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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

SÉRIE ENTREVISTAS POPULARES – Trabalhadores com a palavra 1. Um Motorista de Uber




A classe trabalhadora vem sofrendo os efeitos da pandemia na própria pele. Enquanto o patronato recebe apoio governamental, os trabalhadores ficam expostos em filas de banco para receber um auxílio que não paga as contas e a situação só vem piorando, como mostram os dados mais recentes do IBGE sobre desemprego. Esses dados foram pesquisados no período em que as primeiras consequências da pandemia já se mostravam.  O próprio IBGE diz que é difícil precisar o efeito da pandemia nesses índices, pois as primeiras medidas de isolamento começaram no final da fase da coleta realizada pela pesquisa. O certo é que dois milhões de pessoas deixaram de trabalhar entre dezembro de 2019 e março de 2020, somando um total de 12,85 milhões de desempregados.  É notável ainda que os dados do IBGE apontam um agravamento no dito mercado informal; assim, os setores mais desprotegidos da classe operária entram na pandemia sofrendo mais com o fechamento de oportunidades.
É nesse cenário que o Blog Ciência e Revolução abre suas páginas para um companheiro motorista de aplicativo. Não revelaremos mais detalhes acerca deste companheiro, a fim de evitar perseguição política.

1.C&R: Que tipo de proteção social as empresas de aplicativo estão oferecendo aos trabalhadores durante a pandemia?
Companheiro:
A gente trabalha com dois aplicativos: Uber e 99. Eu, particularmente, acho mais seguro o aplicativo 99 porque, quando a gente aceita o pedido do cliente, mostra-se a origem e o destino da corrida. A UBER não faz isso, mostra mais ou menos a região. Na questão social, a Uber tem sido melhor, embora eu tenha optado por não trabalhar, ficando em quarentena. Em relação a adoecer com a COVID 19, a UBER paga apenas 14 dias de licença, fazendo uma média dos últimos 90 dias de corridas. Ouvi dizer que a 99 também faz, de forma um pouco mais complicada. Uber concede o benefício também em caso de suspeita, com atestado médico ou para quem faz parte do grupo de risco, por orientação médica. É como fazem as outras empresas, no caso de carteira assinada: 14 dias de licença pelo Uber e, a partir daí, pelo INSS.
Quanto a equipamentos de proteção, álcool gel e máscara, UBER cobre até 40 reais. Não me lembro agora se é por semana ou quinzena.  Você compra e envia para o app o cupom fiscal e é feito o reembolso. A 99 não se manifestou nesse sentido.

2.C&R: Qual foi o impacto no número de corridas após a pandemia?
 Companheiro:
Antes de eu iniciar a quarentena, o número de corridas tinha caído, mais ou menos, 80%. Depois que o isolamento foi relaxado, deve estar mais ou menos entre 30 a 50% abaixo do normal, segundo a maioria que ainda trabalha. O camarada que trabalha na Baixada, em Duque de Caxias, deve fazer 50% de corridas. Na Zona Sul, Barra, Jacarepaguá, a redução deve ter sido bem maior.

3.C&R: A COVID-19 foi reconhecida como acidente de trabalho. Que tipo de proteção vocês, motoristas, têm em caso de acidente?
Companheiro:
Não. Aqui a Covid-19 não foi reconhecida como acidente de trabalho. Não sei como o INSS está tratando isso. Quando a pessoa é infectada, vai para o INSS. Existe o seguro concedido ao motorista e ao passageiro enquanto estiverem em viagem. Se não estiver em viagem, nada acontece em termos de garantias, o motorista fica no prejuízo. Em caso de acidente, o seguro só cobre a parte de dano físico à saúde. Quanto ao carro, não há cobertura. O motorista tem que arcar com o seguro do carro.

