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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

O Exemplo de Lambert como perseguido político

O ano de 2020 se inicia com a respiração em suspenso. Os retrocessos históricos que chegamos a acreditar que não mais aconteceriam têm tomado as manchetes de jornais, aterrorizando as vítimas do sistema.
Nesta entrada nos anos 20, a primeira postagem do Blog Ciência & Revolução é dedicada ao camarada Lambert, que nos deixou num outro janeiro, do ano em que a atual crise estourou: 2008. A crise, iniciada em 2008, continua sem solução para o imperialismo estadunidense, que lança mão do "lawfare", golpes e guerras para manter politicamente uma dominação sobre o resto do planeta que cada vez mais não consegue manter pelas vias econômicas. A anarquia do mercado não é mais eficiente que a economia planificada. Esta é a verdade inconveniente que querem esconder, e, por isto perseguem as vozes que não se calam.
Lambert também foi vítima de perseguição política. O texto que reproduzimos agora foi apresentado por Lambert diante de um tribunal de seu país, quando estava sendo processado por apoiar o movimento de independência da Argélia contra o governo francês. Lambert, ao contrário de muitos dirigentes do movimento operário, nunca capitulou ao imperialismo, por isto este texto é uma aula de defesa da direito dos povos à autodeterminação, que é simplesmente o direito de cada povo a dispor de si mesmo, sem qualquer interferência externa. Lambert se insurge contra o Estado imperialista francês, sua própria pátria natal, e por isso, é acusado de atentar contra a integridade territorial da França, uma acusação semelhante a traição nacional; seria como se Lambert apoiasse um movimento separatista.
Mesmo frente à máquina de repressão do Estado francês, Lambert assume completamente a responsabilidade pelos textos publicados na Revista 'A Verdade', à época órgão informativo de sua organização.
Uma postura esperada de um dirigente é assumir responsabilidade pelo que acontece em sua organização, inclusive sobre a ação de seus militantes que tenha sido discutida em seu interior.
Ao defenderem as posições de suas organizações, muitos militantes se defrontam com perseguição política, e esta pode atingir tanto lideranças como militantes comuns. Uma organização que se preza, preza seus militantes e os defende contra a perseguição.Esse é o papel de um dirigente que não se rende aos aparelho do Estado e por consequência não capitula a sua própria burguesia. Foi com o camarada Lambert que aprendemos a não deixar os nossos para trás.
Diante do tribunal de Recursos de Paris em 7 de junho de 1957, Pierre Lambert, em nome dos quatro acusados, resume a posição de sua organização nestes termos:

