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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

Covid-19: a atualidade de "Materialismo e Empiro-criticismo", de Lenin

A atualidade de materialismo e empiro-criticismo de Vladimir Lenin frente aos novos desenvolvimentos científicos em tempos de pandemia. 

Modelo para a pandemia de Covid19 extraído de nota técnica conjunta UFRJ, USP, UNB


Vivemos tempos difíceis, tempos em que proliferam as pseudociências e os charlatanismos de todo o tipo. A recente pandemia de COVID 19 foi mais uma oportunidade de aparecimento de pseudoteorias que visam esconder trabalhos como o de Rob Wallace, que demonstram a íntima relação deste e outros vírus com o agronegócio e suas práticas parasitárias sobre a natureza. De forma que mesmo que o vírus tenha sofrido uma mutação genética, não foi acidente nem um acaso da natureza. Foi negligência como são os acidentes de trabalho que tiram vidas e são anunciados antes por pequenos incidentes que se acumulam. Há uma lei dialética na natureza: quantidade vira qualidade. Com 200 epidemias por ano pelo mundo já era sabido que uma pandemia estava prestes a ocorrer e se nada foi feito quanto a isso, foi negligência criminosa dos que detém os meios de produção.

O obscurantismo é um traço indissociável do parasitismo da economia capitalista. Hoje pode se dizer que cada ciência possui uma pseudociência ou pseudoteoria associada a seu escopo de atuação, terra plana, cura quântica, astrologia, numerologia, erks, anarcocapitalismo, são alguns exemplos. Muita gente acredita nestas teorias e é isto que as sustenta, a fé, não a ciência. E é sobre a fé no que os grandes meios de comunicação dizem que se sustentam outras teorias como o conjunto de calunias dirigidas ao marxismo e a União Soviética, Cuba, ou qualquer outra coisa que lembre de longe a emancipação dos trabalhadores do jugo patronal. A negação dos méritos da experiência administrativa associada a URSS e aos estados de economia planificada é uma das pseudociências de maior popularidade, inclusive na comunidade acadêmica. O abandono de pensadores clássicos como Marx, Engels, Lenin, Trotsky sob o argumento da falência do socialismo e da União Soviética, embora a China seja a economia mais produtiva do mundo, são argumentos populares mesmo em cursos de ciências humanas. Esconder que a queda dos regimes de economia planificada geraram no Leste Europeu exploração, prostituição, trafico de armas e desagregação social são a regra. Esconder da maioria dos trabalhadores que o horizonte da propriedade privada não é intransponível, e além disso, que as alternativas foram bem sucedidas em diversas escalas é a tônica.  Tudo isso para dizer que o que resta as organizações dos trabalhadores é a administração da propriedade privada, isso quando à essas organizações não é lançado a calúnia de serem a origem de toda a corrupção moral da sociedade capitalista. Mas os obscurantistas da ciência econômica vão ainda mais longe, refutam inclusive Adam Smith e a teoria do valor-trabalho para atacarem Marx e inventam uma teoria de que o valor de um produto é baseado na subjetividade de quem o consome, independente da quantidade de trabalho físico ou intelectual que tenha sido aplicado na sua produção, refutando paradigmas que tornaram a economia numa ciência. Este é o escopo da escola austríaca que tornou Mises um nome frequente entre olavistas e bolsonaristas.  A verdade que precisa ser escondida é que a economia capitalista é baseada na extração da mais-valia e não nas necessidades da maioria da população.
Mas este recuo científico não começou hoje. Refutar as teorias econômicas de Marx e sua analise sobre a mundialização da economia levou a perseguição e silenciamento teórico do conceito cunhado por Lenin de imperialismo como fase superior do capitalismo, época das guerras e revoluções, quando os monopólios dominam e o capital financeiro hegemoniza o capital industrial.

É neste sentido que Lenin pode ser considerado um verdadeiro perseguido político, tendo vivido  boa parte de sua vida no exílio e conhecido o amargo gosto da privação da liberdade e, nem mesmo após sua morte, a perseguição e silenciamento de suas elaborações teóricas, que puderam levar a vitória um movimento revolucionário, arrefeceram. Desde a segunda metade do século XX que se proliferam no seio das organizações do movimento operário os profetas do capitalismo tardio, de uma nova fase de expansão capitalismo, uma nova fase liberal, ou neoliberal. Porém, a vida material e a economia são deixam de trazer fatos a público que mostram que o capitalismo não só não desenvolve as forças produtivas da humanidade como libera forças destrutivas gigantescas capazes de destruir as principais forças produtivas como a natureza e as vidas da classe que trabalha, em função da disputa entre as burguesias imperialistas.

Hoje, 22 de abril, completam-se 150 anos do nascimento de Lenin. Prestamos nossa homenagem com uma resenha de uma de suas obras mais desconcertantes, o livro "materialismo e empiro-criticismo" onde Lenin polemiza com Ernest March, físico criador da mecanica relacional, onde toda a física poderia ser reduzida ao conceito de referênciais e as interações seriam na verdade resultado de forças não inerciais. March é fundador do Empiro-Criticismo, uma pseudo-teoria filosófica, que Lenin refuta, afirmando o materialismo histórico e dialético, dando continuidade ao trabalho de Engels sobre a dialética da natureza. 

