Pular para o conteúdo principal

Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

Brexit e impeachment de Trump: Um teste para a doutrina Bannon

O atual momento político e econômico mundial é muito difícil para quem depende de vender suas horas de trabalho para sobreviver.  Incapaz de resolver os problemas básicos de sobrevivência de uma parcela cada vez maior da população mundial, o sistema econômico agoniza, agora sem ao menos conseguir garantir o sucesso econômico dos países-modelo do sistema, como os Estados Unidos, cujo a contribuição para o  PIB mundial  já e menor que o da China e já está ameaçado pelo da Índia.

Neste momento de confusão econômica, a confusão política tende a se espalhar também. Os resultados das últimas eleições presidenciais nos EUA e, mais recentemente, na Grã-Bretanha, têm causado perplexidade e angústia em todos os que defendem os direitos trabalhistas e democráticos pelo mundo. Neste contexto, encontrar um método para análise destes fenômenos não é uma tarefa fácil. Encontrar semelhanças e diferenças entre os processos em curso em diferentes países e dar ao conjunto dos fenômenos uma compreensão comum se torna um desafio.

Nosso blog tem identificado uma forma particular de resposta política aos problemas que a crise econômica do sistema coloca aos próprios capitalistas. Neste texto vamos começar a chamá-la de "Doutrina Bannon". Esta denominação é resultado do desenvolvimento de análises já iniciadas em outros textos do blog Ciência & Revolução, como a análise da  entrevista que Steve Bannon, estrategista político de Donald Trump, concedeu à BBC Brasil. O fato de Bannon se tornar uma referência em nossa análise baseia-se justamente no fato de ele ser um dos principais estrategistas das campanhas eleitorais que têm tido resultados contrários aos interesses da classe que trabalha, conquistando uma parte importante dos votos desta mesma classe.
Na entrevista que Bannon deu logo após a soltura de Lula, ele dizia: "Olhe para o Reino Unido e para os EUA, os dois países estão passando por terremotos. Acho que o processo de impeachment pode potencialmente fortalecer o presidente Trump e acho que a eleição pode fortalecer o movimento de saída do Reino Unido da União Europeia, mas é um teste, é desestabilizador e ninguém sabe no que isso vai dar. Ninguém pode prever nada, cada dia agora é importante". Em outra recente entrevista, essa concedida ao The Guardian , Bannon diz: "Vamos tornar o Partido Republicano o partido da classe trabalhadora ".

O que estamos chamando de "doutrina Bannon" é, nos fatos concretos, o uso de uma narrativa ideológica que pretende cooptar o sentimento anti-sistema da classe trabalhadora contra a própria classe trabalhadora. Bannon percebe que a maioria das organizações da classe perdeu a capacidade de fazer um discurso contra o sistema, caindo na defesa das instituições vigentes, que sempre foram hostis aos trabalhadores. Chega a citar o exemplo da congressista democrata Alexandra Ocasio-Cortez(AOC), uma ex-garçonete, e diz que o Partido Republicano precisa desse perfil de militantes. 'Eu quero garçonetes' diz Bannon. E se explica acerca do motivo de querer o apoio do trabalhadores:“Toda a minha teoria à direita é que, se queremos que o capitalismo sobreviva, precisamos tornar as pessoas capitalistas. O problema é que eles não são capitalistas. Temos oligarcas e servos. Esse sistema não vai sobreviver. Digo aos doadores que você pode me odiar, mas todas as suas besteiras de Paul Ryan na Heritage Foundation não podem vencer as eleições nacionais. Ele não pode vencer o Wisconsin, ok? Donald Trump pode".

Desde o filme Privacidade Hackeada sabemos que Bannon não baseia sua abordagem política em "achismos"; ele usa os elementos do estudo do comportamento humano baseado em evidências para detectar aquilo que mais incomoda as pessoas comuns, e com isso pode se contrapor ao discurso mais forte da esquerda de defesa de serviços públicos gratuitos aterrorizando-as com o medo do aumento dos impostos."As pessoas não querem mais ser giradas. Eles não querem mais ser BS. Eles querem saber o que você está planejando e como vai efetivá-lo e, o mais importante, como você vai pagar por isso e "se 'pagar por isso' significa mais impostos ou menos oportunidades para mim, você não vai receber meu voto, não importa o quão bom isso pareça".