"Senhor Presidente, Senhores,
Gostaria de, inicialmente, determinar as responsabilidades dos quatro militantes trotskistas que estão sendo julgados hoje.
Trotskista desde 1938, assumi diversas responsabilidades e, desde 1952, assumo a direção política da organização. Nesta condição, reivindico pessoalmente a responsabilidade por todos os artigos publicados em ​ A Verdade e que são, atualmente, objeto de processos. Reli nesta manhã os artigos incriminados e posso assegurar que, se tivesse tido o sentimento de que uma só idéia estava errada, em contradição com o ideal democrático e revolucionário que se confunde com a necessidade e os interesses profundos do povo francês, ideal pelo qual combato há mais de vinte anos, reconheceria aqui francamente. Considero que é impossível suprimir uma só linha desses artigos.
Permito-me recordar que, a partir de 26 de novembro de 1954, escrevemos a propósito das operações que haviam começado em primeiro de novembro de 1954:
'Contrariamente às alegações oficiais, não se trata de uma simples operação de polícia, mas de uma nova, terrível e sangrenta guerra'.
Ampliamos a questão no número 347 de ​ A Verdade ​ , de 7 de janeiro de 1955, na qual se podia ler:
'Qualquer pessoa com algum conhecimento, mesmo limitado, dos problemas do Norte da África, pode facilmente prever o inevitável desenvolvimento da guerra da Argélia. Novas e mais numerosas forças materiais e humanas deverão ser arregimentadas pelo imperialismo francês, enquanto, no outro pólo, entre as massas argelinas, combatentes se levantarão em maior número. O paralelo entre início da guerra da Indochina [Vietnã] e os acontecimentos que se desenrolam na Argélia é impressionante. Em especial, as próprias afirmações dos oficiais franceses sobre a 'situação sob controle e etecetera, contestadas por outros testemunhos e informações sobre multiplicação de maquis (guerrilheiros) em Cabília, a formação dos grupos armados em Oran, as operações de buscas efetuadas em grande escala as manifestações de solidariedade dadas aos combatentes argelinos pela população dos acampamentos das cidades...Confesso estar desconcertado por ter de responder, hoje, em sua frente, senhor presidente, sobre tal artigo.
Acusam-nos de atentar contra a segurança externa do Estado, por '​ haver empreendido, por qualquer meio, um atentado à integridade do território francês'.
Considero que o artigo 80 não pode ser aplicado a nós. Nossos advogados nos defenderão sobre esse ponto, mas eu gostaria de recordar resumidamente que, se a doutrina oficial de primeiro de novembro de 1954 era aquela resumida pela famosa formulação do senhor Mitterrand, então ministro do interior, hoje ministro da justiça: "ele próprio, hoje declara-se partidário de uma modificação decisiva nas relações estruturais entre a França e a Argélia, preconizando uma estrutura federal, o que, é claro, implica que a Argélia não é mais a França. No âmbito da República Francesa, una e indivisível, parece-me inconcebível ver, um dia, a Bretanha federar-se à Ile de France [são duas regiões que fazem parte do território francês.
Nota do tradutor]". Sei que políticos ainda estão ligados a essa concepção antiquada - a Argélia assimilada a uma região do nosso país, a Provença, por exemplo.
Aliás, talvez não a um, mas a três departamentos. Não creio que, seriamente, seja possível ater-se a tal ponto de vista. Hoje, são numerosas as personalidades de diversas formações políticas, que tencionam, de uma forma ou de outra, reconhecer à Argélia a sua qualidade de nação.
Assim, dado que a Argélia deve ser considerada uma nação, não somente como revolucionários, mas igualmente como democratas, consideramos que é um princípio que qualquer francês, independentemente das suas responsabilidades, deve respeitar: o princípio do direito dos povos disporem de si próprios, princípio nascido da grande Revolução Francesa. Reconhecemos plenamente ao povo argelino o direito de dispor livremente de seu destino e de seu futuro. Toda a campanha desenvolvida em ​ A Verdade é baseada nessa linha. Todas as palavras, as análises, são ditadas pela preocupação permanente de se ver forjar uma situação de paz na qual a palavra será devolvida ao povo argelino. O que implica a abertura de negociações imediatas sem questões prévias, entre o governo francês e os representantes de todas as formações políticas argelinas, a fim de conduzir a um cessar-fogo e à definição de um novo estatuto nas relações entre França e Argélia - como o povo sendo chamado a pronunciar-se, com toda a soberania, em eleições para uma Assembléia Constituinte, sobre as soluções políticas para a situação.
Essa posição é a única que não somente pode restabelecer a paz entre os povos francês e argelino, mas assegurar igualmente uma coexistência harmoniosa e fraternal entre as coletividades européia e muçulmana. Considero que os interesses da imensa maioria dos pequenos agricultores europeus, só serão defendidos e assegurados se os argelinos muçulmanos obtiverem garantias políticas de sua liberdade. É impossível que homens possam viver sempre com o sentimento de ser considerados cidadãos de segunda classe, após terem sido sujeitos por mais de cem anos. É impossível que aceitem a sempre vergonhosa discriminação racial em todos os seus territórios e a cada momento da sua vida diária. É impossível que possam razoavelmente satisfazer-se com uma situação na qual o voto de um
argelino europeu equivale ao de nove argelinos muçulmanos.
Esta é a nossa posição, e ela decorre da nossa fidelidade ao Programa de Transição elaborado por Leon Trotsky em 1938.
Tenho aqui uma das edições desse programa, publicada pelo nossa camarada Marcel Hic, secretário-geral do nosso partido, morto durante sua deportação para Dora. O texto afirma''​ Os problemas centrais dos países coloniais e semicoloniais são a revolução agrária, ou seja, a liquidação da herança feudal e a independência nacional, ou seja, a derrubada do jugo imperialista. Essas duas tarefas estão estreitamente ligadas uma à outra... A palavra de ordem da Assembléia Nacional ou Constituinte deve ser vinculada indissoluvelmente às tarefas da emancipação nacional e da reforma agrária ''. Esse programa, assinalo, reeditado diversas vezes, nunca foi objeto de perseguição. Ele está na base de nossas atividades e de nossos escritos."

Brochura "Os Trotskistas Processados" - 1960 Extraído da Revista A Verdade - Revista Teórica da IV Internacional - Número 60/61 - junho de 2008 - Especial dedicado à memória de Pierre Lambert

Comentários

  1. Artigo muito oportuno e vinculação bem estabelecida, num momento em que o 'salve-se quem puder' se sobrepõe à ética e à dignidade humana e militante.

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