Pular para o conteúdo principal

Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

Davos, FMI e o difícil equilibro do sistema

O ano de 2020 começou com uma ameaça de guerra entre Irã e EUA. Chegou-se a falar em risco de terceira guerra mundial. O episódio foi mais um capitulo nas divergências entre os representantes das burguesias imperialistas européias e estado-unidenses, pois Trump ameaçou os países da Europa de sobre taxação de seus produtos, caso esses países não punissem o Irã por sair do tratado de armas nucleares. A  ação de Trump não foi consensual nem mesmo dentro das fileiras de seu próprio partido. A tensão, no entanto, foi desescalada e o assunto parece ter sido abafado, a ponto de não ser comentado no Forum de Davos.  Ausente do Fórum de Davos, o Irã

O Forum Econômico Mundial em Davos 

O silêncio proposital ficou explicado pelas palavras da nova presidente da comissão da União Européia Ursula Von de Leyen agradecendo a Klaus Schwab organizador do evento disse: “Davos é o lugar onde os conflitos são evitados, os negócios são iniciados, as disputas terminadas. Obrigado a Klaus Schwab por reunir pessoas brilhantes e por sua visão sobre como moldar um futuro melhor para o mundo. ”.
Aberta no dia 21 de janeiro, a edição 2020 do Forum Ecônomico Mundial (WEF, em inglês) na cidade suiça de Davos foi bastante diferente da 2019, sobre a qual reportamos o clima de guerra, expressão da uma enorme crise institucional (BREXIT-OTAN) na qual  o chefe do estado mais poderoso sequer compareceu. Esse ano o quorum foi bem mais elevado, pois todas as partes têm motivos para encenar um clima mais amistoso. Donald Trump compareceu e fez um discurso condenando o ativismo ambiental e elogiando a economia americana, que supostamente estaria vivendo um boom, embora o suposto boom  não seja endossado pelos números do FMI, nem pela análise dos economistas. Enquanto do outro lado do Atlântico Norte começava o julgamento de seu impeachment, sua aparição em Davos  demonstrava a despreocupação com o processo  que corre no senado. Outro personagem importante, o bilionário e mega especulador George Soros apareceu com um projeto de combate a ditaduras pelo mundo, para o qual pretende destinar um bilhão de dólares. Soros é o mesmo filantrôpo que apoiava o Forum Social Mundial e a democracia participativa, sendo um dos mentores intelectuais daquilo que Bannon chama de globalismo, parece que esse suposto globalismo têm uma nova bandeira, após a falácia  do 'outro mundo possível' dos Foruns Sociais, que só fez atrelar as organizações dos trabalhadores à aplicação de políticas de ajuste fiscal, cujo o resultado ficou  registrado no relatório da ONG OXFRAN também apresentado em Davos onde consta " os 2153 bilionários do mundo agora têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas, que representam 60% da população mundial. Os 22 homens mais ricos do mundo agora têm mais riqueza do que todas as mulheres na África. Mulheres e meninas empregam 12,5 bilhões de horas de trabalho não remunerado todos os dias - uma contribuição para a economia global de pelo menos US $ 10,8 trilhões por ano, mais de três vezes o tamanho da indústria global de tecnologia. Conseguir que o 1% mais rico pague apenas 0,5% de imposto extra sobre sua riqueza nos próximos 10 anos seria igual ao investimento necessário para criar 117 milhões de empregos em setores como idosos e creche, educação e saúde." E reiterado no relatório do FMI apresentado por Kristalina Georgieva que aponta risco de uma crise semelhante a crise de 1929. 