Entender o pensamento político do nosso inimigo de classe é um método para entender como a burguesia ataca a classe operária, e Bannon é um teórico com grande influência nas disputas eleitorais para que seu método político seja desprezado. Bannon vem acumulando vitórias políticas nos últimos anos, consideradas por vezes improváveis.  Submeter suas hipóteses a análise pode ser um bom guia para a compreensão do mundo real, saindo do terreno dos fetiches sobre a democracia, que acaba incapaz de responder a grave crise política e institucional pela qual passa o sistema capitalista.

O Impeachment de Trump

A primeira votação  ocorreu em dezembro  e Trump foiderrotado na Câmara. Um dado importante da situação é que o Partido Republicano votou unido, assim os democratas não foram capazes de quebrar a base de Trump, o que mostra a tendencia de que no Senado Trump seja vitorioso. 

O jornal El Pais considera Trump um líder incomum; lideres incomuns surgem em situações incomuns e a crise de desagregação do sistema capitalista não tem nada de comum . O questionamento a Trump tem como base sua derrota na guerra comercial contra a China, o que levou parte da burguesia estadunidense a considerar que os democratas podem ser uma alternativa mais viável para uma recomposição do lugar do imperialismo dos EUA no mundo. Contudo, a propaganda pró-impeachment não pode dizer isso, nem que está usando o movimento pró-impeachment para desgastá-lo com vistas às próximas eleições. O "establishment" sabe que não tem candidatos com forca popular para vencê-lo e o Partido Democrata prefere que Trump seja substituído agora por seu vice, o ultra-conservador Pence, se isto implicar em Trump não concorrer às próximas eleições. Esta manobra do Partido Democrata faz parte de uma tentativa desesperada de evitar a nominação de Bernie Sanders, o único candidato com potencial de ganhar votos da classe trabalhadora e derrotar Trump. Sanders desafia o "establishment" e sua eleição pode trazer novos riscos que a classe capitalista ainda não sabe como controlar, ainda que se esforce para isto.

Trump volta suas baterias contra adversários mais palatáveis. A revistaIsto É discute essa situação fazendo um balanço das ações de Trump e suas consequências na economia. Donald Trump internamente mantém o desemprego em um patamar baixo, o que faz sua popularidade ser grande entre os setores da classe trabalhadora. Internacionalmente, porém, a coisa é bem mais complicada. Além da derrota na guerra comercial, existe também o isolamento na questão ambiental, agenda na qual os democratas tem um plano melhor estruturado, mas que também não avança em escala mundial (ver resultado da cop25). Assim, a indefinição dos burgueses, dirigentes do imperialismo, parece pender para o lado de Trump, dada a falta de alternativas que conciliem sucesso internacional e manutenção da dominação econômica dos EUA (ver gráfico) com a estabilidade interna baseada na manutenção do silêncio da classe trabalhadora - para si -  neste pais. 




O Brexit

Outro tópico que Bannon considerou sensível, na entrevista a BBC, foi o Brexit.  A eleição na Grã-Bretanha aconteceu, e os resultados mostram que os conservadores defensores do Brexit foram vitoriosos. Os primeiros balanços já começaram. O economista Michael Roberts descreve um importante fenômeno na base do Partido Trabalhista (Labour Party) britânico "A visão de 'sair' era mais forte entre os que têm idade suficiente para imaginar os 'bons velhos tempos' da 'supremacia inglesa' quando 'estávamos no controle' antes de ingressar na União Europeia na década de 1970. A UE coincide com o esmagamento das comunidades manufatureiras e industriais na década de 1980. A inundação de imigrantes do Leste Europeu (na verdade principalmente para as grandes cidades) nos anos 2000 foi a gota d'água". Roberts detecta que a base do Partido Trabalhista foi fortemente atacada pelas políticas de austeridade da UE, como nós também já havíamos registrado aqui. Ele continua sua análise: "Na 'capital remanescente' da Inglaterra, Londres, o voto do Labour resistiu quando o partido 'remanescente', os Democratas Liberais, foi pressionado. Os LDs tiveram um desempenho ruim, mas ainda tiveram uma parcela mais alta dos votos (11%) do que em 2017. A parcela conservadora dos votos aumentou apenas um pouco de 2017 (42,3% para 43,6%), mas o Labour caiu de 40% em 2017 para 32%. Portanto, as pesquisas de opinião e de saída foram muito precisas. De fato, o comparecimento geral caiu de 69% em 2017 para 67%, particularmente nas áreas do Brexit. Mais uma vez, o 'partido sem voto' foi o maior".

