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Editoriais sobre as condições objetivas e subjetivas da situação política internacional e sua influência no Brasil

Serie-Medidas necessarias para a defesa do povo contra o covid-19: Texto 2

Imprimir ou não imprimir dinheiro? Eis a questão

O texto especial de primeiro de maio, aqui no Blog, explicava as consequências da decisão de Nixon, em 1971, ao acabar com o lastro em ouro do dólar. Tornando o dólar um tipo de moeda de crédito, sem lastro na economia real. Discutimos, largamente, como essa medida permite que, os EUA tenham um privilégio exorbitante (livro indicado por Paulo Gala ), pois sua moeda pode ser impressa sem limite e como a dívida dos próprios é indexada em dólar, assim, os EUA imprimem o dinheiro que paga a própria divida. O mesmo Paulo Gala  explica que a impressão de moeda, eventualmente,  pode gerar inflação; explica os canais principais geradores de inflação e avalia que o câmbio pode ser um desses canais geradores de inflação, pois a classe operária não está consumindo; então, o que geraria inflação poderia ser a alta do dólar. Gala  se uniu a um grupo de economistas renomados, para  escrever um  manifesto em defesa da impressão de moedas, onde eles reafirmam  que a classe operária não está consumindo; por isso, não haverá alta na inflação (aqui os índices). Contudo, o preço da cesta básica subiu em abril, segundo o Dieese.


Fonte: Dieese



























Segundo o próprio manifesto dos economistas, a alta do dólar pode realmente ser um problema:
A emissão de moeda reduzirá os juros e os custos da dívida pública, ajudando a reduzir os gastos públicos. Porém pode ampliar a saída de dólares do Brasil.  A ditadura instalada no Palácio do Planalto tem queimado as reservas cambiais deixadas pelo PT, para conter a alta do dólar.

O economista Andre Lara Resende, outro defensor da impressão de moedas, que tem no seu curriculum a paternidade do Plano Real - um dos planos que mais desvalorizou o preço da mão de obra na história, implicando em uma enorme baixa do salário mínimo - deixa claro o objetivo da medida durante a pandemia:
Muitas empresas dos setores mais atingidos como aviação comercial, hotéis,... não irão conseguir sobreviver.
Portanto, o objetivo é salvar os CNPJs e não os CPFs.
A reivindicação de impressão de moedas, sem nenhum complemento,  vem de encontro às necessidades empresariais, que estão com dívidas altíssimas em todo o mundo, como explica Michael Roberts:
Na atual crise do coronavirus, a queda é acompanhada por uma alta dívida global, pública, corporativa e doméstica. O Institute of International Finance, um organismo comercial, estima que a dívida global, pública e privada, superou US $ 255tn no final de 2019. Isso é US $ 87tn maior do que no início da crise de 2008 e, sem dúvida, será muito mais alto como resultado da pandemia.
A impressão de dinheiro leva à baixa do juros e faz com que as empresas peguem mais empréstimos, entrando numa espiral de dívida sem saída. 
Acerca disso, Michael Roberts sentencia:
Acabar com a espiral da dívida e do capital fictício exigirá muito mais do que tributar mais os ricos ou comprar empresas mais fracas com dívida do governo.
Essa consideração de Michael Roberts contra a política de taxação de grandes fortunas e impressão de moedas, coloca um verdadeiro problema. Na verdade, Michael Roberts já disse em outros textos, e nós citamos, que a maioria das políticas ditas Kenesianas, políticas de investimento estatal para ajudar os grandes capitalistas,  já foram usadas em larga escala por quase todos os países do Mundo. A  exceção seriam os países da América Latina (ver relatório do Banco Mundial). Então, a impressão de moedas e a taxação de grandes fortunas não são suficientes. O que falta?

Centralização do Câmbio para deter a fuga de capitais


Michael Roberts, como bom marxista, lembra: Agora, na pandemia, governos e bancos centrais estão dobrando essas políticas apoiadas por um coro de aprovação de keynesianos de várias tonalidades (MMT e tudo), na esperança e expectativa de que isso consiga reviver as economias capitalistas após os bloqueios (relaxado ou terminado). E quanto à impressão de moedas Roberts é bem claro: preparar alguma mercadoria.

Num momento em que o país precisa importar insumos médicos (ver aqui aula da economista Monica de Bolle), é necessário fixar a taxa de câmbio, para que o país fique em melhor condição de comprar equipamentos médicos, que ainda não produz. Ou seja, precisamos que o real tenha um valor  razoavelmente alto frente ao dólar, para facilitar as importações de insumos médicos (ver aqui uma explicação bastante didática sobre esse processo). Assim, as duas medidas - centralização do câmbio e impressão de moeda - poderiam surtir um efeito a curto prazo, pois a centralização do câmbio poderia fixar o valor de troca entre real e dólar, em um patamar que fosse interessante para as importações e, ao mesmo tempo, que não permitisse o vazamento de recursos como, aconteceu ano passado e continua acontecendo este ano. 

