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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

Decolonialidade: a última moda nos meios intelectuais é uma tentativa de negar a unidade mundial da luta de classes.




 Um novo modismo tem atingido em cheio as comunidades científicas de diversas áreas do conhecimento nos países semicoloniais, em especial nos países da América Latina: a ideia de decolonialidade. Quando buscamos os títulos mais vendidos  no site da livraria do Departamento de Física da USP temos dois títulos com essa temática. Uma exposição no MASP intitulada  Uma breve história dos estudos decoloniais encontra a origem desses estudos nos trabalhos do pesquisador peruano Anibal Quijano,  O mesmo site define decolonialidade como (...) conjunto heterogêneo de contribuições teóricas e investigativas sobre a colonialidade (...). Uma rápida pesquisa nos leva ao site da UNISINOS em honra ao legado de Anibal Quijano. Um artigo especialmente é citado: Colonialidade do Poder - eurocentrismo e América Latina e a importância desse artigo nos obriga a resenhá-lo em separado, em próxima oportunidade. 

Resolver a dominação cientifica e cultural é certamente uma tarefa de defesa da soberania nacional dos países semicoloniais. 


Em dezembro último, a OMC debateu a quebra de patentes de remédios associados à Covid-19. Patentes são um instrumento imperialista por excelência, pois exigem o monopólio de produtos, especialmente remédios. O economista Paulo Gala relata aqui, a luta da Índia pela defesa do direito de produzir remédios. Essa é certamente uma luta dramática para qualquer povo, assim como o acesso aos recursos naturais; tarefas essas associadas à soberania  nacional que devem ser realizadas por uma Assembleia Constituinte, como explicamos no texto em homenagem a Trotsky e no texto que reproduzimos, do dirigente trotsquista François de Massot, contando uma experiência no Peru. Contudo, seria disso que trata a decolonialidade? O que teriam os intelectuais da decolonialidade a dizer sobre a questão da dívida externa, sobre a base de Alcântara e tantos outros temas associados à soberania nacional?  Tentaremos agora traçar algumas primeiras impressões sobre o assunto.

Influência do Positivismo

No livro Teorias e Interpretações da Mecânica Quântica, o professor Nelson Pinto   comenta acerca da influência do positivismo na Física Moderna, em particular na Mecânica Quântica.

(...) a imensa maioria da comunidade de físicos se preocupou muito mais em aplicar a teoria aos mais variados domínios e testá-la experimentalmente, a partir de um algoritmo mínimo de produção de resultados, do que investigar questões fundamentais acerca do algoritmo. Este império conceitual e prático, impulsionado pela produção da bomba nuclear e consonante com a visão pragmática do capitalismo do pós-guerra se tornou tão poderoso que qualquer tentativa de questioná-lo ou entendê-lo era considerada filosofia ou metafísica supérflua (...). Aqui, em Ciência & Revolução nós discutimos o papel da automação na luta de classes, demonstramos ainda o vínculo indissociável entre desenvolvimento científico e orçamento militar, na época do imperialismo - fase superior do capitalismo. Assim, não é surpreendente que o esforço de guerra, travestido de doutrina filosófica, tenha direcionado o desenvolvimento de uma teoria científica. 