Assim, o centenário Labour Party sofreu uma derrota significativa, apesar dos esforços de sua militância, como sublinha Roberts: "Era claramente uma eleição do Brexit. O Partido Trabalhista tinha o programa de esquerda mais radical desde 1945. O manifesto social e econômico da liderança trabalhista de esquerda era realmente bastante popular. A campanha do trabalho foi excelente e a participação dos ativistas na prospecção e votação foi fantástica. Mas, no final, fez pouca diferença. O Brexit ainda dominou e o voto trabalhista foi apertado. Nem todos os eleitores queriam 'concluir o Brexit', mas claramente os eleitores de 'licença' de 2016 tinham atraso e procrastinação suficientes pelo ex-primeiro-ministro e parlamento e queriam que a questão fosse tratada".
Desde a votação no plebiscito de 2017 os sindicatos tomaram o lado da defesa da UE. Justificam com o temor de uma onda de maior desregulamentação frente à saída do bloco europeu, que realmente pode acontecer com um maior alinhamento aos EUA, mas os últimos anos foram de políticas de austeridade impostas pela Troika; portanto o argumento era difícil de ser defendido.
A militância do Labour saiu às  ruas com fervor, mas era muito difícil convencer a classe trabalhadora que um programa mais popular poderia ser implantando debaixo da tutela da Troika. Neste caso, o argumento de Bannon se mostrou totalmente correto: as pessoas querem saber de onde sai o dinheiro para sustentar os programas sociais.

Essa derrota certamente foi um poderoso golpe para Jeremy Corbyn e sua ala esquerdista, que silenciou frente às perdas que a classe operária sofreu na UE, permitindo que a direita conservadora assumisse a bandeira contra a UE em um momento em que a esta se torna um problema para a burguesia imperialista dos EUA. A análise dos resultados das eleições nega a conclusão de alarmistas que indicam que a classe trabalhadora esta mais "direitista,  os ultranacionalistas chamados de ''BREXITEIROS '' liderados por Niguel Farage nem mesmo chegaram a formar representação no parlamento. O que mostra que o eleitorado britânico não queria um setor ultranacionalista de direita, mas protestar contra a máquina de destruição de seus direitos que foi a UE esses anos todos. Nossa análise é que faltou ao Labour um balanço concreto do que tem sido a União Europeia, para que seu discurso pudesse fazer sentido para os eleitores e virar o jogo.


A maior crise institucional do mundo 

A saída do Reino Unido da UE é um capitulo de uma longa crise institucional que se arrasta e tem origem em um longo processo de questionamento da estrutura da Europa de Maastricht. Andreu Champs na revista A Verdade -revista teórica da IV Internacional - número 37, junho de 2004, em um artigo intitulado Duas Semanas que Abalaram a Europa escreve sobre o que a IV Internacional detectava naquele momento como uma enorme rejeição à União Européia por parte das massas trabalhadoras no quadro das eleições cantonais na França e eleições legislativas na Espanha: "... O que foi derrotado na Espanha e na França é a política da UE, a Europa de Maastricht e suas diretivas antioperárias e antidemocráticas, assim como nos planos militares do imperialismo, que na Europa, se concentram na OTAN. Com efeito, o tratado de Maastricht determina que os países membros da OTAN devem respeitar os seus compromissos militares, sob a direção do governo dos EUA. No projeto de Constituição Europeia que está de novo em discussão, apoiando-se no Tratado de Maastricht, lê-se no capitulo 2, artigo 1-40, alínea 2: 'A politica da UE, respeita as obrigações dos Estados membros associados à Organização do Tratado do Atlântico Norte, que consideram que sua defesa deve se realizar nos marcos da OTAN e consideram que os marcos militares da OTAN são compatíveis com a política de defesa da UE' ". Assim, a UE não teria soberania militar, mas seria um complemento dos EUA em nome das relações da região do Atlântico Norte. Essa Constituição, na verdade, nunca foi promulgada, pois foi rejeitada em diversos referendos, sendo substituída pelo Tratado de Lisboa de 2007. Contudo, esse texto constata a rejeição que a UE sofre dentro das camadas populares. Este aspecto do texto de Champs continua atual, mas o mundo mudou desde que foi escrito e a dependência militar da UE para com a OTAN vem sendo questionada por setores importantes da burguesia europeia, como Macron, que declarou morte cerebral da OTAN. 