Contexto

Em 1909, Lenin publicou um livro com o titulo "Materialismo e Empiriocriticismo"  e subtítulo "Notas críticas sobre uma filosofia reacionária". O período em que Lenin se dedicou à ampla pesquisa para publicar seu livro é o periodo imediatamente posterior a primeira revolução Russa 1905, onde as forças da classe trabalhadora foram derrotadas. O Partido Bolchevique estava fragilizado e algumas tendências estranhas ao marxismo haviam aparecido, como acontece em geral após as derrotas da classe trabalhadora. O paradigma que sustenta a ação das organizações operárias passou a ser questionado, inclusive dentro das fileiras do partido Bolchevique. Esse cenário é descrito em detalhe no prefácio a edição francesa. Antes do livro, Lenin publicou o texto Marxismo e Revisionismo, onde Lenin pinta o quadro da luta em defesa do marxismo em diversos campos em sua época, em particular, na filosofia. Lenin diz: "No domínio da filosofia, o revisionismo caminhava a reboque da “ciência” academica burguesa. Os professores “voltavam a Kant”, e o revisionismo arrastava-se atrás dos neokantianos(N70); os professores repetiam, pela milésima vez, as vulgaridades dos padres contra o materialismo filosófico, e os revisionistas, sorrindo condescendentemente, resmungavam (repetindo palavra por palavra o último Handbuch [Manual]) que o materialismo havia sido “refutado” há muito tempo. Os professores tratavam Hegel como um “cão morto” e, pregando eles próprios, o idealismo, mas um idealismo mil mil vezes mais mesquinho e banal que o hegeliano, encolhiam desdenhosamente os ombros diante da dialéctica, e os revisionistas mergulhavam atrás deles no pântano do aviltamento filosófico da ciência, substituindo a “subtil” (e revolucionária) dialéctica pela “simples” (e tranquila) “evolução”; os professores ganhavam os seus ordenados do Estado acomodando os seus sistemas, tanto os idealistas como os “críticos”, à “filosofia” medieval dominante (isto é, à teologia), e os revisionistas aproximavam-se deles, esforçando-se por fazer da religião “assunto privado”, não em relação ao Estado moderno, mas em relação ao partido da classe de vanguarda."
A discussão que Lenin faz está longe de ser datada, uma vez que ainda hoje no campo do que se convencionou chamar esquerda proliferam-se pseudo-teorias que defendem que o capitalismo poderia desenvolver as forças produtivas e poderia se desenvolver novamente através de num novo período liberal, concorrencial, que muitos chamam de neoliberalismo. Novos nomes, num quadro de perseguição teórica ao marxismo que se organiza para acabar com o sistema capitalista servem, inclusive, ao propósito de esconder quem são os culpados. E, no mundo de hoje, o lugar do Império estadunidense no ataque aos povos. Na época de Lenin estes problemas já haviam. 
"Passando à economia política, temos de assinalar, antes de mais nada, que neste campo as “emendas” dos revisionistas eram muitíssimo mais variadas e circunstanciadas; esforçaram-se por sugestionar o público com “novos dados sobre o desenvolvimento económico”. Diziam que no domínio da economia rural não se operam de forma alguma a concentração e suplantação da pequena produção e que no comércio e na indústria a concentração se processa com extrema lentidão. Diziam que, hoje, as crises se tornaram mais raras e mais fracas e que era provável que os cartéis e os trusts dessem ao capital a possibilidade de eliminar por completo as crises. Diziam que a “teoria da bancarrota”, para a qual marcha o capitalismo, é inconsistente por causa da tendência para as contradições de classe se suavizarem e atenuarem. Diziam, finalmente, que não seria mau corrigir também a teoria do valor de Marx de acordo com Böhm-Bawerk
A luta contra os revisionistas nestas questões serviu para um fecundo reavivamento do pensamento teórico do socialismo internacional, tal como ocorrera, vinte anos antes, com a polémica de Engels com Dühring. Os argumentos dos revisionistas foram analisados com factos e números na mão. Demonstrou-se que os revisionistas embelezavam sistematicamente a pequena produção actual. A superioridade técnica e comercial da grande produção sobre a pequena, tanto na indústria como na agricultura, é um facto confirmado por dados irrefutáveis. Mas a produção mercantil está imensamente menos desenvolvida na agricultura e os especialistas de estatística e os economistas actuais não sabem, em geral, destacar os ramos (por vezes mesmo as operações) especiais da agricultura que demonstram como ela é integrada progressivamente, no intercâmbio da economia mundial. A pequena produção mantém-se sobre as ruínas da economia natural, graças à infinita piora da alimentação, à fome crónica, ao prolongamento do dia de trabalho, à baixa da qualidade do gado e do tratamento deste; resumindo, com os mesmos meios pelos quais também a produção artesanal se mantivera contra a manufatura capitalista. Cada passo em frente da ciência e da técnica mina, inevitável e inexoravelmente os alicerces da pequena produção na sociedade capitalista. E a tarefa da economia socialista é investigar este processo sob todas as suas formas, não raro complexas e intrincadas, e demonstrar ao pequeno produtor a impossibilidade de se manter sob o capitalismo, a situação desesperada das explorações camponesas no regime capitalista e a necessidade de que o camponês aceite o ponto de vista do proletariado. Em relação ao problema que tratamos, os revisionistas cometeram, no aspecto científico, o pecado de generalizar de modo superficial de alguns factos unilateralmente seleccionados, desligados da sua conexão com o conjunto do regime capitalista, e, no aspecto político, cometeram o pecado de, voluntária ou involuntariamente, chamar ou impelir inevitavelmente o camponês para o ponto de vista do proprietário (isto é, o ponto de vista da burguesia), em vez de o impelir para o ponto de vista do proletário revolucionário.
O revisionismo saiu-se ainda pior quanto à teoria das crises e à teoria da bancarrota. Somente durante um espaço de tempo muito curto, e unicamente pessoas muito míopes, podiam pensar em modificar as bases da doutrina de Marx sob a influência de uns poucos anos de ascenso e prosperidade industrial. Não tardou que a realidade se encarregasse de demonstrar ao revisionistas que as crises não tinham desaparecido: após a prosperidade veio a crise. Mudaram as formas, a sucessão, o quadro das diferentes crises, mas elas continuam a ser parte integrante, inevitável, do regime capitalista. Os cartéis e os trusts, unificando a produção, reforçaram ao mesmo tempo, à vista de todos, a anarquia da produção, a insegurança económica do proletariado e a opressão do capital, agravando dessa forma em grau nunca visto as contradições de classe. Que o capitalismo marcha para a bancarrota – tanto no sentido das crises políticas e económicas isoladas como no sentido da completa derrocada de todo o regime capitalista – demonstraram-no de modo muito palpável e em vasta escala os modernos e gigantescos trusts. A recente crise financeira na América, o espantoso crescimento do desemprego em toda a Europa, sem falar da próxima crise industrial, que muitos sintomas anunciam, tudo isso fez com que as recentes “teorias” dos revisionistas tenham sido esquecidas por todos, e mesmo, ao que parece, por muitos deles próprios. O que não se deve esquecer são os ensinamentos que esta instabilidade dos intelectuais deu à classe operária.
Quanto à teoria do valor, basta dizer que, à parte alusões e suspiros muito vagos, à maneira de Böhm-Bawerk, os revisionistas não trouxeram absolutamente nada de novo a esse respeito, nem deixaram, portanto, qualquer marca no desenvolvimento do pensamento científico."