Novas crises velhas receitas

Leon Trotsky analisou assim a ação de Frank Delano Roosevelt após a crise de 1929 nos EUA "O papel do regime de Roosevelt consistiu em "salvar" temporariamente o capitalismo. Em função deste objetivo, ele abandona, completamente e sem tentativa de dissimulação, o tradicional laissez-faire(deixai fazer), doutrina dos Estados Unidos e em particular do próprio democrata Roosevelt, do mesmo modo que o instrumento particular aos Estados Unidos: os direitos do Estado. Ele utilizou os recursos financeiros do Estado para socorrer as empresas bancárias e comerciais e fez votar as leis que restringirão a concorrência, permitirão a alta dos preços etc., vale dizer, favorecerão o capitalismo de monopólio.". O aumento dos gastos estatais, na já endividada econômia americana agora não é apenas uma reivindicação de meia duzia de democratas de esquerda liderados por  Ocasio Cortez e Elisabeth Warren , eles ganharam o apoio de do FMI na pessoa de Kristalina Georgieva que nos mesmo relatório citado acima disse Em todas as economias, um imperativo chave —e cada vez mais pertinente num período de crescente descontentamento— consiste em ampliar a inclusão e garantir que as redes de proteção social estejam de fato protegendo os mais vulneráveis, e que as estruturas de Governo reforcem a coesão social” e Georgieva continua o agravamento do mal-estar social em muitos países —devido em alguns casos à deterioração da confiança nas instituições tradicionais e a falta de representação nas estruturas de governo— poderia abalar a atividade [econômica], complicar as iniciativas de reforma e prejudicar a atitude, o que faria o crescimento diminuir para aquém do projetado”. Esse aporte de recursos pregado pelo FMI certamente esta muito relacionado a descarbonização da econômia, o que responde as reivindicações de Greta Thunberg também presente em Davos. 

Diante do crescimento da pobreza no mundo o FMI teria abandonado o neoliberalismo?

Taxa de Lucro ao longo dos anos no setor produtivo dos EUA
Fonte: Michael Roberts

A mudança de postura do FMI, abandonando as velhas receitas do chamado tripé macroeconômico (cambio flutuante, meta de inflação e retenção dos gastos públicos), que ganharam o apelido de neoliberalismo pode levar a uma grande confusão. 
A começar pelo nome, liberalismo evoca a época de livre concorrência de ascensão do capitalismo, quando este desenvolvia as forças produtivas, época encerrada na primeira guerra mundial e muito bem analisada por Lenin em seu "Imperialismo Fase Superior do Capitalismo". Depois disso o capitalismo não mais desenvolveu as forças produtivas e como Trotsky bem salienta, em sua analise da economia dos EUA na década de 1930, medidas de austeridade com as contas públicas e câmbio flutuante não são novidade, são uma política possível na fase superior do capitalismo, as quais diante da consolidação de oligopólios não representa nenhuma livre concorrência. 
As políticas Kenesyanas também são necessárias durante a fase imperialista como diagnostica Michael Roberts "Bem, o orgulho de Trump virou pó em 2019. O PIB dos EUA cresceu 2,3% em 2019, bem abaixo da promessa do presidente Trump de 3% + de crescimento. O número mais recente do PIB provou que os cortes de impostos promovidos por Trump não tiveram impacto sustentado no crescimento dos EUA. De fato, mesmo as previsões mais otimistas veem o crescimento ficar bem abaixo de 3% nos próximos anos. É claro que isso não impedirá Trump em seu discurso no Estado da União hoje no Congresso, proclamando um enorme aumento no padrão de vida dos trabalhadores sob seu reinado. Na verdade, o crescimento acumulado sob Trump tem sido menor do que sob Obama e Bush Jr". Então Trump aplica políticas Kenesianas, que ficaram por muitos anos identificadas com a esquerda. Embora no caso do Trump não tenham surtido o efeito esperado, citemos mais largamente Michael Roberts "Portanto, é uma falta de demanda no setor privado. Claramente, não é o consumo ou a demanda das famílias, que continua a aumentar. De fato, Trump pode se vangloriar de que os salários por hora (mas não os ganhos semanais) estão subindo quase no mesmo ritmo de antes da Grande Recessão em 2008, sob Obama." As políticas Kenesyanas em geral aparecem para estimular o consumo, pois a austeridade fiscal leva a queda do consumo das famílias. Roberts continua:  "Sim, a 'demanda' de investimento capitalista é muito baixa. Mas o que Bernstein e, a propósito, os keynesianos em geral, nunca explicam é por que a economia capitalista entra nesse estado de falta de demanda. A demanda do setor privado é muito fraca, ou seja, as empresas não estão investindo o suficiente em atividades produtivas. Mas por que? Bernstein não responde - parece que acontece de vez em quando. E quando isso acontece, o governo deve intervir para "compensar a demanda perdida".Roberts continua e explica por que a demanda cai: "A taxa de lucro dos EUA sobre capital produtivo permanece bem abaixo de onde estava no final dos anos 90. Não foi impulsionado pela depreciação dos ativos na recessão de 2008-9. Então o problema é a baixa na taxa de lucro, que Marx já havia previsto. Roberts vai ainda mais longe "O crescimento é muito menor do que Trump esperava, porque as empresas não investiram produtivamente, mas usaram o dinheiro extra dos cortes de impostos para pagar dividendos maiores aos acionistas; ou recomprar suas próprias ações para aumentar o preço; ou transferir lucros para o exterior em paraísos fiscais. Eles não investiram tanto em novas estruturas, equipamentos etc. nos EUA, porque a rentabilidade de tais investimentos ainda é muito baixa historicamente; e especialmente em relação ao investimento no 'capital fictício' dos mercados de ações e títulos, onde os preços atingiram máximos de todos os tempos. De fato, os lucros do setor não financeiro caíram 25% desde 2014! Os cortes nos impostos corporativos de Trump ajudaram os lucros após impostos por um tempo, mas os lucros antes dos impostos continuaram a cair." Então o que o FMI disse em Davos é que quer fazer o setor produtivo se tornar atrativo novamente, e uma das possibilidades é o investimento na descarbonização da economia. O plano parece fazer sentido, contudo com as reformas que o FMI não abre mão, rebaixando o preço da mão de obra  e gerando mais insatisfação e explosões sociais, será difícil estabilizar o sistema.  Esse é o beco sem saida de um sistema econômico em avançado estado de putrefação. 