Paulo Gala mostra que a China mantém um forte controle do câmbio, manipulando-o de acordo com as necessidades internas. 


O câmbio subvalorizado chinês foi parte de uma estratégia que vem dando certo já desde os anos 80. Ao promover a competitividade de seus produtos, o governo chinês foi capaz de implementar, junto com outras políticas, um enorme upgrade na indústria. Esse modelo de crescimento puxado por exportações tem funcionado muito bem, como aliás funcionou no Japão, Coréia do Sul, Taiwan e até mesmo na Malásia, Indonésia e Tailândia. No caso chinês, as reservas foram a 4 trilhões de dólares e o volume de exportações passa da casa do 1 trilhão (em 1980 Brasil e China exportavam num ano 20 bilhões de dólares). 
Portanto, a China fez o oposto do que é necessário ao Brasil neste momento - a China depreciou sua moeda frente ao dólar. Neste momento, o Brasil precisa valorizá-la. Não adianta nada imprimir moeda, tendo o dólar supervalorizado, isso seria apenas um sumidouro de recursos. 
Fonte: Nexo




É preciso recuperar a força da classe trabalhadora

Essas medidas monetárias, como disse Michael Roberts, não podem recuperar o poder de compra da classe operária. Aliás, a falta de poder de compra da classe operária e a impossibilidade de crescimento desse poder, a curto prazo, é usada para justificar a impressão de moedas. 

O país precisa retomar o emprego, retomar os acordos salariais; precisa, em especial, estatizar as empresas falidas  assim como todas as empresas estratégicas e fundamentais e, principalmente, pagar o salário dos trabalhadores. O dinheiro para pagar o salário dos trabalhadores poderia vir  das reservas cambiais, que deveriam ser repatriadas, como defendeu Marcio Porchman na campanha presidencial. Essa seria uma medida interessante, pois iria na contramão do padrão capitalista atual, que é tirar dinheiro da produção para investir na especulação. Contudo, a crise do capitalismo é estrutural, o sistema da propriedade privada dos meios de produção agoniza pelo excesso de capitais especulativos, que não encontram mercados reais para se valorizarem. Essas medidas em conjunto poderiam resgatar o nível de consumo da classe operária.  Medidas mais concretas seriam necessárias, como estatizações generalizadas, congelamento de preços, etc; como diz a plataforma do Núcleo de base do PT, Ninguém Fica Para Trás.






O economista Erenildo Euzébio, em uma conversa informal com um dos editores do Blog, comentou: Uma boa proposta seria retomar a idéia do P. H. Amorim, a Construbras. Segundo Euzébio, a Odebrecht, pilar do desenvolvimento da era Lula, foi praticamente destruída pelo ataque do lawfare lavajatista; porém, a Petrobrás sobreviveu ao ataque - uma empresa estatal tem melhores condições de sobreviver neste cenário. Esse ponto de vista é compartilhado por Paulo |Gala, que apoia a tese da complexidade industrial. Porém, a aplicação desse tipo de medida não seria possível com um Congresso Nacional cheio de ruralistas exportadores - que preferem o real  depreciado frente ao dólar, para manter suas taxas de exportação de produtos de baixa complexidade; nem com um poder judiciário  conhecido por ficar do lado desse tipo de interesse. O uso do poder judiciário contra os trabalhadores e sua organizações tem até nome - lawfare. 



Apagando fogo com gasolina

O Banco Mundial emitiu um relatório sobre a situação das economias da região da América Latina (ver aqui a versão em português). onde analisa as medidas tomadas por diversos países. Podemos ler:
Na América Latina e no Caribe, o setor financeiro chega à crise atual em uma situação relativamente forte. 
No início da crise atual, os bancos da região eram, em termos gerais, solventes e lucrativos. A maioria gozava de liquidez considerável, e poucos estavam expostos a altos riscos cambiais. Contudo a saída de capitais especulativos também é detectada pelo Banco Mundial, que propõe a seguinte solução:
Para amortecer o choque econômico, os governos podem precisar transferir riscos e perdas negativos, quando significativos, para balanços públicos. A socialização das perdas pode exigir a aquisição de cotas acionárias de instituições do setor financeiro (por meio de processos de recapitalização e absorção de carteiras com desempenho insatisfatório) e de empregadores estrategicamente importantes. Contudo, há um risco de que prevaleça uma abordagem confusa, em vez de uma política com foco em triagem, resoluções baseadas em diagnóstico e reestruturação de ativos. Traduzindo do economês para o bom português: "Salvem os bancos!!!!" O Banco Mundial como uma instituição do capital financeiro defende que os bancos devem ser salvos e aconselha: 
A perspectiva de uma nacionalização implícita de partes da economia é preocupante por duas razões. Em primeiro lugar, em situações em que as instituições têm fraquezas, um Estado com posses consideráveis abre as portas ao clientelismo, a favoritismos e, potencialmente, à corrupção. Em segundo, a propriedade total ou parcial do Estado de segmentos importantes da economia pode prejudicar a concorrência e corroer o dinamismo ao longo do tempo.