A pesquisa para confecção deste texto se deparou com uma quantidade muito pequena de informações sobre este belíssimo trabalho de Lenin. O que certamente configura uma enorme perseguição teórica a um dos líderes de um dos maiores movimentos políticos do século XX, que ainda hoje projeta seus efeitos sobre todo a civilização. Vivemos hoje com Lenin, o que na época dele foi tentado fazer com Engels e Marx. Silenciamento e censura! A resenha mais significativa sobre o texto foi achada na Fundação Gabrois, feita por Oliveira Freire Jr no distante ano 1984. Anterior ao desabamento das economias planificadas. Certamente essa é uma informação importante, pois a queda das economias planificadas do leste europeu legitimou o desaparecimento dos trabalhos de Lenin no mundo ocidental. Muitos teóricos, algumas vezes fantasiados de marxistas, mas totalmente opostos a obra de Marx são referências para organizações de esquerda e este fenômeno já acontecia em 1909. Foi o mesmo tipo de fenômeno que inspirou Lenin a pesquisar epistemologia para defender as aquisições teóricas do marxismo, num esforço teórico que culminou com o livro "Imperialismo, fase superior do capitalismo" lançado um ano antes da revolução russa.

Marx, no livro 2, de o Capital explica porque o capitalismo não poderia oferecer outra saída além dos monopólios, destruindo ele mesmo, com a livre concorrência. "A expropriação dos produtos imediatos executa-se com vandalismo implácavel que estimula os modos mais infames, as paixões mais sórdidas e mais odiosas na sua mesquinhez. A propriedade privada, fundada no trabalho pessoal (do camponês do artífice), essa propriedade que funde por assim dizer o trabalhador isolado e autônomo com as condições exteriores do trabalho, vai ser suplantada pela propriedade capitalista, fundada na exploração do trabalho de outrém, no assalariado... o que agora há a expropriar, não é o trabalhador independente, mas o capitalista, o chefe de um exercito ou pelotão de assalariados. Esta expropriação cumpre-se pelo jogo das leis imanentes da produção capitalista, as quais levam à concentração de capitais. Correlativamente a esta centralização, à expropriação de um grande numero de capitalistas por um punhado deles, a ciência e a técnica são aplicadas em uma escala cada vez maior, a exploração metódica e sistemática da terra, a transformação dos utensílios em instrumentos exigindo, para serem eficazes, um arranque coletivo e, por conseguinte, a economia dos meios de produção, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado universal, dai o caráter internacional imprimido ao regime capitalista.
A medida que diminui o numero de potentados do capital que usurpam e monopolizam todas as vantagens deste período de evolução social, crescem a miséria, a opressão, a escravatura, a desagregação, a exploração, mas também a resistência da classe operaria.... em crescimento permanente e cada vez mais disciplinada, unida e organizada pelo próprio mecanismo de produção capitalista. O monopólio do capital torna-se um entrave para o modo de produção que cresceu e prosperou como ele e sob os seus auspícios. A socialização do trabalho e a centralização dos seus recursos materiais atingem um ponto tal que não podem mais manter-se no seu involucro capitalista. Este involucro estala, a hora da sociedade capitalista soou. "
Tinha soado no início do século XX e por isso abriu-se o período de guerras. A destruição das forças produtivas durante as guerras mundiais foi tão profunda na Europa que sobre os escombros, o capitalismo conseguiu ganhar algum fôlego de reconstrução. E esta dinâmica permanece até hoje. Como o mercado mundial é limitado e não pode mais se expandir, é preciso destruir para reconstruir. Assim, as condições econômicas da revolução estavam dadas em 1916. Continuavam dadas em 1938, véspera da segunda guerra mundial, quando Trotski as reafirmou no Programa de Transição e continuam hoje quando o capitalismo leva o mundo a mais um colapso destruidor. 

O que é o materialismo?

Observando o mundo, notamos que a experiência humana pode ser classificada como dois tipos, experiências materiais e experiências ideais (1). As experiências ideais seriam as restritas a consciência individual humana, sendo portanto subjetivas, restritas a experiências individual (pensamento, sensações, percepções). Já as experiências materiais são as experiências objetivas, com existência para além da consciência humana. Lenin, neste sentido, define a palavra matéria

"Matéria é a categoria filosófica para designar a realidade objetiva, que é dada aos homens por suas sensações, mas existindo independente delas"(0). Assim, o materialismo considera que o mundo fora das sensações humanas tem primazia, quando o idealismo considera a primazia das sensações humanas em detrimento do mundo exterior ao indivíduo. O idealista considera o espírito, a moral, a tradição e nega as mudanças, já o materialista entende que as mudanças, ou o movimento, são a forma de existência da matéria.