Em um trecho posterior o professor Nelson acrescenta: Esta situação mostra perfeitamente bem como a comunidade de físicos não tem nada de especial em relação a tantas outras, que ela pode ser dominada por dogmas e preconceitos, tal como os cardeais de Galileu, que se recusaram a olhar em seu telescópio. Parece que outras comunidades também não são muito diferentes dos cardeais de Galileu. Detectando mais uma vez a assinatura positivista na interpretação oficial vigente da Mecânica Quântica, o professor Nelson Pinto cita Bohr e, na sequência, Berkeley, com uma frase que poderia sintetizar o pensamento positivista Existir é ser percebido.  Porém, essa influência do positivismo não se restringe à mecânica quântica. Aqui em Ciência e Revolução, nós resenhamos o livro Materialismo e Empiriocriticismo, onde Lenin polemiza com o físico Ernest Mach e com o filósofo Avenarius acerca de seu pensamento filosófico que, naquele momento, avançava sobre as fileiras bolcheviques travestido de materialismo dialético e histórico. A distinção entre o materialismo dialético e histórico e o empiriocriticismo não é trivial, pois o empiriocriticismo denfende algo como a pureza da experiência; e esta defesa da supremacia experimental, pode ser confundida com materialismo. Porém, é necessário entender que os seguidores de Mach e Avenarius achavam que a realidade é composta no cérebro, a partir dos sentidos humanos, não existindo assim uma realidade objetiva, ou melhor, independente do ser humano. Essa confusão é ainda mais fácil de ser entendida quando ela favorece o interesse das burguesias mais poderosas do mundo. Em especial, quando é necessário dirigir o desenvolvimento científico para uma aplicação específica de interesse da burguesia imperialista.

Denúncia da Colonização e do Eurocentrismo o caso da economia



Em recente live, transmitida no canal do economista Paulo Gala,   com o título Descolonizar o pensamento econômico,  o professor adjunto de Economia da UNIFESP, Andre Roncaglia, começa citando o astrofísico Neil Degrasse Tyson que, em seu programa de divulgação científica, teria se indignado com a postura dos dirigentes europeus chegarem a considerar que as Pirâmides do Egito seriam obra de extraterrestres. Roncaglia cita Degrasse Tyson para exemplificar o que seria o pensamento eurocêntrico e colonizante. Durante a live a economista Carolina Alves explica o conceito de decolonização (grafado assim mesmo, não é descolonização, é decolonização). Carolina Alves comenta acerca do racismo estrutural e outros conceitos explicando os limites do estudo da decolonização, que ela divide em três partes:


1) Racismo de identidade

2) Falhas na teoria econômica 

3) Eurocentrismo. 


Carolina se pergunta o que é conhecimento válido?   E discute que constitui um problema  as escolas de pensamento econômico terem uma visão de economia, de mercado, de finanças e de comércio orientada pelas economias do Norte. A posição de Carolina é uma afirmação do senso comum, quem não sabe que os EUA e a União Europeia mandam no mundo? Essa subordinação mundial a esses países é um fato há mais de um século. Não tivemos países novos introduzidos nesse fechado grupo de países imperialistas e essas economias são as economias que mandam no mundo, por um único motivo, seu poderia financeiro/bélico. 

Na sequência, André Roncaglia pergunta aos participantes se existe uma teoria econômica de aplicabilidade universal, ou se seria possível fazer um pensamento econômico nacional e passa a palavra para Fernanda Cardoso e Paulo Gala. Fernanda Cardoso responde que não existe, que a economia foi pensada sempre por homens brancos e europeus. Fernanda diz que devemos quebrar os óculos do ponto de vista europeu e passar para novos óculos. Aqui lembrando muito o ponto de vista do positivismo supracitado, na Física. Como se o problema da economia estivesse associado ao observador e não ao modo de produção propriamente dito, para Fernanda Cardoso seria possível que um outro observador, um observador que não estivesse localizado no norte do Planeta, não fosse homem e branco pudesse observar a economia de ponto de vista diferente e ver coisas diferentes, que os observadores do norte não conseguem. A questão é o que isso implicaria concretamente para a maioria do povo trabalhador do Norte e do Sul? Pois Fernanda Cardoso parece esquecer que existem trabalhadores assalariados também nos países desenvolvidos e que nos EUA, por exemplo, esses trabalhadores não possuem condições de vida muito diferentes das condições de vida de trabalhadores dos países semicoloniais. Além disso, a deslocalização da indústria na década de 90 para os países semicoloniais, pode ter gerado emprego nesses países, mas gerou profunda degradação das condições de vida dos trabalhadores da OCDE o que, num cômputo geral, foi uma perda para a classe trabalhadora mundial. Então, a afirmação de Fernanda Cardoso parece descolada da realidade. O trabalho do ex-chefe do FMI, Blanko Milanovich, desmente completamente Fernanda Cardoso. Aliás, Blanko Milanovich está em pleno acordo com os estudos de Marx e Lenin acerca da divisão mundial do trabalho e da partilha do mundo pelas grandes potências.