 4. C&R: Você se sente correndo riscos? Quais as situações de ameaça você já enfrentou, tanto em relação à COVID-19, quanto à violência?
Companheiro:
O risco da Covid-19 existe. Há grande chance de você ser infectado pelos passageiros. Por essa razão preferi ficar em casa. Além do fato de ter diminuído o número de corridas, também não quero me expor ao contágio.
Quanto a acidentes, no Grande Rio há riscos importantes. Em determinados bairros é menor, como Barra da tijuca, bairros da Zona Sul, uma parte de Jacarepaguá, Recreio. Mas há regiões mais perigosas, como Baixada Fluminense, Zona Norte, Zona Leste, trechos da Zona Oeste como Realengo, Padre Miguel, Cosmos, Bangu, e outros mais violentos, envolvendo riscos de assaltos, tiroteios cruzados... A profissão é bastante arriscada. Eu tenho procurado evitar os riscos não trafegando por regiões onde ocorram assaltos e tiroteios.

5.C&R: Qual a sua visão da cidade, antes e depois da pandemia? Que principais contradições você identifica?
Companheiro:
Violência, em primeiro lugar; depois engarrafamentos com trânsito complicado nos horários de pico, manhã e tarde. Eu rodo mais durante tarde e noite, e o pior horário é das 17h às 20h. Há um terceiro problema, que é o abandono do Rio pelo poder público. Parece que estamos sem prefeito: ruas esburacadas, gerando prejuízos com pneus. Já perdi 2.

 6.C&R: Quais medidas de proteção social você esperaria?
Companheiro:
Eu esperaria um governo com mais responsabilidades a favor da população e que não falasse tantas abobrinhas e bobagens, que tivesse um bom senso. Infelizmente, nós temos no poder um governo de aberrações, que não está nem aí para seu povo. O governo Bolsonaro e toda sua equipe têm sido a maior ameaça para todos nós. Inclusive, revistas científicas também consideram isso. Bem complicado atravessar esse momento trágico com um governo desta natureza.
Em relação à questão de cobertura pelos direitos trabalhistas, embora o STF tenha decidido que Covid-19 é acidente de trabalho, isso não beneficia os motoristas de Uber, pois eles são considerados ‘parceiros’' e, não, empregados.

7.C&R: Você considera que um governo de emergência do PT poderia resolver o problema?
Companheiro:
Coloco a dúvida de como se daria esse governo emergencial. Se houvesse um governo do PT, estaríamos numa situação mais confortável, como outros países. Por exemplo, nossa vizinha, a Argentina, com governo progressista, e mesmo com as dificuldades que têm, os números da Covid-19 estão infinitamente abaixo dos nossos, tanto em casos, como em mortes. Acredito que um governo do PT, resolveria essa situação, embora não totalmente, porque não seria zerada a taxa de infectados nem de mortos. O mundo inteiro está sendo afetado. Sobre a questão do governo emergencial, os trabalhadores teriam essa dúvida: como se colocaria um governo emergencial do PT? Fazendo uma revolução?  Porque, pelas instituições, a gente sabe que não vai acontecer. E quando eu falo que acredito que um governo do PT resolveria, falo porque tivemos uma prática dos 13 anos dos governos Lula e Dilma em que houve grandes melhorias em todos os aspectos, em todas as áreas. Inclusive, quanto ao pré-sal que destinava uma boa parte de investimentos para a saúde pública e para educação. Mas os golpistas que estão no poder tiraram isso do povo. A questão é: de que forma viabilizar o programa emergencial do PT?

8. Qual a sua posição sobre a greve nacional (entregadores de aplicativos) de 01/07/2020? Vê alguma relação desses trabalhadores com os motoristas de aplicativo?
Companheiro:
Foi uma greve justa devido às condições de trabalho dos entregadores que vivem em situação de risco constante. Mas penso que falta para essa categoria também uma organização sindical que os represente da melhor maneira. Eles, assim como motoristas de App, têm vários problemas; no caso deles ainda mais complicado, pelo fato de serem motoqueiros e moto no trânsito traz mais riscos aos condutores. Não sei bem como funciona a meta deles, mas se arriscam muito no trânsito para fazer as entregas e acabam pondo em risco os outros também. Eu, algumas vezes, quase atropelei alguns motoqueiros entregadores devido à forma como são submetidos a trabalhar e se comportar no trânsito. São pressionados pelo horário de trabalho e pela rapidez a ser cumprida nas entregas; ironicamente, levam comida para os outros, mas não se alimentam; dirigem na chuva, em ruas alagadas, etc. Vira e mexe me deparo com algum acidente envolvendo esses profissionais. As empresas, na disputa pelo mercado, fazem promoções para conquistar clientes e isso acaba caindo na conta de quem está suando a camisa.
Algo parecido com a disputa entre Uber e 99, mas numa situação ainda mais precária para quem está trabalhando.