A polêmica com Ernest Mach e a crítica ao Empiro-criticismo

A resenha de 1984 consegue identificar bem o Empiro-criticismo de Mach e Avenarius. Para explicar o que seria esse empiro-criticismo vamos citá-la:  "Ernst Mach é o representante mais destacado da corrente filosófica criticada por Lênin. Físico e filósofo austríaco, Mach expôs suas teses numa série de obras escritas entre o final do século passado e o início deste. Considerava as coisas, o mundo real, como "complexos de sensações". A sensação era o dado primário à qual estava subordinada tanto a consciência (o elemento psíquico) como a realidade material (o elemento físico). Em uma de suas obras, a Mecânica, Mach define o objeto da ciência: "as ciências da natureza só podem representar os complexos de elementos a que chamamos vulgarmente sensações. Trata-se das ligações existentes entre esses elementos. A ligação entre A (calor) e B (chama) é do domínio da física; a ligação entre A e N (nervos) é do domínio da fisiologia. Nem uma nem outra dessas ligações existe separadamente; estão sempre juntas. Não podemos abstrair de uma ou de outra senão momentaneamente. Parece, assim, que os processos puramente mecânicos são sempre simultaneamente processos fisiológicos".
Mach confundia a percepção humana dos acontecimentos reais e as sensações humanas que remetem aos acontecimentos reais, com os próprios acontecimentos.
''Ainda segundo Mach "o que chamamos matéria não é mais do que certo vínculo regular entre os elementos (sensações)". Desta premissa idealista deduz-se que categorias como necessidade, casualidade, determinismo, espaço, tempo, derivam da nossa consciência, da lógica e não da realidade objetiva, do mundo exterior. Nesta linha, Mach afirmou, em 1872, que "não é obrigatório imaginar os elementos químicos num espaço de três dimensões (...) não há nenhuma necessidade de situar os objetos puramente mentais no espaço, quer dizer, em relação ao visível e ao tangível”. O autor, Olival Freire Junior, comenta acerca de uma a ''premissa idealista". Para os marxistas a filosofia é o campo de luta entre materialismo e idealismo. O materialismo seria uma linha de pensamento, onde se busca entender a natureza objetivamente, onde os fatos ocorrem fora da gestão humana e ainda que o homem intervenha, a natureza precede o homem, então a natureza não necessita do entendimento humano para existir, já o idealista acredita no subjetivismo, acredita que os fatos e acontecimentos ocorrem na consciência humana e que não teriam existência própria sem a observação humana .

Mach e o positivismo

Essa era uma confusão da escola positivista de Augusto Comte, que defendia que a observação era a função central do cientista "ver para prever, a fim de prover". O positivismo rejeita todo o tipo de abstração e acredita que uma boa teoria científica deve se basear apenas em conceitos que possam ser observados, e neste caso, a idéia de observação é observação direta, pois eles acreditam em um tipo de infalibilidade dos sentidos humanos (2). Essa visão fica mais clara nas obras do filosofo Richard Avenarius é o chamado ''complexo de sensações''. O empiro-criticismo, é, assim, uma doutrina filosófica oriunda do positivismo, que critica supostamente o idealismo e o materialismo, tentando fazer um tipo de síntese entre ambos. Na verdade, aparência de materialismo, quando propõem que as teorias científicas, em especial as teorias da física, sejam rompidas com o que ele chama de metafisica.
"A ideia era fundamentar a física com o menor emprego de noções metafísicas possível; devia-se apelar apenas para os dados experimentais e conceitos que de algum modo fossem acessíveis ao ser humano. O papel do filósofo da ciência seria o de analisá-los com o devido cuidado e criar uma estrutura para a física que não necessite apelar a conceitos inobserváveis "(3)
O problema é justamente esse ''acessível ao ser humano". Aqui é que entrava o tal 'complexo de sensações', a física deveria ser convertida aos sentidos humanos. Dizendo de outra forma, as medidas físicas deveriam ser convertidas ao que os sentidos humanos podem expressar, pois Mach considerava que a representação que o cérebro faz dos objetos e fenômenos tem primazia, sobre os objetos e fenômenos propriamente, que não teriam uma existência fora da percepção humana. A aparência de materialismo desaba frente a um conceito totalmente subjetivo. Sendo assim, o conceito de 'observável e inobservável' depende da capacidade humana de percepção. Contudo, a realidade é teimosa e não gosta de se adequar aos caprichos idealistas. Os avanços científicos posteriores, em particular na física, corroboraram a materialidade de conceitos que Mach e Avenarius consideravam metafísicos, pois estão além da capacidade dos sentidos humanos. Uma observação astronômica hoje é feita com potentes câmeras CCD. Essas câmeras convertem fótons em elétrons, e as transformam em pixels, um complicado processo quântico, que ele mesmo esta fora das nossas percepções. O que diriam eles do fato do olho humano ser capaz de perceber apenas uma parcela do espectro eletromagnético?  

Figura mostrando a pequena parte do espectro eletromagnético que é perceptível pelos sentidos humanos 

Boa parte da observação astronômica é feita na raia espectral das ondas de radio, ondas de 1 metro até 1000000 metros. Enquanto o olho humano só percebe ondas na escala de 0,000004 a 0,0000007 metros, essas ondas são detectadas em potentes radio telescópios, que são enormes antenas parabólicas




Radio telescópio FAST, maior radio telescópio do mundo com abertura esférica de 500 metros, localizado na cidade da astronomia, em Pingtang, na China