Paulo Gala, em sua fala, cita seu estudo no mestrado em que analisou um trabalho intitulado Usando as lentes da retórica; este, mais uma vez, apresentando uma visão bastante positivista. Na sequência, Gala cita alguns sociólogos, em particular Bordier. Paulo Gala comenta às vezes, a ciência é usada como instrumento de poder. O orçamento da ciência norteamericana, tutelado pelo orçamento de guerra, nos sugere que não é às vezes, mas sempre! Nesse caso, Gala parece discordar de Fernanda Cardoso, pois ele mesmo advoga o uso de um indicador econômico chamado Atlas da Complexidade Industrial.


A palavra, então, é passada para Elias Jabour que diz que estudou Lenin e que Lenin foi o teórico do desenvolvimento econômico russo. Mas Lenin também escreveu sobre o imperialismo. Foi Lenin quem definiu o imperialismo como fase final do capitalismo, estudando em particular as grandes potências. Seria Lenin então um colonizado? Lenin entendia muito bem a posição da Rússia no mercado mundial e entendia que o mercado mundial estava em processo de degradação, o que ficou conhecido como Primeira Guerra Mundial. Marx tinha previsto a queda da taxa de lucro e depois Lenin constatou o fim dos mercados "disputáveis" e a conclusão do processo de partilha do mundo entre grandes potências. Conclusão, no sentido de que todos os mercados estavam dominados por alguma grande potência e que a alternância da potência dominante só poderia ocorrer via enfrentamento bélico. Dizendo em bom português: na bala! Então, ainda assim, mesmo depois desses sucessos do pensamento econômico marxista, ainda é possível que alguém afirme que não existe um pensamento econômico de aplicabilidade universal, negando praticamente a existência de um mercado econômico global, negando a existência de um modo de produção em escala planetária. Por acaso a compreensão desse modo de produção em escala planetária seria uma abstração, já que não somos capazes de percebê-lo com nossos sentidos?



Propostas concretas: aumento da complexidade industrial


Paulo Gala tem um interessante livro que certamente está na lista dos que serão resenhados por C&R. O seu título é Complexidade Econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das naçõesGala reivindica uma linha econômica denominada por ele de estruturalismo econônomico que tem como uma das expoentes mundiais a pesquisadora Italiana Mariana Mazzucatto, autora de livros como o Valor de Tudo e o Estado Empreendedor. O professor Michael Roberts oferece aqui uma crítica ao trabalho de Mazzucato. Em resumo, Gala e Mazzucato confundem valor de troca com valor de uso. A diferença entre as duas formas de valor é explicada por Karl Marx em O Capital -Livro I pagina 117: Portanto, é unicamente a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário que determina a grandeza deste valor.... Por esta razão, mercadorias em que estão contidas quantidades iguais de trabalho ou que podem ser produzidas no mesmo tempo de trabalho, possuem o mesmo valorAqui no blog nós repercutimos que o aumento dos gastos estatais por parte dos países imperialistas, em geral, está relacionado ao esforço de guerra. Mesmo o professor Nelson Pinto reconhece o direcionamento da pesquisa científica para os interesses do império. O que torna a proposta de Paulo Gala totalmente inócua. Talvez, por isso, ele precise se associar a quem diz que nenhuma teoria econômica é capaz de descrever a economia mundial, justamente porque qualquer descrição dessa economia mundial, mostra que sua tese está errada.


Decolonizar ou Frente Única Anti-imperialista: quais as diferenças concretas?