9. C&R: Na sua opinião o movimento teria sido bem-sucedido?
Companheiro:
 Vai depender da capacidade de organização e da persistência em novas ações do movimento. Pois os motoristas de Apps também fizeram uma greve no ano passado sem êxito: não adiantou meia dúzia de gatos pingados terem ido para a rua e mais de 90 trabalharem. Não surtiu efeito, ao contrário, contribuiu para desacreditar o movimento. No dia da greve de motoristas, em 2019, uma parcela considerável aderiu, mas teve uma parte que não.  Em consequência, os Apps botaram preço especial e, no final, quem não aderiu se deu bem.  Pelo menos naquele dia. Os motoristas reivindicavam um preço melhor, mas aconteceu o oposto: o valor foi um pouco reduzido, de R$6,50 para R$6,19, por conta da concorrência entre Uber e 99, pois as disputas por melhores preços entre as empresas é que são priorizadas. Em suma, além de não ter conquista alguma, ainda houve perda. E depois disso não houve mais movimentos. Essa concorrência é a mesma que ocorre entre as empresas/aplicativos de entregadores que disputam mercado com promoções e o motoqueiro é sempre colocado em risco, para atender a sobrecarga de pedidos.   

10. C&R: Existe algum tipo de organização (sindicato) entre motoristas de aplicativo?
Companheiro:
Não há organização sindical, mas existem algumas associações como a AMBAB, nacional, criada em 2017 e uma fluminense, a AMBA. Em SP tem a AMASP. Politicamente, deixam a desejar pois não têm preocupação em organizar a categoria de forma mais consistente. Por exemplo, não há formação política...  A maioria dos motoristas são bolsominions fanáticos, mesmo quando são alertados para o fato de Bolsonaro ter votado contra os motoristas de aplicativo, quando era deputado. Para mudar essa mentalidade, teria que haver uma entidade que orientasse, informasse corretamente, combatesse as fakenews, distribuísse um jornal ou informativo da categoria, com distribuição regular, apontando os aspectos negativos do governo e a cruel realidade do país.
Segundo me informaram, a Cut tentou organizar um sindicato nos moldes de empresas de tecnologia, Ifood, etc. Mas, depois da pandemia, as discussões não avançaram muito.


11. C&R: Existe alguma facilitação, por parte das empresas, para aquisição de veículo próprio?
Companheiro:
Em março, após o início da pandemia, o Itaú lançou uma campanha para prorrogar por 60 dias o prazo de empréstimos e financiamentos para clientes. No dia 25/03, entrei em contato por telefone e solicitei prorrogação do meu contrato. Como minha parcela vence dia 30, tive que pagar março. Só que toda semana chegava mensagem dizendo que minha solicitação estava em análise. Mas, quando chegou 30/04, não debitaram na minha conta a parcela devida, apesar do financiamento estar em débito automático. Consequentemente, entendi que ia realmente ser prorrogado. Só que nesse meio tempo aí, a Febraban lançou um documento orientando os bancos a colocarem juros sobre as parcelas. No dia 27/05 consultei meu extrato e vi que a parcela constava de lançamentos futuros para 30/05. Com isso eu não contava, porque a promessa tinha sido prorrogar por 60 dias. Então, tive que ligar novamente para o banco e informaram que tinha dado problema na minha solicitação e que o banco estava providenciando a prorrogação, mas ia ter acréscimo de juros. Ou seja, a promessa foi outra: prorrogação sem juros; mas agora, se eu prorrogar por 2 meses, minha prestação que é de R$985,00 vai aumentar mais R$ 48,00; se eu prorrogar por 4 meses, que é o máximo de prazo, aumenta em torno de R$98,00. Por isso, optei por dar um jeito e pagar em dia, para fugir dos juros extra, além dos juros originais do empréstimo.o.

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