Além de observações em radio, hoje em dia, todo o espectro eletromagnético é explorado como canal observacional, e, recentemente foi inaugurado no LIGO, um novo canal de observação do universo. O LIGO é o telescópio de ondas gravitacionais, que foram recentemente detectadas e confirmadas em seu co-irmão VIRGO. Ambos são interferômetros, isto é; medem interferências em raios luminosos causados pela passagem de uma onda gravitacional, que é uma perturbação na geometria do espaço-tempo. Ondas gravitacionais não são detectáveis pelos sentidos humanos. Os adeptos do empiro-criticismo poderiam considerar, também, a matemática abstrata como metafísica, no entanto, a teoria da relatividade de Einstein tornou a matemática abstrata numa entidade física (ver aqui Geometria e Experiência).  Lenin explica isso: "As ciências naturais conduzem, pois, à "unidade da matéria" (loc. cit.) (2) — tal é o sentido efetivo da frase sobre o desaparecimento da matéria, sobre a substituição da matéria pela eletricidade, etc., que perturba tanta gente. "Desaparecimento da matéria": isso significa que o limite até o qual conhecemos a matéria desaparece e o nosso conhecimento se aprofunda; propriedades da matéria que antes nos pareciam absolutas, imutáveis, primordiais (impenetrabilidade, inércia, massa, etc.) desaparecem, reconhecidas agora como relativas, exclusivamente inerentes a certos estados da matéria. Aliás, a única "propriedade" da matéria, cuja admissão o materialismo filosófico definiu, é a de ser uma realidade objetiva, a de existir independentemente da nossa consciência."
Neste sentido o experimento de Sobral, que detectou as lentes gravitacionais e agora as ondas gravitacionais mostram que filosoficamente até a abstrata geometria é no sentido filosófico materialista, matéria e como matéria é mutável, sofre transformações. Portanto a física desmoralizou completamente as ideias machianas quanto à experimentação e à sensibilidade human. Mas as ideias marxistas podem ser comprovadas pela ciência? A dialética marxista pode em algum sentido ser comprovada por teorias na física ou em outras ciências?

Apêndice do livro "Materialismo e Empiro-criticismo" 

Vamos reproduzir ipsis-literis o apêndice do livro, pois é nele que Lenin explica a dialética.

"O desdobramento do um e o conhecimento das suas partes contraditórias [ver no Heráclito, de Lassalle (7), no inicio da parte III Do conhecimento, a citação de Filon relativa a Heráclito, eis uma das coisas essenciais, uma das particularidades principais, senão a principal, da dialética. É assim que Hegel também fórmula a questão. (Aristóteles) (8), em sua Metafisica, gira constantemente em torno desse problema e combate Heráclito ao mesmo tempo que as ideias emitidas por esse filósofo.)
A justeza desse conteúdo da dialética deve ser comprovado pela história das ciências. Geralmente (sobretudo Plerrânov), não se dedica bastante atenção a este aspecto da dialética: a identidade dos princípios antinômicos é considerada como um conjunto de exemplos (ver igualmente em Engels(9) a "semente", o "comunismo primitivo"). É que se pensa antes em vulgarizar uma noção do que exprimir uma lei do conhecimento (que é, igualmente, uma lei do mundo objetivo).
Em matemática: + e -, diferencial e integral.
Em mecânica: ação e reação.
Em física: eletricidades positiva e negativa.
Em química: associação e dissociação dos átomos.
Em ciências sociais: luta de classes.

Identidade dos contrários (talvez fosse mais acertado dizer "unidade", embora a distinção entre os termos "identidade" e "unidade" não tenha aqui grande importância(10); um e outro termos são justos) significa o reconhecimento ou a revelação das tendências contrarias, que se excluem reciprocamente, em todos os fenômenos e processos da natureza (na qual cumpre incluir também o espírito e a sociedade). Para se conceber amplamente todos os processos do mundo em sua "autodinâmica", em seu desenvolvimento espontâneo, em sua verdadeira vida, é necessário conhecê-los como um todo constituído de contrários. A evolução é uma "luta" de princípios antagônicos. Há duas maneiras de conceber a evolução (digamos, duas possibilidades, ou, então, dois aspectos dados pela história): a evolução como redução, o acréscimo como repetição; ou, então, essa mesma evolução como unidade de contrários (desdobramento do um em princípios que se excluem e relações entre esses princípios antagônicos).

A primeira concepção é seca, estéril, árida. A segunda é viva e criadora. Somente essa última concepção nos explica a "autodinâmica" de tudo quanto é, dá-nos a chave dos "movimentos bruscos", das "rupturas de continuidade", das conversões de sentido; somente ela nos faz compreender a destruição das coisas velhas e o nascimento das novas.