Diante do medo de explosões sociais o recurso à filantropia empresarial. A nova bandeira do globalismo 

Klaus Schwab organizador do Forum de Davos divulgou um manifesto  onde se pode ler:
"Uma empresa é mais do que uma unidade econômica geradora de riqueza. Realiza as aspirações humanas e sociais como parte do sistema social mais amplo. O desempenho deve ser medido não apenas no retorno aos acionistas, mas também em como ele atinge seus objetivos ambientais, sociais e de boa governança. A remuneração dos executivos deve refletir a responsabilidade das partes interessadas.". Isso seria o tal capitalismo das partes interessadas, Schwab se explica:
“ De um modo geral, temos três modelos para escolher. O primeiro é o “capitalismo acionista”, adotado pela maioria das empresas ocidentais, que sustenta que o objetivo principal de uma empresa deve ser maximizar seus lucros. O segundo modelo é o “capitalismo de estado”, que confia ao governo o direcionamento da economia e ganhou destaque em muitos mercados emergentes, principalmente na China. Mas, comparada a essas duas opções, a terceira tem mais a recomendar. "Capitalismo das partes interessadas", um modelo que propus há meio século, posiciona as empresas privadas como curadores da sociedade e é claramente a melhor resposta aos desafios sociais e ambientais de hoje. ". No Brasil, o maior expoente dessa nova linha é o apresentador Luciano Huck, que esteve presente em Davos e teve uma reunião com o golpista Venezuelano Juan Guaidó, que foi pedir apoio da burguesia internacional contra o presidente legítimo da Venezuela Nicolas Maduro, reivindicando mais sanções econômicas contra seu próprio povo . 

Um ano de Brumadinho e as marchas migratórias na Europa e América exemplos concretos da putrefação do sistema capitalista.  

O jornal "Brasil de Fato" fez um apanhado das diversas violações cometidas pela Vale, muito além de Mariana e Brumadinho. A mesma matéria relata a existência de um relatório que comunica as diversas ações predatórias da ex-estatal, privatizada em 1997 pelo governo FHC. Dez anos depois ocorreu um plebiscito popular para pressionar pela reestatização da empresa, que não ocorreu, a estatização poderia ter impedido as cenas reportadas na matéria da BBC Brasil.  Agora pensemos a Vale como curadora da sociedade, ou mesmo alguma das empresas da lista do trabalho escravo contemporâneo. 

A marcha à barbárie capitalista fica ainda mais clara, quando lembramos de duas grandes tragédias humanitárias, a crise migratória na Europa e a crise migratória na fronteira Sul dos EUA. A crise na Europa é resultado da pilhagem do continente Africano, citada no relatório da ONG OXFRAN, e a crise no Sul dos EUA é resultado do golpe em Honduras, primeiro golpe pós crise de 2008 e muito bem relatado no blog Socialista Morena

Gráfico mostra os três paises que compõem a marcha migratória para os EUA , tendo Honduras o país com maior número de migrantes, resultado do Golpe aplicado em Manoel Zelaya em 2009. 
No Brasil um dos resultados do golpe de 2016 é o aumento de 53 % da população de rua, chegando a  24 mil pessoas. Sendo que o FMI considera o Brasil um bom aluno e revisou para cima a perspectiva de crescimento da econômia, após as contrareformas que atacaram direitos trabalhistas. 