Não é explicado, nas mais de duas horas, na live, quais as tais falhas da teoria econômica e a que teoria econômica se referem, embora reivindiquem o estruturalismo econômico; muito menos quais medidas seriam necessárias para industrializar/decolonizar os países semicoloniais. Contudo, o movimento operário levanta há muito tempo uma pauta de medidas necessárias agrupadas numa pauta anti-imperialista, que deve ser aplicada por uma Assembleia Nacional Constituinte.  Podemos citar essa pauta em alguns pontos:


1) Reforma agrária: terra para quem nela trabalha

2) Monopólio estatal do comércio exterior 

3) Cancelamento das dívidas com especuladores 

4) Bloqueio do fluxo de capitais especulativos

5) Revogação do marco regulatório que permite a manutenção da austeridade fiscal. 

Citemos explicitamente a Emenda Constitucional 95, a Lei da Responsabilidade Fiscal, a Lei Kandir, entre outras.

6) Controle da taxa de câmbio

7) Imposição do controle de preços, em especial: itens da cesta básica, aluguéis, comunicação, luz e água. 

8) Estatização das empresas ligadas aos recursos naturais como Vale do Rio Doce e toda a cadeia petrolífera, assim como a EMBRAER e outros setores estratégicos. 

9) Retomada da Base de Alcântara

Essas seriam algumas medidas econômicas para um programa de Frente Única Anti-imperialista no Brasil, que seguiriam a linha de um governo anti-imperialista. 


Entretanto, essas medidas ainda passam longe de ser suficientes, pois o aparato repressivo do Estado brasileiro, é uma máquina de destruição contra a classe trabalhadora, desde o poder judiciário, abertamente infiltrado pelo Departamento de Estado dos EUA, como demonstra a ação da operação Lava-Jato.




A solidariedade entre trabalhadores dos países imperialistas e países semicoloniais. 


Os intelectuais supracitados não colocam nenhuma medida concreta que interessa ao povo, apenas divulgam uma política que, travestida de combate ao eurocentrismo, parece mais um tipo de xenofobia, onde se acirram os ânimos para uma eventual polarização de guerra, em um mundo já polarizado por uma guerra dita econômica, mas que, possivelmente, passa muito perto de uma guerra de fato. 


Nesses tempos de negação da luta anti-imperialista, urge expressar a pauta de uma constituinte soberana que distribua a terra, controle o comércio exterior e os recursos naturais e desmonte o aparato repressor antioperário. Nós queremos lembrar uma experiência concreta do dirigente operário francês, Pierre Lambert, que foi processado por defender o direito à autodeterminação do povo argelino e, em 7 de junho de 1957, diante do Tribunal de Recursos de Paris, Lambert rejeitou a acusação de atentar contra a unidade do território francês. Em seu discurso de defesa, Lambert dizia: Acusam-nos de atentar contra a segurança externa do Estado, por haver empreendido, por qualquer meio, um atentado à integridade do território francês. E Lambert continua: Assim, dado que a Argélia deve ser considerada uma nação, não somente como revolucionários, mas igualmente como democratas, consideramos que é um princípio que qualquer francês, independentemente das suas responsabilidades, deve respeitar: o princípio do direito dos povos disporem de si próprios, princípio nascido da grande Revolução Francesa. Reconhecemos plenamente ao povo argelino o direito de dispor livremente de seu destino e de seu futuro. Nesse sentido, Lambert, um operário francês, enfrentou seu próprio Estado para defender a autodeterminação do povo argelino. Por esse e por outros exemplos, no início desse trágico 2020, publicamos a íntegra da defesa do Camarada Lambert frente a um tribunal francês. Seu exemplo concreto como dirigente operário nascido em um país imperialista, ilustra a necessidade da unidade mundial da classe trabalhadora. Lambert poderia ter ficado calado, certamente seria menos custoso, mas fiel ao princípio do internacionalismo operário Lambert preferiu dizer; A Argélia não é a França.


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