A unidade (coincidência, identidade, equivalência) dos contrários é condicionada, temporária, transitória, relativa. A luta dos princípios que se excluem reciprocamente é absoluta, sendo em si absolutos a evolução e o movimento.
Observemos aqui que o subjetivismo (o ceticismo, a sofistica, etc.) difere da dialética particularmente nisto: para aquele, o relativo não é senão relativo e exclui o absoluto, enquanto para a dialética (objetiva), a diferença entre o relativo e o absoluto não é senão relativa e há absoluto no relativo.
Se se atém à primeira concepção do movimento, a auto- dinâmica fica na sombra, não se percebe a força motriz, a fonte, o motivo (a menos que se a coloque fora, invocando um "deus", um ser-sujeito, etc.). A outra concepção leva-nos, principalmente, a investigar a fonte da autodinâmica.
Marx, em O Capital, analisa em primeiro lugar o que existe de mais simples, de mais comum, de fundamental, de mais frequente nas massas e na vida cotidiana, o que se encontra a todo instante, as relações de trocas comerciais no regime burguês, a troca de mercadorias. Sua análise revela, nesse fenômeno elementar (nascido da "célula" da sociedade burguesa), todos os antagonismos (ou germes de todos os antagonismos) da sociedade contemporânea. Em seguida, sua exposição descreve-nos a evolução (crescimento e movimento) desses antagonismos e dessa sociedade, na soma de suas partes essenciais (∑), do princípio até o fim.
Tal deve ser o método de exposição ou de estudo da dialética em geral (para Marx, a dialética da sociedade burguesa não é senão um dos aspectos particulares da dialética). Que se comece por uma proposição das mais simples, das mais corriqueiras: as folhas desta arvore são verdes; João é um homem; Medor é um cão, etc. Como Hegel observou genialmente, já nisso temos dialética: o particular contém o geral. É o que Aristóteles já afirmava em sua Metafísica, dizendo: "Não se pode figurar abstratamente uma casa, a casa em geral, que não seja uma das que estamos vendo"(11).
Desse modo, os contrários (o particular opondo-se ao geral) são idênticos: o particular não existe senão na medida em que se relaciona com o geral. O geral não existe senão no particular, através do particular. Toda coisa particular tem, de certo modo, seu caráter de generalidade. Toda generalidade pode reduzir-se a uma parcela, a um aspecto ou à essência do particular. A generalidade engloba os objetos particulares, apenas de maneira aproximada. O particular não entra integralmente no geral. E assim por diante. Toda coisa particular se relaciona, através de milhares de transições, com particularidades de outra espécie (coisas, fenômenos, processos). Ai já encontramos elementos, germes, conceitos de necessidade, de ligação objetiva na natureza. O que há de acidental e o que há de necessário estão presentes no fenômeno e na essência, quando dizemos: João é um homem: Medor é um cão; eis uma folha de arvore; uma vez que, nesse caso, repelimos as contingências e conservamos o essencial, opondo-se aquelas a esse último.
Desse modo, em toda proposição, pode-se (e deve-se) discernir, como em uma "célula" química, os elementos embrionários da dialética, demonstrando, assim, que ela se aplica a todo conhecimento humano. As ciências naturais revelam-nos (bastaria, para isso, um exemplo bem simples) a natureza objetiva em suas qualidades, a transformação do particular no geral, do acidental no necessário, as inferências, as conexões, as ações e reações dos contrários. A dialética é, essencialmente, a teoria do conhecimento (de Hegel até o marxismo): esse aspecto (que não é um aspecto, mas a base) não foi suficientemente estudado por Plerrânov e nem por muitos outros marxistas’’.
***
O conhecimento descrito por curvas cicloidais está definido em Hegel(12) (Lógica) e em Paul Volkmann, nosso contemporâneo, naturalista gnoseológico, eclético, adversário do hegelianismo, que ele, aliás, não entendeu (ver os seus Erkenntn. Grundz d. Naturw(13)
A cronologia é obrigatória? Não!
"Ciclos" em filosofia: Ciclo antigo: de Demócrito a Platão e à dialética de Heráclito.
Renascimento: Descartes opondo-se a Gassendi (e também a Spinoza?)
Ciclo moderno: de Holbach a Hegel, através de Berkeley, Hume e Kant.
Depois: Hegel-Feuerbach-Marx.
A dialética como conhecimento vivo, poliscópico(a multiplicidade dos aspectos a considerar não deixa de aumentar), a dialética em que intervém o número infinito de matizes do pensamento buscando abranger a realidade e faz de cada matiz a matéria crescente do seu sistema filosófico: eis a riqueza imensa, em comparação com o materialismo "metafísico", cuja maior debilidade é não saber aplicar a dialética à evolução do conhecimento.
O idealismo, no sentido filosófico do termo, é tão somente uma tolice, do ponto de vista de um materialismo grosseiro, simplista, metafísico. Ao contrário, do ponto de vista do materialismo disciplinado pela dialética, o idealismo filosófico é um desenvolvimento unilateral, uma excrescência, uma superfetação, um dos característicos ou um dos aspectos do conhecimento exageradamente dedicados ao absoluto, destacados da matéria, da natureza divinizada. O idealismo é clerical. Essa é a verdade. Mas é, igualmente ("antes" e "ademais"), um caminho para o misticismo clerical através de uma das nuanças do infinitamente complexo conhecimento (dialético) do homem. E observai esse aforismo!
O conhecimento do homem não segue uma linha reta, mas uma curva que se aproxima ligeiramente de uma espiral. Um fragmento dessa linha curva, tomado isoladamente e de certo ponto de vista, de um só aspecto, pode ser considerado como uma linha reta e integral, que conduziria os curtos de vista diretamente ao pântano do misticismo (para onde seriam impelidos, muito habilmente, pela classe burguesa).
Caminhar em linha reta, de um lado só, numa marcha de manequim, rotineiramente como cegos, do subjetivismo estreito: eis os processos e as maneiras de ser ideológicas do idealismo. Os clericais, os místicos (isto é: os idealistas em filosofia) têm, sem dúvida, suas raízes na terra do conhecimento, porque, do contrário, a nada se ligariam; mas são plantas este- reis, parasitas que se desenvolvem sobre a arvore viva, fecunda, vigorosa, do verdadeiro conhecimento humano, objetivo e absoluto."

Teoria do caos e complexidade

Depois de lermos como Lenin explica a dialética, podemos comparar com a definição do que seriam sistemas complexos:
1. É um sistema em evolução constante, formado de um grande numero de unidades. (Exemplo o cérebro formado por milhões de neurônios, ou uma revoada de Andorinhas).
2. Cada unidade interage com um certo numero, bem menor, de outras unidades. O sistema é aberto, interage com o meio ambiente, não pode ser tratado isoladamente.
3. Cada unidade reage a estímulos recebidos, sendo que a resposta não é proporcional ao estimulo e o estimulo pode ser inibitório ou excitatório.
4. Frustração: levando em conta que os sinais recebidos podem ser contraditórios, a resposta em geral frustrara uma das entradas.
5. Aprendizado: O sistema é adaptativo. Muda com os diversos estímulos.
6. Aleatoriedade: algumas características do sistema são distribuídas ao acaso.
7. Ordem emergente: O sistema se auto-organiza de forma espontânea, partido de um estado desordenado
8. Hierarquia : O sistema trata o estimulo em diversos níveis, como um fóton é tratado pelo nervo ótico, até chegar no cérebro(4)

