT
de outros estados, que acompanharam as investigações que Wadih fez no caso
Tacla Duran, que o PT do Rio pode acabar preferindo eleger João Mauricio
presidente contra Wadih. E explicar quem é João Mauricio não é nem a parte mais
difícil... Surreal é explicar para a militância que Wadih não é o candidato de
unidade por Lula Livre em defesa dos nossos perseguidos políticos. É o mesmo
problema quanto a Gleisi. A luta fratricida enfraquece todo mundo. E pelo
quadro das inscrições de chapas, as forças políticas caminham neste sentido de
fragmentação da base militante. A quantidade de chapas concorrentes ás zonais
do Rio é um sintoma muito preocupante. Militantes que deveriam estar
trabalhando juntos no dia a dia, construindo nos bairros a luta pela liberdade
de Lula, angariando novas forças militantes para defender o PT nas ruas, vão
passar os próximos meses disputando entre si. Desperdício de energia militante.
Nas zonais a unidade deveria ser possível.
C&R: Na sua opinião, qual seria a saída?
Chris Granha: Não tem
saída milagrosa. Como tudo mais na vida, é preciso se apoiar nos pontos fortes
e trabalhar duro para corrigir os pontos fracos. Um ponto positivo em que o PT
pode se apoiar é o fato de que todos os meses depois do golpe e da prisão de
Lula muitos eleitores se filiam ao partido. Temos que estar fazendo
algo certo. Por isso Gleisi fica. Numa crise institucional como a que vivemos,
o PT cresce. Isto não pode ser ignorado. Não pode ser ignorado também que
o bolsonarismo precisa ser combatido no Rio de Janeiro. Então tem que
organizar. Tem que visitar os filiados, conversar, ver quem quer ajudar a luta
pra libertar o Lula, quem quer chamar os vizinhos para conversar na próxima semana.
Construir os núcleos de base e os comitês Lula Livre, de acordo com a realidade
local e continuar passando o abaixo-assinado e explicando o golpe que o PT
sofreu e continua sofrendo. Existe uma potência interna no PT que não
está organizada, mas que é a única força que pode fazer realmente diferença na
atual conjuntura política. Esta força é formada de militantes que em sua
maioria estão nas lutas sociais. São as pessoas que sofrem a perseguição
política no seu dia a dia e que precisam de uma estrutura de suporte e apoio
para continuarem defendendo o PT.
C&R: Você defende a dobrada Gleisi-Wadih? Pelo quadro do Rio, parece
algo inimaginável. E nem mesmo eles declaram apoio mutuo.
Chris Granha: Sim, é um
verdadeiro problema, mas não é novo. Lideranças não podem assumir ações que não
foram deliberadas por seus grupos políticos, nem para se defenderem. Acontece o
tempo todo. O movimento pela volta de Dilma enfrentou a mesma contradição:
Dilma não fazia parte dele. E não podia. Dilma não ia começar uma revolução
interna no PT. Nem Gleisi e Wadih devem estar dispostos a enfrentar marolas
naqueles grupos que lhes estendem a mão. Mas é evidente que a dobrada
Gleisi-Wadih seria o melhor terreno para a defesa deles mesmos. Este é um
daqueles momentos em que a militância tem que agarrar a defesa de suas
lideranças, independente delas não estarem se defendendo muito bem. Lá em cima
nos grupos políticos eles veem o mundo diferente da gente, e depois tentam nos
convencer de que o que estamos vendo está errado. Por isso é tão complicado.
Não precisaria ser assim, porque tem lugar para todo mundo. Se estamos com
disposição para defendermo-nos mutuamente, e todos e todas nós aos presos ou
depostos injustamente, tem lugar pra todo mundo e ninguém fica para trás. Por
contraste outros fins acabam revelados. O fato das eleições presidenciais
serem descasadas das eleições de chapa, por sua vez, pode ajudar a militância a
se envolver na campanha da dobrada Gleisi-Wadih, independente de seus demais
compromissos. De modo que as desculpas ficam bastante reduzidas. Se a militância
impuser a dobrada e a viralizar, talvez seja possível impor um recuo aos
divisionistas e unificar 100% pelo menos da presidência, sem prejuizo do debate
entre chapas continuar se desenvolvendo. E eu prefiro manter a esperança deste
congresso ter um desenvolvimento positivo com a recondução de Gleisi pela militância.