"Concorrência e dinamismo" - em português, essas palavras não costumam significar o que empresas como a Vale e a CSN fazem (ver aqui a pilha de rejeitos da CSN que ameaça o abastecimento de água em todo o Estado do Rio). Em geral, a defesa dos capitalistas resulta em mais capital especulativo, como diz Michael Roberts, analisando as consequências econômicas da pandemia:

Baixa rentabilidade e aumento do endividamento são os dois pilares da Longa Depressão (ou seja, baixo crescimento no investimento produtivo, renda real e comércio), nas quais as principais economias estão presas na última década. Agora, na pandemia, governos e bancos centrais estão dobrando essas políticas, apoiadas por um coro de aprovação de keynesianos de várias tonalidades (MMT e tudo), na esperança e expectativa de que isso consiga reviver as economias capitalistas após os bloqueios, relaxado ou terminado.
Roberts diagnosticou que a hipertrofia de capitais especulativos é o problema e que essa hipertrofia não será revertida nos marcos do próprio capitalismo:  
É improvável que isso aconteça porque a lucratividade permanecerá baixa e pode até ser menor, enquanto as dívidas aumentarão, alimentadas pela enorme expansão do crédito. Em seu artigo, Roberts analisa as economias europeias e estadunidense, mas o Banco Mundial tenta importar essas tendências para a America Latina:
Proporcionalmente ao tamanho de suas economias, os pacotes de países como Brasil, Chile e Peru são comparáveis aos adotados pelas economias avançadasContudo, são medida de salvação das grandes empresas, como vemos agora. 




No caso do Brasil, o programa é o Pró Brasil, apresentado pelo presidente efetivo Braga-Neto, pelas costas de Guedes. Trata-se de um plano de doação de 30 bilhões do Tesouro para a iniciativa privada e mais 25 bilhões em concessões. Portanto, mais um plano para salvar CNPJs e não CPFs . Ratificando a posição de Michael Roberts:

As economias capitalistas permanecerão deprimidas e, eventualmente, serão acompanhadas pelo aumento da inflação, de modo que essa nova perna da depressão se transforme em estagflação. 


Estagflação seria um misto de estagnação com inflação. Esse é o futuro da classe operária, sob o tacão do sistema capitalista. O que certamente implicará em mais perseguições contra os descontentes que ousarem se rebelar contra o estado de coisas.  Para concluir, Michael Roberts sentencia:
(...) as crises capitalistas não podem ser encerradas enquanto se preserva o modo de produção capitalista.


O Horizonte do capitalismo é a barbarie e a morte

Não existe futuro para a classe operária nesse sistema, como indicam os próprios dados dos economistas. Não é de hoje que Ciência & Revolução noticia o aumento do orçamento de guerra e a hipertrofia dos capitais especulativos, que parasitam a produção

A Pandemia de Coronavirus colocou fim a diversos processos revolucionários pelo mundo, mas mesmo em meio à pandemia o povo do Equador é empurrado à rua para defender suas vidas , como relata Aline Piva em seu Giramundo. As condições dos povos tornam-se explosivas, não apenas na América Latina, mas mesmo dentro dos próprios EUA. 

A Emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores


Estamos diante de crise institucional absurda, de decadência generalizada das instituições da república,  a ponto de a deputada bolsonarista Carla Zambelli reconhecer que Moro perseguia o PT - A mesma Carla Zambelli que atacou Glauber Braga por chamar Moro de juiz ladrão. O regime usa  métodos cada vez mais ditatoriais, mesmo contra quadros como Witzel, governador do Rio,  que sempre foi defensor de arbitrariedades. O que mostra que, quando uma ditadura começa, ninguém sabe onde vai parar e, nesse caso, a ditadura começou no golpe de 2016.  E, agora, chega ao ponto de voltar-se contra membros da sua própria base social. Nesse cenário em que a perseguição política  passa da relação da burguesia com as organizações da classe operária, para as relações intraburguesia, é necessário a reafirmação da independência das organizações da classe trabalhadora, defendendo nossos perseguidos e as pautas que satisfazem às necessidades dos trabalhadores e da maioria oprimida da sociedade. Nesse sentido, a campanha do Voz Operária e dos Núcleos Petistas do Rio de Janeiro tem todo sentido, não apenas em apoiar os trabalhadores desamparados, mas também em reagrupar os perseguidos  do sistema. 

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