É notável que ambas as definições possuem muitos pontos em comum, um sistema complexo é altamente dialético e sua dinâmica é marcada por múltiplas relações contraditórias que se sobrepõem, a ordem emerge da desordem.
Além dos sistemas complexos, existem também os sistemas caóticos que são sistemas determinísticos, ou seja, sistemas em que a trajetória ou o comportamento do sistema pode ser previsto com exatidão, como um relógio, porém uma pequena mudança nas condições iniciais (4) pode levar esse sistema a se tornar imprevisível. Um exemplo deste sistema é muito simples, o chamado pêndulo duplo, um sistema de duas massas sustentadas por uma haste articulada, que se torna totalmente imprevisível. Esse efeito foi descoberto por Edwar Lorenz e ficou conhecido como efeito borboleta. Esse tipo de efeito esta associado a memória do sistema e às diversas interações, as pequenas diferenças em cada interação podem mudar drasticamente o sistema. Esse tipo de processo recebe um nome, processo estocástico. Esses processos caóticos e complexos lembram muito a dialética marxista. Em sistemas caóticos, existe ainda um conceito chamado "criticalidade auto-organizada" (4), que seria um tipo de capacidade de um sistema entrar em crise a partir de suas próprias contradições internas.
Essas formulações já bastariam para os marxistas se congratularem por sua capacidade, porem a sociedade também é um sistema complexo e caótico e um conceito que começou em uma dada trajetória, pode acabar em um ponto muito distante.

As aplicações desses novos desenvolvimentos científicos

Um grande número de aplicações pode ser derivada desta nova linha de pesquisa realacionadas a teria do caos e da complexidade. Uma linha muito importante está descrita na página do professor Nuno Crokidakis do Instituto de Física da UFF e está ligada ao mapeamento de epidemias. Reproduzimos o  que tá escrito para que o leitor menos ávido em se aventurar pelos links possa ler a atualidade e relevância da pesquisa científica proporcionada pelos novos desenvolvimentos da física aplicados a vida social que os modelos de complexidade permitem: 

"Um trabalho recente sobre espalhamento de epidemias, em colaboração com Marcelo A. Pires, levou em conta uma sociedade submetida a uma campanha de vacinação. Além disso, levamos em conta que podem existir nessa população 2 grupos distintos de pensamentos diferentes: indivíduos a favor e contra essa campanha de vacinação. Por simplicidade, consideramos que esses indivíduos se influenciam e podem mudar de opinião a partir da regra da maioria. Juntamente com essa dinâmica de opiniões, uma doença se espalha na população, e essa dinâmica foi baseada no modelo SIS. Consideramos ainda que a vacina pode dar imunidade permanente ou temporária aos indivíduos. Através de cálculos analíticos e numéricos mostramos que as interações sociais entre indivíduos podem afetar drasticamente a propagação da doença, e que o engajamento dos indivíduos favoráveis à vacinação pode ser crucial para freiar o espalhamento dessa doença. O artigo foi publicado na Physica A, e pode ser encontrado neste link.
Um outro trabalho nessa linha, em colaboração com Marcio Argollo de Menezes discute um modelo SIS de epidemias onde a taxa de infecção diminui com o tempo. Apesar de ser um modelo SIS, esta mencionada dependência temporal alterou a dimensão crítica superior do modelo para d=6, que é a dimensão crítica do modelo SIR usual, onde há a presença de uma classe R (Recuperados). Isto permite mapear o nosso modelo no problema de percolação por ligações, ao invés do percolação direcionada como é usual. O artigo foi publicado no Journal of Statistical Mechanics, e pode ser encontrado neste link.
Outro trabalho nesta linha, em colaboração com Silvio Queirós, analisou a eficácia de políticas de auto-isolamento de indivíduos no controle do espalhamento de epidemias. Verificamos que a tendência das pessoas não obedecerem recomendações médicas de isolamento faz com que doenças transmitidas por contato sejam difíceis de controlar. Isto pode ajudar a explicar por exemplo como a gripe H1N1 se espalhou rapidamente pelo mundo no surto de 2009/2010. O artigo foi publicado no Journal of Statistical Mechanics, e pode ser encontrado neste link."

Outra a aplicação é a econôfisica, que tem também grande relevância na comunidade acadêmica e possui uma história com origem em 1987. Não menos impressionante, a sociofisica, é derivada dos estudos com epidemias e, estudando a dinâmica dos fenômenos sociais e sua modelagem. O professor Nuno Crokidakis em sua página comenta o seus resultados nesta linha de pesquisa:

"Um outro trabalho nessa linha de dinâmicas sociais saiu recentemente em colaboração com Paulo Murilo Castro de Oliveira. Propusemos um modelo que simula o comportamento de indivíduos em discussões de um tema com 2 opções (sim/não em uma pesquisa, por exemplo). O modelo mostrou que opiniões majoritárias podem ser revertidas e se tornarem minoritárias, e que por trás disso está um mecanismo semelhante a um fenômeno biológico chamado de Gargalo de Darwin. O artigo foi publicado na Physica A, e pode ser encontrado neste link.
Recentemente fizemos um estudo sobre Eleições Brasileiras, em colaboração com Celia Anteneodo e Angelo Calvão. Através de dados obtidos na internet, no sítio do Tribunal Superior Eleitoral, fizemos uma análise estatística do comportamento dos votos em eleições para deputados e senadores, e em alguns casos para vereadores, desde o período da ditadura até os dias atuais (1970-2014). A análise mostrou que a forma como os votos são distribuídos entre os candidatos reflete a evolução das interações sociais entre os brasileiros. Estas distribuições estatísticas são universais, ou seja, a função que as descreve não muda com o tempo, mas os parâmetros associados mudam. Apesar de ser um sistema altamente complicado, onde cada pessoa numa dada população (cidade, estado, etc) tem suas próprias crenças, convicções, etc, conseguimos modelá-lo de um forma relativamente simples. Para isso, propusemos um modelo matemático baseado em equações diferenciais não-lineares com parâmetros estocásticos, que reproduz bem os resultados observados nos dados coletados tanto qualitativa quanto quantitativamente. Em particular, com esse modelo pudemos associar o principal parâmetro da função que descreve as distribuições de votos com as interações eleitores-eleitores e candidatos-eleitores. Estas interações geram uma espécie de feedback para os candidatos, o que pode aumentar ou diminuir o seu número de votos. O artigo foi publicado na PLoS ONE, e pode ser encontrado neste link.
Um trabalho recente, em colaboração com Celia Anteneodo, discute como as convicções de indivíduos que debatem um determinado tema (como o exemplo sim/não dado acima) afetam o resultado final do tal debate. O modelo mostrou um comportamento bem realista: a presença de indivíduos voláteis, que mudam muito de opinião espontaneamente, assim como a de indivíduos que são facilmente convencidos a mudar de idéia, torna difícil a obtenção de uma decisão final em um debate como o exemplificado. Além disso, mesmo sendo um sistema fora do equilíbrio, mostramos que ele está na mesma classe de universalidade do modelo de Ising, que por sua vez é um modelo de equilíbrio. O artigo foi publicado na Physical Review E, e pode ser encontrado neste link."