Eu, particularmente, gostaria muito de que o Wadih assumisse logo a campanha de
Gleisi, por entender que existe um lugar político que pode ser ocupado pela
dobrada Gleisi-Wadih, independente do atual mapa de forças. Principalmento no
Rio, onde Quaquá impede a consolidação da candidatura de Gleisi. Porque
momentos difíceis precisam de ações simples de entender: Reeleger Gleisi para a
presidência do PT e eleger Wadih no Rio me parece bastante intuitivo e positivo
para a militância. Não perco a esperança, mas sei que é um debate muito difícil,
e não tenho dúvidas de que o PT e nosso congresso estão na mira do golpe e
sujeitos a uma imensa pressão externa e interna. Não seriam surpreendentes
perseguições internas ou agressões ao livre debate. É preciso uma atenção
especial para construção de condições internas seguras e propícias ao debate político.
Com isso se reconstroi tudo.
*Chris Granha teve a ficha de filiação ao PT assinada por Apolônio de Carvalho, seu companheiro do núcleo de base que ajudou a fundar após a campanha Lula de 1989. Durante sua trajetória de militante petista chegou a ser candidata duas vezes a presidente estadual do PT. Como militante sindical participou de chapas em telefônicos e petroleiros e congressos da CUT. Impulsionou diversos comitês de campanhas nacionais e internacionais e, depois do golpe, ajudou a fundar o Comitê Volta Dilma RJ. Atualmente é militante de base do núcleo do PT RJ "Ninguém Fica para Trás".
Pede-se maturidade em um partido que fez uma clara opção eleitoreira, capacitada por uma burocracia que retirou todo e qualquer aprofundamento participativo e representativo das suas estruturas de base.
ResponderExcluirAssim "congresso ou não" é uma forma de diluir contradições anteriores a 2002, ano em que as bases eleitoreiras já estavam sedimentadas e a ausência de debate interno, reprimido pelos consultores personalíssimos, deixavam de construir um movimento político real e objetivo para amparar as reformas estruturais que permitiriam transitar pela democracia real e existente com rupturas com o entulho autoritário presente e gerido competentemente pela estabelecida distensão golberiana. Por este e outros motivos, de razão ideológica e programática, é que deveremos realizar um congresso de base, uma verdadeira constituinte que faça uma honesta leitura da carta de fundação. Uma fundação que nos colocava na vanguarda da construção de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária, tendo como base a emancipação. Prática emancipatória negada no interior do partido por uma representação dirigente de cunho conservador, no seu pior significado!
As razões para o golpe articulado por uma reconhecida guerra híbrida estavam postas desde o pacote de abril de 1977, pela assim estabelecida distensão golberiana, entre diástoles e sístoles alternadas com precisão política. Houve interesse internacional, sabidamente norte-americano! Os interesses locais potencializaram, para além de um aliança estratégica sustentada na falida coalizão parlamentar financiada para garantir uma diluída governabilidade de conciliação e diluição de contradições. Pois foi este aliado estratégico que abriu a porteira, com um programa diametralmente oposto, para o golpe de 2016. Um golpe que encerraria mais ciclo de transição para a democracia inconcluso e estabeleceria o maior retrocesso cultural, social e econômico da história em nosso país.
Sem entender as raízes do golpe pouco avançaremos na construção de alternativas reais dos respectivos e múltiplos polos de aglutinamento. Sendo assim, erra-se gravemente quando se tenta amparar 47 milhões de votos passivos nas falsas e incorretas centralidades escolhidas ao longo do processo de impeachment e da afirmação do golpe com a prisão do Lula e a derrota eleitoral do Haddad. Interessante verificar que os 2 milhões de filiados desaparecem em momentos cruciais.
O PT terá que decidir se de fato é um partido de esquerda. Terá que decidir se voltará a ter base ativa, participativa e crítica organizada horizontalmente. Terá que afirmar a radicalidade democrática, com um portal da transparência, com um orçamento participativo orgânico, com consultas, plebiscitos e referendos obrigatórios, para assim superar seu viés eleitoreiro e afastamento dos movimentos sociais.
A bandeira do "Fora Bolsonaro" está totalmente fora do contexto do golpe, assim como o Fora Temer, ponta pé inicial do retrocesso.
O PT do Rio é a síntese de intervenções da nacional para amparar bem representada por Quaquá e Benedita, base da maior derrota nas últimas décadas e transformação em um partideco estadual. Triste realidade despolitizada, como já se afirma este congresso passivo de filiados e ativo de garrafas consagradoras!