A última cúpula da OTAN, celebrada no início de dezembro de 2019, mostrou o alto nível da crise dentro do bloco militar, a ponto do secretário de defesa da UE denunciar os países parasitas na aliança. O centro da crise está no fato de Macron e Merkel estarem envolvidos com a construção de um exercito Pan-Europeu, ameaçando a dependência militar da UE para com os EUA. Essa mudança no cenário militar tem origem na perda da influência econômica dos EUA para a China, mostrando que a guerra econômica vai se prolongar muito mais que a guerra de moedas e a guerra tarifária.
Lênin, em seu indispensável livro Imperialismo, fase superior do capitalismo (página 89), comenta parafraseando um geógrafo seu contemporâneo, A. Supan: ''o traço característico do período estudado é a partilha definitiva do planeta", Lênin considera que essa partilha se torna ''definitiva'' não no sentido da forma, que estava partilhada na época, mas de que é irrevogável que o mundo seja partilhado em áreas que possuem "donos", os quais não cederão seus quintais pacificamente. 

O gráfico abaixo mostra essa situação com uma mudança profunda nas posições das economias mais influentes. Vê-se nele que EUA e China trocam de lugar e EUA passam a ter sua segunda posição ameaçada pela Índia (gráfico Ecodebate).




O relançamento da economia de guerra





Sentindo a perda de espaço na economia mundial, os países centrais se armam. Donald Trump exige que os países da OTAN aumentem para pelo menos 2% do PIB o seu gasto com defesa e oito dos 29 países da Aliança Atlântica respondem positivamente.  Com Trump ou sem Trump, os Estados Unidos continuam sendo uma máquina de guerra. 

Trump e seu estrategista, Bannon, podem não ser a primeira opção para a burguesia capitalista internacional vencer a guerra comercial com a China, mas o imperialismo ainda não encontrou uma solução para isto, visto que a economia chinesa, planificada, se desenvolve muito melhor que a anarquia do mercado capitalista. Porém, setores imperialistas que se opõem a Trump já estão gestando um novo projeto de desenvolvimento, baseado na economia verde, como identificamos no texto "O aquecimento global e a destruição das forcas produtivas".
A hipótese que levantamos neste texto, de que o imperialismo use o discurso "ecológico" para impor restrições ao desenvolvimento econômico da China e da Índia, cujas emissões de carbono têm aumentado muito, ainda não esta descartada. Com efeito, já se veem movimentações de diálogo entre setores imperialistas e organizações de origem popular para buscar soluções para o aquecimento global que não passem pelo questionamento da propriedade privada dos meios de produção. Um possível novo acordo verde está sendo gestado, de forma a reunificar as burguesias imperialistas da Europa e EUA na luta pela manutenção de suas hegemonias no cenário do Imperialismo mundial. A Europa tem feito seu dever de casa com o acordo verde europeu, mas neste caso os EUA se juntam aos outros três grandes emissores, rompendo a unidade com a Europa na luta pela partilha do mercado econômico mundial.

Assim, os campos nessa luta ainda são flutuantes e mal definidos. O certo é que a burguesia dos EUA não cederá pacificamente sua posição de principal burguesia no mundo. O difícil é saber em que nível haverá unidade entre as burguesias europeia e norte-americana. 

O certo é que quando os interesses burgueses se colocam contra a classe operária, a burguesia não hesita em se unificar, como foi no golpe no Brasil, na eleição de Bolsonaro e no recente golpe na Bolívia. Em entrevista a Gleen Grenwald, Evo Morales (veja em 35:24) foi perguntado sobre a relação com dos diversos presidentes americanos contemporâneos ao mandato dele, citando explicitamente Bush Jr, Obama e Trump. A resposta de Evo foi clara: a diferença entre eles não é perceptível, pois o imperialismo não é uma questão pessoal. Outra coisa que merece destaque nesta entrevista foi o motivo do golpe, que Morales atribui ao fato de a Bolívia dominar o lítio (ver em 30:40), que e matéria-prima fundamental para novas baterias de geração e armazenamento de energia alternativas às formas ligadas à industria de hidrocarbonetos. 


Conclusão

Mais uma vez, a classe capitalista tenta usar a classe trabalhadora (empregada ou não) e suas organizações como bucha de canhão em suas guerras comerciais, que, neste momento, aumentam de intensidade. Uma política de redução de danos cada vez faz menos sentido para os oprimidos do sistema, que eleitoralmente têm preferido arriscar num pseudo-discurso antissistêmico, muito bem explorado por Bannon. A retomada da ofensiva da classe trabalhadora mundial cada vez mais vai ao encontro da necessidade de explicar a opressão com a metodologia de análise econômica desenvolvida por Marx e Lênin. Para acabar com as guerras e golpes é preciso derrotar o Imperialismo, negando ao sistema capitalista e suas instituições o direito de continuar destruindo o mundo.

No fechamento deste artigo a crise do Irã ainda não havia começado. Abordaremos este tema em outra oportunidade.



Comentários