A pesquisa desenvolvida no departamento de Crokidakis na UFF se apropria dos desenvolvimentos mais recentes em ciência e são os mesmos desenvolvimentos que permitem à Cambridge Analytica, de Steve Bannon, modelar as fakenews que serão enviadas pelas redes sociais como propaganda eleitoral de acordo com o temperamento das pessoas.

De Lenin a Bannon: a dialética é roubada das classes trabalhadoras para ser usada contra elas

Marx escreve acerca da ciência "O modo capitalista de produção é o primeiro a colocar as ciências naturais a serviço direto do processo de produção, quando o desenvolvimento da produção proporciona, diferentemente, os instrumentos teóricos da natureza. A ciência logra o reconhecimento de ser um meio para produzir riqueza, um meio de enriquecimento"(5).
Logo, a ciência, ou melhor, o uso do conhecimento científico, o que inclui a orientação para onde vai a ser aplicado o conhecimento produzido, ou mesmo, qual linha de pesquisa deve ou não ser desenvolvida tem a ver com as necessidades do capital e Marx continua ''... A ciência intervêm como força externa hostil ao trabalho '', sendo ainda mais claro "... a aplicação da ciência ao processo de produção coincide com a repressão de todo desenvolvimento intelectual no curso desse processo... ainda que exista um pequeno numero de operários altamente qualificados o numero destes não guarda nenhuma relação com as massas de operários privados do conhecimento". Marx aqui demonstra que a produção científica tem lado, tem classe, e suas conclusões são bem similares as de outro Carl, o Sagan em "O Mundo Assombrado Pelos Demônios", no qual se indigna com a alienação da população americana com relação ao conhecimento científico.
Parece que Steve Bannon levou tudo isso em consideração quando criou sua maquina de ''modular a opinião pública" na Cambridge Analytica. Bannon, embora seja um delator daquilo que ele chama de marxismo cultural, parece seguir e entender perfeitamente o papel da ciência no capitalismo. Agora a ciência não produz apenas mercadorias físicas, mas pode vender até resultados eleitorais. Sendo que Bannon defende um tipo de conservadorismo, que está muito relacionado aos sentimentos mais primitivos e irracionais da sociedade, com a apropriação imediata da aparência sem profundidade das coisas, sem nenhuma ciência, parafraseando o próprio Marx. Portanto, Bannon e sua doutrina defendem o empiro-criticismo, mas na prática aplicam as melhores conquistas da ciência materialista para justamente manipular a sociedade.

 Conclusão

O movimento operário precisa retomar os velhos métodos materialistas de entendimento da realidade, em especial a analise da economia. Entender as crises do capitalismo e resgatar o conceito de imperialismo como etapa superior do capitalismo, conceito que vem sendo abandonado pelos auto-proclamados revolucionários desde Ernest Mandel.
Foi justamente o abandono do conceito de imperialismo, como etapa final e de decomposição do capitalismo, que fez com que as direções do movimento operário abrissem mão da luta contra medidas imperialistas, em especial, na Europa. O que tem permitido pela esquerda europeia a conivência com a política de guerras e golpes da burguesia dos Estados Unidos.
Acreditou-se que seria possível fazer o socialismo em regiões do mundo sem que o imperialismo tomasse qualquer providência para impedir. Isso levou a crença em um tipo de multilateralismo, mesmo dentro das instituições do próprio imperialismo, sem avaliar que a crise do sistema arrastaria junto suas instituições internacionais.
Atualmente, inclusive diante dos últimos ataques de Trump à OMS, a crise das instituições internacionais, erigidas e incensadas desde a segunda grande guerra, mostra que paz e estabilidade no sistema capitalista é excessão e que o Império usa todos os meios da ciência ao seu dispor para levar a frente seu cortejo de guerras, mortes e destruição.

Referências:
(1)Luiz Paulo Gnecco, Materialismo Dialético e Histórico, segunda edição Edições O Trabalho (1988)
(2)Letícia dos Santos Pereira, Olival Freire Júnior, As doutrinas positivistas de Auguste Comte e Ernst Mach: diferentes posturas em relação ao atomismo no século XIX., Divisão de Ensino de Química da Sociedade Brasileira de Química (ED/SBQ) UFBA, UESB, UESC e UNEB
(3)G. B. de Gracia, A física na visão de Ernst Mach: De uma crítica a Newton às teorias gravitacionais, Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 41, no 3, e20180332 (2019) www.scielo.br/rbef  DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2018-0332
(4) Complexidade & Caos , H Moyses Nussenzwig , Editoria UFRJ/COPPEA
(5) Karl Marx, Capital e Tecnologia, (Manuscritos 1861-1863) Extraído de Ciência&Revolução 00 Edição especial de lançamento (2019)

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