A resistência dos povos

Os grandes desse mundo tem razão em temer. Na Argélia, há mais de um ano as massas estão nas ruas num movimento revolucionário. Uma grande greve contra a reforma da previdência obrigou Macron recuar. No Chile, apesar da perseguição, estudantes conseguem suspender o vestibular em protesto contra o ensino pago. A resistência existe e preocupa os imperialistas porque a desigualdade social nunca foi tão grande no mundo. 
A insatifação contra um mundo no qual a distância entre pobres e ricos só tem aumentado pode sair do controle das forças imperialistas, e isso é o que comprova o crescimento das intenções de voto em Bernie Sanders e toda a pressão que está sendo feita internamente dentro do Partido Democrata para que não seja ele o candidato contra Trump. E este é o centro político do debate eleitoral nos EUA. Os democratas concordam que será preciso investir para reduzir a desigualdade social e implementar a agenda verde. Mas discordam sobre quem deve estar no controle político do processo. O lema da campanha de Bernie é que não devem ser os bilionários. E isto coloca uma questão para tudo o que se conhece da história mundial. É possivel tirar o poder político dos bilionários no atual estágio do capitalismo? Este poder pode ser tirado através de eleições? 
Há muitas coisas que os bilionários do planeta podem fazer para não perderem o poder político, inclusive assimilar algumas demandas sociais ou representantes dos setores populares em seu meio por algum tempo. Mas é exatamente o que isto é: uma assimilação por tempo determinado. O estado do bem-estar social na Europa pos-guerra ou, mais breve ainda, o estado democrático de direito em países como Brasil já estavam fadados a ter vida curta diante da crise econômica e política do sistema. 
O Imperialismo estadunidense também pode ceder em alguns pontos do tripé macro-econômico, desde que o poder político seja dele. E o sinal mais claro disso é o fato do magnata Michael Bloomberg, na sequência de Davos, ter convocado um novo Forum Econômico Mundial voltado para a Nova Economia, anunciando ser necessário aprender com o planejamento chinês e, ato contínuo, se lançou candidato para derrotar Sanders no interior da atual corrida pela nominação do Partido Democrata. 

O ano começou quente no Brasil 

Federação Única dos Petroleiros organizou uma greve forte que obteve a suspensão temporária das demissões na Fafen, fábrica de fertilizantes no Paraná. Este fato demonstra que quando a classe trabalhadora luta por uma pauta clara, ela obtém resultados. Mas a suspensão temporária das demissões está longe de conseguir por um fim ao desmonte da Petrobrás. O recuo foi forçado pela iminência de unificação da pauta dos petroleiros com a dos caminhoneiros. Uma greve de duas categorias importantes no setor de infra-estrutura que colocasse o problema da diminuição do preço dos combustíveis poderia explicitar o desmonte da Petrobras como uma das causas do Golpe. 
CUT brasileira, junto com outras centrais, definiu um calendário de lutas para o primeiro trimestre contra a destruição dos serviços públicos e chama um grande protesto nacional para o dia 18/03, antecedido pelas comemorações do dia Internacional da Mulher Trabalhadora. O texto que convoca a paralização do dia 18 continua se calando diante do Golpe, chegando a reconhecer uma suposta legitimidade de Bolsonaro. Sem uma pauta clara de enfrentamento com o Golpe, os movimentos podem ser manipulados para legitimar a continuidade do governo do GSI sem Bolsonaro. Pelo texto aprovado, pode-se notar que os militantes petistas na CUT e nos sindicatos estão com muitas dificuldades em apontar posições mais claras da necessidade de explicar para a população que o Golpe que o PT levou é a causa do retrocesso. Gleisi, presidenta do PT, tem apontado isso nas redes sociais, mas os dirigentes do PT nos movimentos sociais ainda não tiraram a única conclusão possível que é dizer o mesmo que Gleisi em todos os espaços, atos e atividades públicas e negociações. É preciso explicar o Golpe e movimentar a base social do PT para exigir o seu fim.


Comentários